A CANÇÃO DO
SILÊNCIO
A canção do
silêncio é um poema ao suspiro
Mergulhado
Na profundeza do
Índigo
O olhar de uma
santa de barro
A linha do
equador à deriva do pensamento
Gelo e sal e
larva e mel
A canção do silêncio
Amélia Dalomba
(nasceu em Cabinda, novembro de 1961)
PRELÚDIO
Pela estrada
desce a noite
Mãe-Negra, desce
com ela...
Nem buganvílias
vermelhas,
nem vestidinhos
de folhos,
nem brincadeiras
de guisos,
nas suas mãos
apertadas.
Só duas lágrimas
grossas,
em duas faces
cansadas.
Mãe-Negra tem voz
de vento,
voz de silêncio
batendo
nas folhas do
cajueiro...
Tem voz de noite,
descendo,
de mansinho, pela
estrada...
Que é feito
desses meninos
que gostava de
embalar?...
Que é feito
desses meninos
que ela ajudou a
criar?...
Quem ouve agora
as histórias
que costumava
contar?...
Mãe-Negra não
sabe nada...
Mas ai de quem
sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!...
Os teus meninos
cresceram,
e esqueceram as
histórias
que costumavas
contar...
Muitos partiram
p'ra longe,
quem sabe se
hão-de voltar!...
Só tu ficaste
esperando,
mãos cruzadas no
regaço,
bem quieta bem
calada.
É a tua a voz
deste vento,
desta saudade
descendo,
de mansinho pela
estrada...
Alda Lara (nasceu em Benguela, junho de 1930)
RAPARIGA
Cresce comigo o
boi com que me vão trocar
Amarraram-me às
costas, a tábua Eylekessa
Filha de Tembo
organizo o milho
Trago nas pernas
as pulseira pesadas
Dos dias que
passaram...
Sou do clã do boi
—
Dos meus
ancestrais ficou-me a paciência
O sono profundo
do deserto,
a falta de
limite...
Da mistura do boi
e da árvore
a efervescência
o desejo
a intranquilidade
a proximidade
do mar
Filha de Huco
Com a sua
primeira esposa
Uma vaca sagrada,
concedeu-me
o favor das suas
tetas úberes
Ana Paula Tavares
(nasceu no Lubango, outubro de 1952)