Foto: Jorge Coelho Ferreira

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POEMAS DE NAMIBIANO FERREIRA

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23 de fevereiro de 2010

O KANE-WIA

Como havia prometido no poste sobre Tchitundu-Hulu, hoje apresento o Kane-Wia.



Como vos prometi na postagem sobre Tchitundo-Hulu aqui estou hoje para vos falar de um outro morro do Namibe. Bem no interior, próximo da localidade do Virei, existe um morro a quem os Ovakuvale (Mukubais) chamam de Kane-Wia. É um lugar que povoa o imaginário sobrenatural da minha infância... não conheço o lugar mas depois que vos traduzir o nome do morrro em português, mesmo os menos descrentes, vão pensar duas vezes se lá querem ir.
Kane-Wia é o Morro “quem sobe não volta” ou “ quem o subir não volta” e a verdade é que o Kane-Wia é um acidente geográfico pouco conhecido e mesmo deixado á sua sorte. Se pedirem a um homem Ovakuvale para ele vos acompanhar como guia ele prontamente recusará nem que o pagamento sejam manadas de bois, já que ouro e dinheiro, são coisas sem valor para um homem Mukubal. O Kane-Wia é tabu para os Ovakuvale: é kane-wia (quem o sobe não volta a descer, desaparece, faz uafa, morre). Portanto, o Kane-Wia vivia sossegado e inexplorado, uma espécie de montanha sagrada onde Deus dorme e, por esse motivo, interdita ao comum dos mortais.
Em 1937, um eminente biólogo da Universidade de Coimbra, Dr. Luís Wittnich Carrisso, veio até ao Namibe para estudar a flora local e como homem racional e de ciência que era resolveu contrariar a crença subindo o Kane-Wia. Seja por mera coincidência ou por outra estranha razão o grande cientista português, embora socorrido pelo seu companheiro, veio a sucumbir em pleno deserto, a cerca de 80 km da cidade de Moçâmedes (actual Namibe). Nesse mesmo local foi, posteriormente, erguida uma lápide com a seguinte inscrição: “Dr. L. W. Carrisso XIV-VI-MCMXXXVII”.

Namibiano Ferreira


Há falta de imagem do Kane-Wia, ficam as Montanhas de Tchamalinde no Namibe


 Para terminar, um poema da minha autoria e inspirado no Kane-Wia mas para uma outra realidade. Este poema (anterior a 1998) faz parte de um poemário intitulado “No Vento e No Tempo”, cujos poemas não têm título mas são numerados de 0 até 46.







QUE SUBA O MWATA O KANE-WIA


O tempo arrasta garroa
como se fosse um vento fétido
expirado por deuses amnésicos.
Na noite, oximalankas e mabecos,
dão risadas sob o luar da Morte.
O tempo traz garroa no ventre
e uma aridez uterina ondula despertando
o Kazumbi ancestral que vem dizendo:


– Que suba o mwata o Kane-Wia,
Depressa-depressa!
– Que suba o mwata o Kane-Wia,
a montanha quem sobe não volta
para nunca mais impedir a chuva
sobre a terra, roseira bela!


– Que suba o mwata o Kane-Wia,
deixando açucenas florindo
nos ombros dos caminhos e sobre a terra,
roseira bela, a chuva crepitando
purgando e redimindo nosso corpo
desalmado e sem sentido.
– Que suba o mwata o Kane-Wia...




Namibiano Ferreira (in No Vento e No Tempo)




Mwata – senhor, chefe, líder.
Oximalankas – hienas.
Mabeco – cão selvagem.


20 de fevereiro de 2010

PEIXE DO NAMIBE E RECEITA DE KALULU

Este são peixes pescados no Namibe, são pungos. O mar da província do Namibe é tão rico em peixe que os naturais são conhecidos pelo epíteto de cabeças-de-peixe ou cabeças-de-pungo. Eu sou, muito orgolhasamente, um deles.
Deixo-vos uma receita angolana, porque comer é um acto cultural. Kalulu de peixe, com pungo é uma maravilha. Esta receita está devidamente testada, comprovada e provada.

