Foto: Jorge Coelho Ferreira

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POEMAS DE NAMIBIANO FERREIRA

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16 de maio de 2014

MUKUROKA PIRIQUITO

Mukuroka Piriquito - Gravura de Mário Tendinha (Angola)


Este poema foi inspirado nesta gravura da autoria do meu conterrâneo e amigo Mário Tendinha.  Mukuroka Piriquito, aqui retratado é um conterrâneo lá do Sul, de Tômbua. Não é personagem inventada, nem pelo pintor nem pelo poeta. Ele existe mesmo. É um homem que foi guia de caçadores e turistas, conhece o deserto e a região do Parque Nacional do Iona sem precisar de uma bússola. Ele é a própria bússola e palmilha o deserto, grandes distâncias, a pé. Um grande kandandu para Mukuroka Piriquito.




MUKUROKA PIRIQUITO


Cansado, talvez de trazer nos pés o vento de pentear os dias
e o tempo das rotas esquecidas de muitas ondjiras do sul
Mukuroka Piriquito descansa no lar da fogueira acesa
no Omauha com o sol de lembrar Tchitundu-Hulu e a espiar
olho no Mukuroka Piriquito ave de voar na asa palmilhando
areias milhas e poeiras ventos e canseiras nas miragens da sede
do nosso Sul encharcado de amarelo a morrer luminoso
no afago abraço do sol derretendo welwitschias gazelas
e Tômbua que resiste no abraço velho das casuarinas heroínas
que se cansaram de lutar contra as areias que andam sob os pés
de Mukuroka Piriquito descansando à fogueira do Omauha
naquele dia que o Mário o viu e depois, talvez, o desenhou
como se fosse uma gravura perdida de Tchitundu-Hulu.
Sentado à fogueira do Omauha, Mukuroka Piriquito, descansa
do palmilhar dos dias sol-fadiga de Namibe deixando-se cobrir
de gloriosa poeira ouro que vem, como renda preciosa e ouro sobre azul,
levemente poisar sobre a nudez dos seus nonkakos a mostrar
sabedoria de quem sabe ler o sol e o brilho lúcido das estrelas do sul
sempre tão belas nas noites do deserto e os nonkakos de Mukuroka Piriquito
são luandos de cartografar mapas escritos e desenhados no céu sendeiro
sem tempo dos astrolábios presos como toninhas nos olhos vento
que se bebem nas margens sedentas do Kuroka do março da fartura.



Namibiano Ferreira 


Ondjira - palavra Tchiherero que significa caminho, ela aqui está com o plural feito á maneira portuguesa.
Omauha - significa pedra, no mesmo idioma, mas refere-se a um lodge que existe no Parque Nacional do Iona, Namibe, Angola.
Tchitundu-Hulu - é um local no mesmo Parque (Iona) que possui belas gravuras rupestres, representando animais e astros, como o sol, por exemplo. O seu nome significa "Gruta Sagrada do Céu" e é um lugar de culto para os Kwisses, um outro povo do deserto.
Nonkakos - sandálias que se fazem artesanalmente, se observarem os pés de Mukuroka podem ver os seus nonkakos.
Luando - esteira.
Kuroka ou Curoca - rio do deserto, que desagua perto de Tombua. Este rio só tem água na época chuvosa e em especial entre Fevereiro e Abril. O Kuroka é um pequeno Nilo que atravessa a aridez do município de Tombua. 

2 comentários:

António Eduardo Lico disse...

Uma bela poesia. Bela como o deserto.
Bom início de fim de semana.
Abraço.

Graça Pires disse...

E assim vou compreendendo melhor esse misterioso continente...
Beijo.