Foto: Jorge Coelho Ferreira

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POEMAS DE NAMIBIANO FERREIRA

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31 de outubro de 2008

CHUVA DESEJO










Anharas de maré



xaxualhando sembas



no amarelo que espera



o beijo molhado



caindo a pingar



no ventre quente



vermelho da terra.





Namibiano Ferreira


IMPÉRIOS



Todo o império

é uma metáfora

expressa de violência.

É um choro,

um desejo amordaçado

de sol e liberdade.



Por isso,

seja de manhã

ou de tarde

todo o império

é um Golias

nauseabundo

caído no chão.



Namibiano Ferreira

29 de outubro de 2008

ESSÊNCIA







Para Dinah


Na praia tropical






azul-verde

hialino a brilhar

afagam os coqueiros

as palmas de nossas almas

amando sem tocar

no sabor riso marinho,

música que vem do mar

e o mistério é o fruto:

côco informe e sem beleza

meu corpo que guarda dentro

branco líquido inteiro

teu corpo essência

pureza e desejo.



Namibiano Ferreira

25 de outubro de 2008

RAIOS DE SOL




No lóbulo das orelhas




da manhã



cantam missangas



brilhando sóis



e por entre as carícias



insípidas de meus dedos



vagueia o verde na seda



luzidia dos meus olhos



nus e molhados



pingando bagos dourados



de risos e massangos.











Namibiano Ferreira



17 de outubro de 2008

AB ORIGINE




Meus primeiros poemas


escrevi-os no silêncio


sobre uma folha de nada e cetim


arrepiada no beijo das calemas.

Ninguém os leu, ninguém os viu


adivinhei-os inteirinhos só para mim.




E ao fim das tardes roxas de paixão


vinha de mansinho pendurá-los


na cabeleira verde-mar das casuarinas


xaxualhando pela noite uma canção


voz de mágoa de nada e de cetim


adivinhando as saudades bailarinas


da terra que não sai dentro de mim.




Namibiano Ferreira






15 de outubro de 2008

HOMEM

Lucas Cranach, o Velho, Adão e Eva (1531). Staatliche Museen, Berlim





Filho de Adão e por Eva parido,


escuta: dos Deuses nada esperes.


Grandes e pequenos todos dormem


e tu ages no limbo verde de tua Liberdade.





Namibiano Ferreira



9 de outubro de 2008

TORRE DO TOMBO REVISITADA


Escola Primária - Torre do Tombo - Namibe


Para meus filhos, irmãos, sobrinhos e primos, netos, bisnetos e trinetos da avó Augusta.


TORRE DO TOMBO REVISITADA

I-








Seca de areal fino és a terra arrepiada

aos ventos frios do cacimbo e amarela

loucamente amarela nos dias quentes

penteados de sol e lavados de mar.

Terra não mais do que barro, um pedaço

um bairro da cidade menina princesa

Namibe no regaço de março sentada.

Torre do Tombo, suspiro vento vestida de sol,

do canto azougado das cigarras,

do chilrear das andorinhas,

do grito candengue da miudagem,

do cheiro a peixe e maresia

a querer dizer-te terra de pescadores.



Torre do Tombo, terra Namibe, terra dos meus!

Uns resistindo, ainda, e outros que, desistindo,

partiram nos braços alados do descanso

marcerados de saudades e do fluir da vida...

tu és a terra do meu sangue, do nosso sangue,

matriarca ancestral dos primos hoje dispersos

na diáspora pelo mundo imenso dessiminados

agrilhoados a uma maldição invisível, por todo

o infinito tempo, sem porto ou hora para chegar.

Torre do Tombo terra do nosso sangue,

terra de todas as peles de todas as cores

de todos os homens irmãos em comunhão

de paz fraterna igualdade a crescer Cabinda-Cunene.

Torre do Tombo terra de gente pobre feliz e honrada!



II-

Torre do Tombo, vento loquaz varrendo

memórias e saudades na mescla do pó:

Tio Álvaro construindo a mais bela joeira, estrela de um sonho, para voar cantando

ao vento de um tempo, ao vento de um sonho disfarçado entre um riso e um choro.

Tia Maria abrindo porta de sua casa, mulher alta, seca de carnes, semblante esguio

e dizendo sempre com a mesma e infinita surpresa primordial dos tempos:

– Olha meu sobrinho! (como se fosse, sempre, a vez primeira). 

Torre do Tombo expressão na risada franca, alegre e canora de tia Alzira, trazendo no vento

a frescura das tardes amenas e lânguidas que se espreguiçam no abraço incendiado

de um por-do-sol a morrer pitanga por trás do Pau do Sul, 

trazendo a noite a um dia cansado do canto frenético das cigarras.

Tio Zé, meu xará, caminhando de mãos atrás das costas e curvado, carregando 

o mundo inteiro na cacunda e vai fumando um cigarro sem filtro até queimar os lábios,

até não mais caber entre dedos de mãos ásperas laboriosas.

E de sua boca saem histórias entremeadas de masculinas risadas...

Tia Júlia, esguia e ossuda. Múcua seca, muxoxando por tudo e por nada,

muxoxo a cada frase dita, um hábito ou pensando talvez nas vindouras saudades...

O riso cândido da tia negra, tia Eliza, um sorriso meigo de aquecer o sol nas tardes-noites 

de cacimbo agreste e sempre, sempre seu jeito bonito gostoso de louvar e abençoar a gente...

Quem dera que pudesses ainda cozinhar cachucho ou mariquita seca... 

Ah, minha tia, quantas saudades!!!

Do tio João, meu xará também, homem de muitos dons (dizem) e que não conheci, 

ficou a tia mulata dos beijos rechonchudos, sonoros e adocicados de fazer vibrar as bochechas.

Nome de rainha, tia Beatriz, baloiçando a bunda no vagar quente e gordo dos dias passados numa eterna viuvez matriarcal.



Isto sim é Torre do Tombo, pedaço barro, chão Namibe

coração vida que resiste mas que morre também a cada pedaço perdido.

Ah, isto sim é minha terra alma e meu sangue!



III-

Torre do Tombo o vento loquaz varrendo memórias e momentos:


Meu tio Álvaro fumando Francesinhos até à raiz dos lábios


E construindo a mais bela joeira


– estrela de um sonho – para voar cantando no vento de um tempo,


vento de um choro ou bramido do mar fala de calema.


Joeira voando, joeira cantando solta nas tardes ventania suave.


Cá em baixo no chão, tresmalhados sobre a poeira do tempo,


estendemos o sonho, luando de brincar, lançando no céu a joeira


no céu muito azul, tão azul, sobre o dourado da terra seca da Torre do Tombo


e a joeira voando voando perde-se no infinito para te beijar meu tio.



Namibiano Ferreira





09/10/2008



Torre do Tombo - bairro da cidade do Namibe, Angola.



Cacimbo - estacao da seca, frio.
Candengue - crianca.
Joeira - papagaio, pipa.
Muxoxo - barulho que se faz com a língua e os dentes, fazendo o ar passar por entre eles. Sinal de censura, desprezo.
Francesinhos - marca de cigarros sem filtro.
Luando - esteira.