Namibe - Angola

KALULU DE PEIXE



INGREDIENTES:
1 Kg DE PEIXE SECO
1 Kg DE PEIXE FRESCO
3 CEBOLAS
3 TOMATES GRANDES
1/2 Kg DE QUIABOS
1 Kg. RAMA DE BATATA DOCE (OU ESPINAFRES)
3 DENTES DE ALHO
2 COPOS DE ÓLEO DE DENDÊ/PALMA E 2 JINDUNGOS (PIRI-PIRI ou MALAGUETA)


PREPARAÇÃO:
Deita-se a demolhar o peixe seco, mas sem sair o sal todo.
Tempera-se o peixe fresco com sal, alho, vinagre ou limão de preferência. Começamos a preparar um refogado com o óleo de palma e os dentes de alho. Seguidamente, começamos a colocar em camadas, os peixe seco, o peixe fresco, a cebola em rodelas, o tomate em pedaços e limpo, os quiabos, as folhas de batata doce, o jindungo e o resto do óleo de palma.
Verificamos o tempero de sal e deixamos cozinhar em lume brando.
Este prato, costuma ser acompanhado com fúnji e feijão de óleo de palma.


Bom Apetite!!


Namibe - Angola

19 de fevereiro de 2010

MPUNGU-A-NDONGO

Na Baixa de Kassanje, Malanje, não muito distante das Quedas de Kalandula, http://poesiangolana.blogspot.com/2009/12/quedas-de-kalandula.html existem umas formações rochosas de rara beleza e que aqui já foram mostradas http://poesiangolana.blogspot.com/search/label/Pungo%20Andongo .
São as Pedras Negras de Pungo Andongo, em kimbundu: Mpungu-A-Ndongo.



MPUNGU-A-NDONGO

Vermelha como veia de sangue
a estrada jibóia langorosa
na paisagem e ao longe,
na distância, amanhecem gigantes
 na anhara plana de Kassanje.





São lapidescentes personificações
de força, ngola mística de telúricos
paquidermes, líticas manadas
arrastando paradas a terra viva
de mistérios, mitos, lendas e feitiços
ou, então, como se fossem negros
deuses colossais repousando
sobre o corpo verde escuro das lápides
e do tempo onde, ainda, se sente
marcado no peito-chão, o passo
ancestral dos divinos heróis
velando ontem, hoje e sempre
este berço mátria, grito de nação.

Namibiano Ferreira

 Pedras Negras de Pungo Andongo - Malanje - Angola (fotos Net)
 
Anhara- Savana.

15 de fevereiro de 2010

MIRADOURO DA LUA

O Miradouro da Lua é um lugar fantástico e quase irreal que existe a Sul da capital angolana, província do Bengo, no não menos fantástico Parque Nacional da Kissama. Esta obra escultórica e arquitectónica deve-se à erosão provocada pelas águas da chuva. A conjugação de solos muito brandos e de chuvas torrenciais curtas origina esta obra da Natureza, num escarpado bastante erodido e de grande beleza. Miradouro da Lua é um nome que lhe assenta bem por fazer lembrar uma paisagem lunar ou até de Marte, pela presença de solos vermelhos.
A beleza deste lugar é acentuada pela passagem abrupta de um planalto, a cerca de 100 metros de altura, para um escarpado que vai descendo até à orla do mar. Todo o conjunto é um bálsamo para os olhos, o verde da vegetação, o azul do céu e do mar conjugam-se às cores do solo que vão do vermelho-alaranjado ao branco. Vejam as imagens, que valem mais de mil palavras.

