Foto: Jorge Coelho Ferreira

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POEMAS DE NAMIBIANO FERREIRA

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11 de dezembro de 2007

CHANA DA CAMEIA

( Pesca da toqueia - creditos NossosKimbos)







Água, muxito, planíce do céu mordendo a vista.
Todo o tempo é nosso, ao sabor de todo o vento-alma
transparência voando apoteose de espaço.

Chana da Cameia!

Visão do tempo – umbigo de Deus
florescendo toqueia
como olhos de fartura e futuro.


Namibiano Ferreira


Chana da Cameia – Extensa planíce, savana com águas pouco profundas, localizam-se na província do Moxico, Angola.
Toqueia – Pequeno peixe comestível que se pesca na Chana da Cameia, fonte de proteína das populações locais.

23 de novembro de 2007

ROSTO




Para a Dinah



No rasto dos olhos da noite

dos astros

tem o teu rosto

brisa-riso

girassol aquecendo a nudez

da minha praia

mar sem rumo

mastro sem velames

ansiando o astrolábio

rasto de cometa

preso

no marulhar de teus lábios

beijo

carícia de Kianda.




Namibiano Ferreira





Kianda - Divindade das aguas, mitologia Ambundo (Angola).

21 de novembro de 2007

FLORESCÊNCIA

Rosa-de-porcelana (etlingera elatior)


Uma rosa
floresceu no jardim
do meu quintal...


Não é ainda a rosa-de-porcelana
prometida.
Olho para ela: cor indefinida,
pálida e serena.
Lembra-me o desabrochar de um Milénio...
E todos os dias são milénios
porque o Tempo é terno.


Namibiano Ferreira

19 de novembro de 2007

NOME


Nascemos quando nascemos

da água inchada no ventre

e depois,

pelo nome que nos dão

ou pelo nome que havemos de ter,

voltamos novamente a nascer.




Qual o meu nome?

Indelével lençol,

duna suave ondulando

semba.

E os ritmos presos no desejo

vagueante de querer o mar

mas, no entretanto,

na garupa de muitas patas

continuamente fugindo

levantando no ar

poeira.



Namibiano Ferreira

1 de novembro de 2007

AÇUCENAS PARA NOVEMBRO



Açucenas luzidias
zumbindo
encrespam os jardins de espuma.


É novembro!
Isto era em novembro
quando capim de muitas esperanças...
.....................................................................


-Quando vêm as açucenas ser a flor
branca de paz
luzindo Novembro de ano inteiro?




Namibiano Ferreira

27 de outubro de 2007

SECA



(À seca de 1990 no Sul de Angola)




Seca maldita e seca

cazumbi assassino de uma velha chuva estéril

que não trouxe bafos gordos às massambalas amarelas;

que não trouxe ao touro-macho a força fecundante;

que não trouxe à savana longa o capim verde;

que não trouxe zebras e gazelas ao leão;

que não trouxe... que não trouxe...

chuva prenha de pérolas reluzentes, diamantes de vida,

sémen vivo, suor dos deuses, bafos gordos de esperança.




Seca maldita e seca

feitiço de mologe que disse:

- Quem não morre de bala; morre de fome!




Namibiano Ferreira


Cazumbi - Espirito
Massambala - Variedade de cereal.
Mologe - Feiticeiro

Aliteração em s



ssss sibilinos soprando sonoros ssss

sopram sopros soprados

sob sóis sem sangue

sorvendo somas simétricas

sentidas sobre sádicas

sílabas silvestres silvos

sem saber sem sonhar

sáficos sonetos silábicos

sobre sândalos safiras

sedas sedosas sedentas

saudosas salinas salsugens

ssss sibilinos soprando sonoros ssss

sopram sopranos sentidos

sem sul sem sol sem sal.



Namibiano Ferreira

26 de outubro de 2007

NAMIBE





Grande é o Namibe

Aquém e além Cunene

Vida em murmúrio a passar.



Grande é o Namibe

e a alma-poeta

uma grande Welwitschia Mirabilis

macho e fêmea

cio em flor

no deserto vida teimosa a rasgar.





Namibiano Ferreira



22 de outubro de 2007

AUSTRALMA

( Homem Mukubal - Namibe)




Não foi o Sul que se abriu

para mim

fui eu que me abri ao Sul

nascendo

por entre a luz do bailado dunar

entregue às cancões do sol,

ao sabor e afagos de welwitschia:

filho do sal, na alma Mukubal...






Namibiano Ferreira

ÍNDIGO





Para a Dinah



Cor organza

delírio que digo

no odor-maresia

cor

maré púbica

desejo fundo

para na cor

índigo 


perfume

que digo

amar

remar-te

sobre o chão

lavradomar

índigo oceano

corpo-umbigo

alma crescendo

ondina do mar

açucena ondulando

e, no arrepio da salsugem,

um búzio murmurando:

Dinanumar...







Namibiano Ferreira

10/05/07

25 de setembro de 2007

A MINHA ALMA




1.
A minha alma é uma adição.
Uma alma tatuada de sal e sombras negras;
palanca muito negra ao suave entardecer;
cisne branco em voos de plumas prateadas.


