Foto: Jorge Coelho Ferreira

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POEMAS DE NAMIBIANO FERREIRA

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22 de junho de 2007

TRANQUILIDADE





O luar
o mar
na água tranquila
o teu corpo a soçobrar...
camélia
cândida de paz
nenúfar
meigo de carícias.
Na praia, platina acesa,
o luar
o mar
e o meu corpo perplexo
no prelúdio do desejo.





Namibiano Ferreira

19 de junho de 2007

IMBONDEIRAÇÃO




Tuas mãos suplicam ao vento
A oração digitaliforme.
Um tronco robusto,
Árvore em dedos de loucura pertinente,
Lança do solo ao sol o perfume:
Oxi-terra-lamento,
Herança-alma-sangue.
Um tronco robusto,
Imbondeiro sekulu secular
Arranha os céus
Onde estão voando cazumbis
Enquanto preguiçosos dormem os deuses.




Namibiano Ferreira




Sekulu - Pessoa de idade e muito respeitada.
Cazumbis - Espiritos.


CANTIGA NA TARDE



Depois, pouco-pouco, os pingos de chuva começaram a cair nem cinco minutos que passaram todo o musseque cantava a cantiga d’água nos zincos, (...)

Luandino Vieira - Luuanda



(Para a Domingas e o Francisco)


A tarde,
Vibrando calor e suor
Desceu sobre a cidade
E vieram gotas
Líquidas de cristal
Acordar cheiros e sons...
Sobre um telhado qualquer
A prata tamborilava
Uma velha melodia
E um raio de nada
Despertou
Recordações e lembranças:
–Cantigas tamborilando em telhados de zinco.

Namibiano Ferreira

SAUDACAO MATINAL

 Tela de Mário Tendinha





Olaripo’tivelêeee…*
-Eh!
-Nainduka! -Eh!
-Matxiririka! -Eh!


E palavras
mãos batidas ao luar do peito
entrelaçam cumprimentos
saudações matinais.


Dias de sol
espargem do céu
o presente matinal de luz
gazelas cirandam
e no trilho das boiadas
os pastores Kuanhamas
vêm cantando
enquanto o chão levanta
sem canseiras
omufitos de seios ao vento
e ao mesmo tempo
sobre a anhara luzidia
uma voz vem perguntando
lá do fundo imtemporal do Tempo:
- Quem matou a rainha do Kuanhama?


Namibiano Ferreira

*Primeira estrofe saudações em idioma Kuanhama, Sul de Angola, provincia do Cunene.
Omufitos – areia fina, que voa facilmente com o vento.
Anhara – savana.

14 de junho de 2007

BÚSSOLA

Pintura de Almada Negreiros


Para a Dinah:




Oriento-me no oriente
de teu corpo
esperando o sol
erguer-se fagueiro
no sorriso luminoso
candura de teu ventre
chana quente
aberta ao desejo
iluminado no muxito
de meus olhos
ondulantes.


Namibiano Ferreira - 14/06/07

1 de junho de 2007

POEMA PARA DIA FERIADO







Às estrelas
Vou falar das crianças famintas
E gritar quantas
De entre elas
Morrem de fome
Antes mesmo de terem um nome

Décio B. Mateus
In A Fúria do Mar



Dia Internacional da Criança
feriado na Banda Ngola.
Festejam-se os meninos-musseques
rotos esfarrapados de vácuos na barriga
louca inchada de sopros esfomeados.
Celebram-se os meninos-musseques com sóis
assassinados no olhar
como ontem, quando o vento Leste soprando
trazia no ventre a revolta a esperança
a indignação e a promessa...
A PROMESSA rubra-negra do vento
amanhecida na manhã de Fevereiro
e jurada na madrugada rubra de Novembro.



Promessa, hoje, falhada perdida no trilho-vento
e arrepiada nos olhos tristes dos meninos-musseques
pata rapada sem eira nem beira
minguados de amor carentes de esperança.
Meninos-musseques vendo cair a chuva
sobre as chapas negras das cubatas,
brincando nas lamas dos esgotos e lixeiras
como antigamente o neto da Ximinha
chapinhando brincando contente e nu
como se alguém fosse brincar contente
sobre a tuji lamacenta malcheirosa lixeirenta
invadindo os becos fedorentos dos musseques.


E chegando de charuto na boca em fatos gordos
engomados, os senhores globais vêm dizendo:
Ah! Mas não tenham pena destes moleques negros
porque o sol brilha e o clima tropical-paraíso aquece
e por isso andam rotos descalços esfarrapados...
Olhai olhai as belas barrigas inchadas das meninas,
crianças ainda e já grávidas, gente promíscua
esta gente este povo de musseque, olhai as orgias
bebedeiras e sexualmente lascivos pecaminosos...


Só nós vemos as barrigas das meninas parindo fartura de fome
e os Meninos-musseques nutridos de um vazio infame e doente
corroendo alma e estômago fome que não sentes e não vês.
A fome a doença as cubatas de chapa e vejam como eles ainda
sabem rir brincar sorrir... e morrer neste mundo-musseque
fétido imundo podre alienado de tanta promessa assassinada.
No entanto, ao largo e ao perto sob a beleza do céu
tropical, jorram do mar e das praias caluandacabindasoyo
farturas negras negras de petróleos
homenageando tua pele negra, negra como a noite
concentrada na brutalidade dos musseques das belas Luandas
proliferando nesta nossa Angola linda.

Os cobiçados diamantes da Lunda brilham fortunas
e corrupções que não cobrem a nudez negra de tua pele
e não acariciam de brilho os teus olhos
espelhos hialinos feitos para desejar o mundo...
petróleos diamantes e todas as outras muitas riquezas
desta terra de Angola linda não chegam ou não chovem
suave de mansinho sobre os meninos-musseques
cobrindo assim tua nudez
saciando assim tua barriga inchada
curando assim tua dor-doença
matando assim tua ignorância....


Ah! Meninosninas negros negros dos musseques negros
abarrotados de negros fétidos brutos matumbos ignaros
como ontem nos antigamentes da vida ignaros...
Onde estão onde foram as PROMESSAS
promessas feitas na manhã de Fevereiro
e juradas na madrugada rubra de Novembro?


Ah! Meninosninas monas candengues musseques
aprisionados num futuro agonizado tresmalhado:
Vós sois o futuro criminal das ruas
Vós sois o futuro kitata dos becos e esquinas
Vós sois o sol de um futuro sonhado e assassinado
Vós sois ainda os monangambas lavadeiras serviçais
turba proletária pretos matumbos, ontem e hoje,
reprimidos para além dos asfaltos da vida
do mesmo asfalto antigo e feito presente hoje mesmo.
Onde estão onde foram as PROMESSAS
promessas feitas na manhã de Fevereiro
e juradas na madrugada rubra de Novembro?


E o Sol, astro de liberdade, vem acariciar tua pele
neste e todos os dias que deviam ser teus e não são
meninosninas do musseque e só ele sabe:
Vós sois o Amanhã transbordando revoluções
sobre as ruas-praças-avenidas conjugando as promessas
feitas e não cumpridas neste komba canção de musseque.



Namibiano Ferreira – 31/05/2007




Banda Ngola - Terra de Angola.
Musseque - Bairro pobre, favela, bairro-de-lata.
Tuji - Merda.
Kitata - Prostituta.
Monangamba - Carregador, servical.
Matumbo - Estupido.
Komba - Cerimonias funebres tradicionais.