Miradouro da Lua - Parque Nacional da Kissama - Angola - Fotos Net

12 de fevereiro de 2010

O PENSADOR

O Pensador é a mais famosa estatueta de Angola. É considerada uma obra de arte fidedignamente angolana, figura emblemática, símbolo do país e que aparece, inclusive, na filigrana das notas de kwanza. Segundo algumas fontes, a origem da estatueta do Pensador está ligada aos cestos de adivinhação (ngombo) e nada têm em comum com a estátua do pensador actual. A adivinhação com cestos está ligada ao povo Tchokwé que habita a província das Lundas (Lunda Norte e Sul). Durante a época colonial, a empresa Diamang, que explorava os diamantes da Lunda, criou um Museu Etnográfico e trouxe para esse museu escultores tradicionais tchokwé incumbidos de fazer estatuetas ao gosto estético ocidental, aí teriam nascido e irradiado as actuais estatuetas do Pensador.
Caso seja verdade e assim parece, há que dizer, as estatuetas não perderam de todo o seu vínculo à escultura tradicional angolana.
Na tradição cultural, as estatuetas são usadas em ritos mágico-religiosos, desempenhando a função de amuletos que conteriam forças sobrenaturais. Mutadis mutandis poderemos mesmo afirmar que estamos perante uma espécie de “tarot” angolano.Uma das práticas utilizadas nesses ritos é a adivinhação, em consulta feita por uma pessoa interessada numa intervenção contra um mal, seja ele físico (doença) ou social. O sacerdote (nganga) utiliza vários processos de adivinhação, geralmente com objectos que simbolizam qualquer coisa, como estatuetas.
     Ngombo - cesto de adivinhação (nossoskimbos)


No nordeste de Angola, e etnia lunda-tchokwé usa o cesto de adivinhação, chamado de ngombo, do qual o sacerdote adivinhador retira pequenas figuras esculpidas em madeira, as quais irão determinar a sorte do consulente. Foram estas figuras que, como já se disse, resultaram na mais famosa estatueta angolana, “O Pensador”. Se virmos o simbolismo de qualquer uma delas, verificamos que, curiosamente, nenhuma sugere atitude introspectiva, pelo menos na acepção grega clássica.                                                                                                   
O Pensador tem a sua origem na figurinha que se chama Kalamba Ka Etho* que representa um momento de lamentação (carpideira). O aparecimento desta figura vaticina infortúnio e se ao lado dela não aparecer uma figura que amenize esse prognóstico são aconselhados o uso de amuletos.

Namibiano Ferreira













Pensador de origem Tchokwé e do lado direito A Pensadora, estatueta menos comum mas que também aparece com alguma regularidade, embora a figura masculina seja predominante.


*“KALAMBA KA ÊTHO - Figura estilizada também designada por lemba, kachakulu e kuku wa lunda (ascendente masculino). Figura antropomórfica sentada em posição típica de sepultura (mãos segurando a cabeça e cotovelos apoiados nos joelhos); antepassado paterno ou materno que personifica o culto ancestral. Quando este espírito provoca doenças exige-se um ritual adequado para se conseguir a cura. Não pode faltar a cerveja de palmeira (maruvo) e o rufar de tambores. É bom presságio aparecer com lukano (pulseira) e outros símbolos de realeza. É usado como amuleto e lembra ao consulente que deve respeitar os parentes falecidos e as tradições.

(Créditos Multiculturas)


Figuras de Kalamba Ka Etho (Multiculturas)

10 de fevereiro de 2010

A ARTE ANGOLANA TCHOKWÉ

A Arte Kocokwe (singular, e deve ler-se Kotchokué, o plural é Tucokwe, Tutchokué, embora eu sempre diga e escreva Tchokwé) é de uma beleza e expressividade que sempre me deslumbram. Há em Angola as artes de outros povos, como os Bakongo, Ovimbundu, Ambundu, Nganguela... mas, de facto, os grandes escultores são os Tucokwe. Este povo que teve um grande império, o Império Lunda com a sua mítica rainha Lueji, reparte-se, actualmente, por três países (Angola, R. D. do Congo e Zâmbia), fruto do colonialismo europeu quando repartiu África, como se fosse um bolo, por entre as várias potências coloniais da época (Conferência de Berlim – 1885).
Não vos trago mais palavras, eis aqui alguns exemplares da bela arte Tucokwe, mas antes de sair de cena, relembro o romance do escritor angolano Pepetela, Lueji – O Nascimento de um Império.