A minha alma não é uma alma.
É uma adição, uma alma
marchetada de batuques e adufes,
de sabores de pêssego e desejos de cajú.
Bialma - biface alvo-negro -
sonho, utopia,
adição de sal e carvão.


Mas a minha alma,
lá no secreto produto é palanca pedindo,
a cada esquina da vida,
o bafo das noites insufladas de mistério.

2.

A minha alma é um grande imbondeiro
querendo em desespero louco e furioso
alcançar, numa ânsia pertinaz e infinita,
os céus, os deuses, as brumas divinas...
.............................................................


Ah perdição alucinada de braços e mãos!
Uma completa e turva oração digital
um puro desejo atormentado.



Namibiano Ferreira












24 de setembro de 2007

PREMIO CANETA DE OURO


Namibiano Ferreira, nomeado pelo blog http://brisapoetica.blogspot.com, passa a nomear os seguintes blogs/poemas:

1 – POESIA LILAZ CARMIM, com o poema: “Dimensão”
http://poesialilazcarmim.blogspot.com/




2 – MULEMBEIRA, com o poema: “Os Meus Pés Descalços”
http://mulembeira.blogspot.com/




3 – LABIRINTO DO SOL E DA LUA, com o poema: “Olhos Fechados”
http://labirintodosoledalua.blogspot.com/




4 – 10 ENCANTOS, com o poema: “Angústia”
http://10encantos.blogspot.com/




5 – DONT GIVE UP, com o poema: “Mães de Maio (de Angola)”
http://annamathaya.blogspot.com/



Namibiano Ferreira


5 de setembro de 2007

MEDO



Quando criança
o xaxualhar das casuarinas
em Tombua,
era no veludo das noites a voz do Medo:
uma mistura ansiosa de mar e calema...

Era a voz dos cazumbis
pendurados nas árvores a falar
as desgraças que então o Futuro haveria de trazer.


Namibiano Ferreira
Foto: Tombwa, vista de satelite.

18 de agosto de 2007

MOMENTO



Depois da chuva brava relampejante,

brilha o sol espelhando lagoas

de barros vermelhos diluídos

nas águas das chuvas empoçadas

sobre ruas sem asfalto

onde chapinham brincando descalços

meninos negros, brancos e mulatos.





Ao fundo, na estrada longa para o centro da cidade

caminham quindas brancas de crueira em fila

sobre negras carapinhas de mulheres

levando seus filhinhos na cacunda adormecidos.



Namibiano Ferreira

22 de junho de 2007

TRANQUILIDADE





O luar
o mar
na água tranquila
o teu corpo a soçobrar...
camélia
cândida de paz
nenúfar
meigo de carícias.
Na praia, platina acesa,
o luar
o mar
e o meu corpo perplexo
no prelúdio do desejo.





Namibiano Ferreira

19 de junho de 2007

IMBONDEIRAÇÃO




Tuas mãos suplicam ao vento
A oração digitaliforme.
Um tronco robusto,
Árvore em dedos de loucura pertinente,
Lança do solo ao sol o perfume:
Oxi-terra-lamento,
Herança-alma-sangue.
Um tronco robusto,
Imbondeiro sekulu secular
Arranha os céus
Onde estão voando cazumbis
Enquanto preguiçosos dormem os deuses.




Namibiano Ferreira




Sekulu - Pessoa de idade e muito respeitada.
Cazumbis - Espiritos.


CANTIGA NA TARDE



Depois, pouco-pouco, os pingos de chuva começaram a cair nem cinco minutos que passaram todo o musseque cantava a cantiga d’água nos zincos, (...)

Luandino Vieira - Luuanda



(Para a Domingas e o Francisco)


A tarde,
Vibrando calor e suor
Desceu sobre a cidade
E vieram gotas
Líquidas de cristal
Acordar cheiros e sons...
Sobre um telhado qualquer
A prata tamborilava
Uma velha melodia
E um raio de nada
Despertou
Recordações e lembranças:
–Cantigas tamborilando em telhados de zinco.

Namibiano Ferreira

SAUDACAO MATINAL

 Tela de Mário Tendinha





Olaripo’tivelêeee…*
-Eh!
-Nainduka! -Eh!
-Matxiririka! -Eh!


E palavras
mãos batidas ao luar do peito
entrelaçam cumprimentos
saudações matinais.


Dias de sol
espargem do céu
o presente matinal de luz
gazelas cirandam
e no trilho das boiadas
os pastores Kuanhamas
vêm cantando
enquanto o chão levanta
sem canseiras
omufitos de seios ao vento
e ao mesmo tempo
sobre a anhara luzidia
uma voz vem perguntando
lá do fundo imtemporal do Tempo:
- Quem matou a rainha do Kuanhama?


Namibiano Ferreira

*Primeira estrofe saudações em idioma Kuanhama, Sul de Angola, provincia do Cunene.
Omufitos – areia fina, que voa facilmente com o vento.
Anhara – savana.