Pintura mural Tchokwe

 
Máscara Tchokwe
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Tchibinda-Ilunga & Cadeira Tchokwe
 
 
Máscara Tchokwe (Kalelwa)
 
 
 
Estatuetas Tchokwe
 
 
Bailarino Mwana Pwó
 
 
  Máscara Mwana Pwó 
 
 
O Pensador


O Pensador, hoje uma estatueta de representação e unidade nacional do povo e da cultura angolana é, de facto, inspirada na figurinha (Kalamba Ka Etho)  dos cestos de adivinhação (ngombo) dos Lunda-Tchokwe. Brevemente publicarei uma postagem sobre os Pensadores.
 
Namibiano Ferreira

9 de fevereiro de 2010

LUANDA...

Canção para Luanda


A pergunta no ar
no mar
na boca de todos nós:
- Luanda onde está?

Silêncio nas ruas
Silêncio nas bocas
Silêncio nos olhos

- Xé
mana Rosa peixeira
responde?

-Mano
Não pode responder
tem de vender
correr a cidade
se quer comer!

"Olá almoço, olá almoçoeee
matona calapau
ji ferrera ji ferrereee"

- E você
mana Maria quintandeira
vendendo maboques
os seios-maboque
gritando, saltando
os pés percorrendo
caminhos vermelhos
de todos os dias?
"maboque, m'boquinha boa
doce docinha"

- Mano
não pode responder
o tempo é pequeno
para vender!

Zefa mulata
o corpo vendido
baton nos lábios
os brincos de lata
sorri
abrindo o seu corpo
- seu corpo cubata!
Seu corpo vendido
viajado
de noite e de dia.
- Luanda onde está?

Mana Zefa mulata
o corpo cubata
os brincos de lata
vai-se deitar
com quem lhe pagar
- precisa comer!

- Mano dos jornais
Luanda onde está?
As casa antigas
o barro vermelho
as nossas cantigas
tractor derrubou?

Meninos das ruas
cacambulas
quigosas
brincadeiras minhas e tuas
asfalto matou?

- Manos
Rosa peixeira
quitandeira Maria
você também
Zefa mulata
dos brincos de lata
- Luanda onde está?

Sorrindo
as quindas no chão
laranjas e peixe
maboque docinho
a esperança nos olhos
a certeza nas mãos
mana Rosa peixeira
quitandeira Maria
Zefa mulata
- os panos pintados
garridos, caidos
mostraram o coração:
- Luanda está aqui!



Luandino Vieira  


**


SABOR DE LUANDA



Bebo kissângua...
E cheira-me a frutas maduras:
mangas goiabas
abacaxis pitangas
perfumes escondidos
enchendo quindas de quitandeiras
apregoando.


Bebo kissângua...


............................ e cheira-me a Luanda!


Namibiano Ferreira
Kissângua - bebida tradicional feita de cereais ou fruta (ananás, por exemplo).




Breve História da Cidade De Luanda

Foi em 1575 que Paulo Dias de Novais, capitão-mor das conquistas do Reino de Portugal, desembarcou na ilha do Cabo onde, para além de alguns compatriotas seus, encontrou uma população nativa bastante numerosa, tendo aí consigo cerca de 700 pessoas, 350 dos quais homens de armas, padres, mercadores e servidores.
Um ano depois, reconhecendo não ser “o lugar acomodado ideal para a capital da conquista”, avança para terra firme e funda a vila de São Paulo de Luanda, tendo logo de seguida lançado a pedra para a edificação da igreja dedicada a São Sebastião, a 25 de Janeiro de 1576, no lugar onde hoje é o Museu Central das Forças Armadas (morro de São Miguel).
A origem do nome Luanda provem de Axiluandas singular Muxiluandas que significa “homem da ilha/mar” nativos da ilha do Cabo, também conhecida por ilha de Luanda.

 Para saber mais visite:  http://www.cidadeluanda.com/Pages/Luanda_historia.asp






8 de fevereiro de 2010

HAIKAIS DO TEMPO DA GUERRA CIVIL

Cicatrizes de guerra...



São estes haikais, ou tentativa deles, feitos no tempo da guerra. Daquela guerra... quando nada mais sabíamos fazer a não ser matarmo-nos uns aos outros num fraternal abraço guerreiro. Uns porque defendiam capitalismos, outros, diziam-se do ideário socialista ou social-democracia e os nossos, os que construiram a República Popular, acérrimos defensores do marxismo-leninismo, tudo pelo povo, nada contra o povo....
Creio que, com o passar do tempo de guerra, esqueceram-se dos brados de luta ...é o povo ...é o povo.
A guerra acabou, enterrámos as divergências, constrói-se o país novo e todos, TODOS somos, hoje, CAPITALISTAS, engordando. E o povo? O povo, esquecido que se lixe... pobre, roto, esfomeado alastrando musseques...
Mas tenho estes haikais do tempo da guerra (ou tentativa de haikais), nada mais do que ais – aiuês do povo – no choro da terra que os políticos não ouviram nos tempos da guerra, porque do barulho dos obuses e continuam sem ouvir agora, porque se fingem de SURDOS... talvez consequências nefastas do barulho (antigo) dos obuses...
E os Deuses? Não ouviram também e não querem ouvir. Dormem! Dormem há muito, porque cansados de aturar o Homem.



OS HAIKAIS (DO TEMPO DA GUERRA)
1
Um vasto pasto.
Arreganhando dentes
Hiena também ri.


2
Chegam kissondes.
A caminho da lavra
Perna perdeu pé.


3
Cantos tonantes.
O caminho vedado
Não impede kissonde.


4
Chão de riquezas...
Minha gente da terra
Fome e pobrezas.


5
Cantam cigarras.
Escondida na lavra
Morte rasteja.


6
Chuva dorida.
No ombro da estrada
Cruzes silentes.

Namibiano Ferreira


7 de fevereiro de 2010

O MORRO DE TCHITUNDU-HULU



A cerca de 130 km Leste da cidade do Namibe existe, na região de Kapolopopo, um morro que tem um nome verdadeiramente poético. Trata-se do Morro de Tchitundu-Hulu, que traduzido para português se chama Morro Sagrado do Céu. Neste lugar, existe uma gruta também conhecida por gruta Sagrada do Céu ou, gruta Sagrada dos Mukuísses. Porque os Mukuíssos, Mukuísses ou Ovakwissi, um povo do deserto, não bantu, a tem como lugar de veneração.
Tchitundu-Hulu reveste-se de uma grande importância para a História e a Cultura angolanas porque nelas existem gravuras rupestres talhadas a sílex na rocha dura. As gravuras são, na maior parte, círculos que se encontram, por vezes, ligados por um traço, existem também figuras de animais e astros. O Sol (o famoso sol de Tchitundo-Hulu, de círculos concêntricos e com seus raios estilizados) e constelações, onde se podem distinguir Oríon e o Cruzeiro do Sul. Ninguém sabe ao certo quem foi o povo que fez estas gravuras, pensam os antropologistas que terão sido, muito provavelmente, os ancestrais do povo !khoisan e que em Angola se chamam Ovassekele ou Mukankalas (vulgo bosquímanes). Dizem os especialistas que estas gravuras rupestres têm mais de 30.000 anos.
No deserto do Namibe, em território angolano, existem outras construções pré-históricas, como círculos de pedra que lembram os monumentos megalíticos da Europa e também mais pinturas rupestres. Infelizmente estes lugares encontram-se pouco ou nada estudados e ameçados pelas amplitudes térmicas entre dia e noite que fazem estalar o interior das grutas, para além da actividade humana.


Tchitundu-Hulu 1


Como já é costume aqui vos deixo o momento de poesia, um poema que escrevi quando passei por Tchitundu-Hulu....


 QUANDO PASSEI POR TCHITUNDU-HULU


Quando passei por Tchitundu-Hulu
tinham acabado de gravar as paredes.
Terminados os rituais de consagração, cá fora,
o povo mágico dançava, comemorando alegremente.
Depois, o povo mágico partiu subindo o Kane-Wia*
– a montanha sagrada onde Deus dorme –
e não mais voltou.


Entretanto, diariamente, sucederam aos dias
o veludo negro das noites
e, anualmente, os cacimbos trouxeram as chuvas
e as chuvas devolveram os cacimbos... sopraram ventos
ventando num dorido e constante lamento.
Houve chuvas ansiadas, esperadas em vão
no desejo árido do umbigo dos deuses e o Tempo,
vento de nada, passou leve e mangonheiro
inspirando o Infinito... expirando o Esquecimento
sobre as gravuras sagradas acabadas de gravar
quando por lá tinha passado naquele dia.


Tchitundu-Hulu rodopiou na bruma esquecida
no regaço do Tempo, encoberto e misterioso...


Um dia, no espreguiçar sem depressas, o Tempo
acordou os Kwissis e eles vieram e sem entender
ou perguntar o quer que fosse acreditaram
e adoraram a Gruta do Morro Sagrado do Céu
fazendo de Tchitundu-Hulu o mistério de sua Fé.


Namibiano Ferreira (In No Vento e No Tempo)

* O Kane-Wia é um outro morro do Namibe com uma história muito peculiar que brevemente trarei aqui para vocês conhecerem.


Tchitundu-Hulu 2





5 de fevereiro de 2010

EM ÁFRICA, O TEMPO

Tela de Carla Peairo (Angola) - blog angolaminha



Em África, o Tempo,
inda cheira e ressoa
àquele momento
inicial e singular
como se fosse
o abrir da primeira
página do Génesis
logo imediatamente
e depois
da primeira queimada.


Em África, o Tempo,
é como vento,
não se mede, não se conta.
O Tempo, vive-se
no riso, gorjeio
de cada dia
dádiva de chuva
caindo mansa
fartura de lavras
massangos
poemas e cantigas.


Namibiano Ferreira, in Tombwanamibilis.
 
 
Massango - variedade de cereal (sorgo).


3 de fevereiro de 2010

LUANDA, 4 DE FEVEREIRO DE 1961

Luanda: Monumento aos Heróis do 4 de Fevereiro (AngolaPress)


Luanda, madrugada de 4 de Fevereiro de 1961:



Um grupo de mulheres e homens, munidos de paus, catanas e outras armas brancas, atacaram a casa de reclusão e a cadeia de São Paulo para libertarem presos políticos, ameaçados de morte.
O regime colonial fascista reagiu brutalmente e respondeu com uma acção de repressão em todo o país, com assassinatos, torturas e detenções arbitárias. Autênticos actos de terrorismo de estado.
Essas prisões arbitrárias desencadeadas pela PIDE (polícia política portuguesa) contra os integrantes do "processo 50", os massacres da Baixa de Cassanje, Icolo e Bengo e detenção e assassinato de várias pessoas indefesas, levou alguns nacionalistas a organizarem-se para a luta de libertação.
Os preparativos da acção tiveram início em 1958, em Luanda, com a criação de dois grupos clandestinos, um abrangendo os subúrbios e outro a zona urbana, comandados por Paiva Domingos da Silva e Raúl Agostinho Deão.
O 4 de Fevereiro de 1961 pode ser ainda considerado como um marco importante da luta africana contra o colonialismo, numa tradição de resistência contra a ocupação que vinha desde os povos de Kassanje, do Ndongo e do Planalto Central.

Luanda

 
FRAGMENTOS DE QUATRO POEMAS PERDIDOS EM FEVEREIRO



1
...nos muros corroídos das cidades novas
– toldando pesadelos antigos –
alguém escreveu:
Onde está o Sonho Prometido?


2
Viva a Utopia!
Só é pena ela um dia virar Poder...
Abaixo o Poder!
E eu nem sou anarquista...


3
Na manhã de Fevereiro
os areais da cidade
– nos lugares onde há areia –
ainda são
o campo dos proscritos
dos malditos dos deserdados...
ah! Como tenho raiva das injustiças
continuamente
iguais e permanentes.


4
As janelas que se abriram
para o quintal da Utopia
subitamente fecharam-se...
e uma rosa-de-porcelana
– pálido cetim – murcha
sobre meu corpo inerme
enquanto lá fora tem esperas
no verdadeiro raiar do âmbar de amanhã.

Namibiano Ferreira, in Fragmensias
 
 

2 de fevereiro de 2010

MITO OVIMBUNDU - O PRINCÍPIO DO MUNDO

Em dezembro do ano passado participei numa rifa promovida pela Martha lá no blogue dela http://mariamuadie.blogspot.com/ e acabei ganhando. Na terceira semana de janeiro recebi o livro pelo correio. Adorei a sua leitura. O livrinho escrito de uma forma muito viva e expressiva, conta várias lendas/mitos do povo Yorubá, um povo africano que vive na actual Nigéria, Benim, Togo, Ghana. A maior parte da população afro-brasileira do Estado da Bahia. no Brasil, é de origem yorubá. Para agradecer à Martha e à sua mãe, Iray Galrão, que é a autora do livro, vou contar, para elas e também para todos vocês, uma lenda da Mitologia Ovimbundu. O povo Ovimbundu fala o idioma Umbundu. A língua nacional angolana com o maior número de falantes e vivem no centro-sul de Angola.
Benguela, Bié e Huambo são províncias de língua Umbundu. Mas também se encontram nas províncias limitrofes de Huíla e Kwanza Sul.
Tela de Arlete Marques (Angola)


Lendas Africanas contadas por Iray Galrao



O PRINCÍPIO DO MUNDO

Suku (Deus), criou o homem e colocou-o num paraíso terreste, nas margens de um grande rio, o rio Kunene (ou Cunene). Suku, chamou a esse primeiro homem FÉTI, isto é, O Princípio.
Féti vivia sozinho na imensa floresta-paraíso que Deus lhe deu para viver. Caçava e comia dos frutos abundantes mas com o fluir dos tempos tornou-se um ser triste e rodeado por uma solidão atroz que nem os bichos da floresta e nem Ombwa, o cão, seu fiel amigo de caçadas conseguiam minimizar. Ele era o único ser racional na imensa floresta. Suku, espreitando do Céu, viu a tristeza inconsulável de Féti.
Um dia, quando Féti se preparava para sair em mais uma de suas solitárias caçadas, ouviu uma estranha e suave melodia. A melodia alertou todos os seus sentidos e imediatamente convergiu para o local.
Dirigiu-se para a margem do grande rio, pois era de lá que provinha a melodia que enfeitiçava os seus ouvidos. Quando lá chegou, Féti não pode esconder o seu espanto, o que se lhe deparou, naquele mágico momento, fez brotar em seu peito uma grande alegria e desenhar em seus lábios um iluminado sorriso. Saindo das águas mansas do Kunene, vinha um ser igual a ele e era tanta a beleza e formosura que esse ser irradiava que, logo alí, Féti se apaixonou, e dando-lhe a mão a levou para viver consigo. Féti, encontrou a primeira mulher, que Suku lhe ofereceu para amenizar a sua tristeza e solidão. Féti, a chamou de TCHÓIA, A Perfeição.
Os ventos sopraram, as chuvas cairam e, depois, vieram os cacimbos... o tempo fluiu e Suku abençoou a união de Féti e Tchóia, dando-lhes um filho – Galangue e, mais tarde, uma filha – Vihé.
Dos filhos de Féti – O Princípio e Tchóia – A Perfeição, descendem os povos do Huambu, Sambu, Galangue, Vihé...

*Nota: Na realidade, o povo Ovimbundu, encontra-se dividido nos seguintes sub-grupos (conheço dezoito):
Va-Mbalundu (Bailundos), Va-Vihé (Bienos), Va-Wambu (Huambos), Va- Ngalangi (Galangues), Va-Kimbulu (Quíbolos), Va-Ndulu (Andulos), Va-Kingolo (Quingolos), Va-Kalukembe (Caluquembes), Va-Sambu (Sambos), Va-Kakonda (Cacondas), Va-Kitatu (Quitatos), Va-Sele (Seles), Va-Mbuí (Amboins), Va-Hanya (Hanhas), Va-Nganda (Gandas), Va-Tchikuma (Chicumas), Va-Dombe (Dombes) e Va-Lumbu (Lumbos).
Máscara angolana


Há quem não considere os Va-Sele (Seles) e os Va-Mbuí (Amboins) Ovimbundu nem Ambundu por considerarem que eles se localizam numa zona de confluência de isoglosas, fronteira linguística entre Umbundu e Kimbundo, muitas vezes citados à parte mas eu não sou autoridade linguística para me pronunciar quanto a este assunto, apresento-vos o que sei de ouvir falar e de ouvir contar de outros mais-velhos.
Alguns dos nomes destes sub-grupos Ovimbundu, resultaram o nome de províncias (Huambo e Bié**) e localidades (Bailundo, Andulo, Huambo, Caconda, Ganda, Porto Amboim).


*Entre parêntisses são os nomes aportuguesados.

**Em português, Vihé resultou Bié porque os primeiros colonos portugueses eram do Norte de Portugal onde, a letra v vale b. Creio que se tentou restaurar o nome da província após a independência mas o uso já tinha tomado conta da boca de toda a gente.




Mito Ovimbundu, recontado por Namibiano Ferreira

Mapa da distribuicao geográfica do idioma Umbundu.

MALANJE OU MALANGE?


Mas afinal como se escreve, Malanje ou Malange? Neste fim de ano estive metido numa amigável discussão entre angolanos como seria a ortografia desta cidade e província angolana. Uns escrevem com “g” outros com “j”. As opiniões dividiram-se entre as duas letras e como havia malanjinos na sala a discussão esteve mesmo animada. Há falta, na altura, de um dicionário fomos à Net e encontrámos a mesma divisão, nuns lugares Malange noutros Malanje e noutros ainda uma mistura das duas ortografias.
Defendi a grafia com “j”, conforme escrevo habitualmente e foi assim que, posteriormente, encontrei no dicionário. Tanto em Angola como em Portugal proliferam com regularidade as duas ortografias.
Porque defendo o “J”? Primeiro, como palavra que deriva do kimbundu ela será, penso eu que não estou errado, pronunciada “dj”, logo ortografada com a letra jota. Segundo, o nome da cidade e da província derivam de um encontro muito caricato entre comerciantes portugueses e mulheres locais que estariam preparando mandioca. Trago-vos a versão que vem proferida no livro “Do Kunene a Cabinda”.
Comerciantes portugueses, no século XIX, “atravessavam o rio Malanje, na altura Kadianga ou Carianga, em Kapopa e depararam-se com um grande grupo de mulheres que estavam a esmagar mandioca para preparar fuba. Face a isto, os comerciantes portugueses perguntaram: “O que é que estão a fazer?” As mulheres teriam respondido em kimbundu: “Twamuzuka anji o mikamba yetu um ndangi” que quereria dizer: “estamos, ainda, a moer mandioca”.
Os europeus, que se admiravam do facto de encontrarem uma multidão de mulheres sentadas naquelas pedras, teriam perguntado: “Então não há homens nesta terra?” As mulheres, de novo em kimbundu, teriam respondido: “Mala hanji”, que significa literalmente em português: “Também há homens”.
E assim se deu o nome a uma localidade e que se alastrou à província. Se alguém souber de outra versão, deixe aqui o registo como comentário ou link, por favor.


Namibiano Ferreira

Nota: Malanje, capital da província com o mesmo nome, foi fundada em 1852 e elevada a cidade em 1932.

Fotos da cidade de Malanje