14 de junho de 2007

BÚSSOLA

Pintura de Almada Negreiros


Para a Dinah:




Oriento-me no oriente
de teu corpo
esperando o sol
erguer-se fagueiro
no sorriso luminoso
candura de teu ventre
chana quente
aberta ao desejo
iluminado no muxito
de meus olhos
ondulantes.


Namibiano Ferreira - 14/06/07

1 de junho de 2007

POEMA PARA DIA FERIADO







Às estrelas
Vou falar das crianças famintas
E gritar quantas
De entre elas
Morrem de fome
Antes mesmo de terem um nome

Décio B. Mateus
In A Fúria do Mar



Dia Internacional da Criança
feriado na Banda Ngola.
Festejam-se os meninos-musseques
rotos esfarrapados de vácuos na barriga
louca inchada de sopros esfomeados.
Celebram-se os meninos-musseques com sóis
assassinados no olhar
como ontem, quando o vento Leste soprando
trazia no ventre a revolta a esperança
a indignação e a promessa...
A PROMESSA rubra-negra do vento
amanhecida na manhã de Fevereiro
e jurada na madrugada rubra de Novembro.



Promessa, hoje, falhada perdida no trilho-vento
e arrepiada nos olhos tristes dos meninos-musseques
pata rapada sem eira nem beira
minguados de amor carentes de esperança.
Meninos-musseques vendo cair a chuva
sobre as chapas negras das cubatas,
brincando nas lamas dos esgotos e lixeiras
como antigamente o neto da Ximinha
chapinhando brincando contente e nu
como se alguém fosse brincar contente
sobre a tuji lamacenta malcheirosa lixeirenta
invadindo os becos fedorentos dos musseques.


E chegando de charuto na boca em fatos gordos
engomados, os senhores globais vêm dizendo:
Ah! Mas não tenham pena destes moleques negros
porque o sol brilha e o clima tropical-paraíso aquece
e por isso andam rotos descalços esfarrapados...
Olhai olhai as belas barrigas inchadas das meninas,
crianças ainda e já grávidas, gente promíscua
esta gente este povo de musseque, olhai as orgias
bebedeiras e sexualmente lascivos pecaminosos...


Só nós vemos as barrigas das meninas parindo fartura de fome
e os Meninos-musseques nutridos de um vazio infame e doente
corroendo alma e estômago fome que não sentes e não vês.
A fome a doença as cubatas de chapa e vejam como eles ainda
sabem rir brincar sorrir... e morrer neste mundo-musseque
fétido imundo podre alienado de tanta promessa assassinada.
No entanto, ao largo e ao perto sob a beleza do céu
tropical, jorram do mar e das praias caluandacabindasoyo
farturas negras negras de petróleos
homenageando tua pele negra, negra como a noite
concentrada na brutalidade dos musseques das belas Luandas
proliferando nesta nossa Angola linda.

Os cobiçados diamantes da Lunda brilham fortunas
e corrupções que não cobrem a nudez negra de tua pele
e não acariciam de brilho os teus olhos
espelhos hialinos feitos para desejar o mundo...
petróleos diamantes e todas as outras muitas riquezas
desta terra de Angola linda não chegam ou não chovem
suave de mansinho sobre os meninos-musseques
cobrindo assim tua nudez
saciando assim tua barriga inchada
curando assim tua dor-doença
matando assim tua ignorância....


Ah! Meninosninas negros negros dos musseques negros
abarrotados de negros fétidos brutos matumbos ignaros
como ontem nos antigamentes da vida ignaros...
Onde estão onde foram as PROMESSAS
promessas feitas na manhã de Fevereiro
e juradas na madrugada rubra de Novembro?


Ah! Meninosninas monas candengues musseques
aprisionados num futuro agonizado tresmalhado:
Vós sois o futuro criminal das ruas
Vós sois o futuro kitata dos becos e esquinas
Vós sois o sol de um futuro sonhado e assassinado
Vós sois ainda os monangambas lavadeiras serviçais
turba proletária pretos matumbos, ontem e hoje,
reprimidos para além dos asfaltos da vida
do mesmo asfalto antigo e feito presente hoje mesmo.
Onde estão onde foram as PROMESSAS
promessas feitas na manhã de Fevereiro
e juradas na madrugada rubra de Novembro?


E o Sol, astro de liberdade, vem acariciar tua pele
neste e todos os dias que deviam ser teus e não são
meninosninas do musseque e só ele sabe:
Vós sois o Amanhã transbordando revoluções
sobre as ruas-praças-avenidas conjugando as promessas
feitas e não cumpridas neste komba canção de musseque.



Namibiano Ferreira – 31/05/2007




Banda Ngola - Terra de Angola.
Musseque - Bairro pobre, favela, bairro-de-lata.
Tuji - Merda.
Kitata - Prostituta.
Monangamba - Carregador, servical.
Matumbo - Estupido.
Komba - Cerimonias funebres tradicionais.

27 de maio de 2007

ÚLTIMAS CHUVAS



Chove. É na estação das chuvas – dizem –
que acontecem as coisas.


No sopro indelével do momento
soltam-se cazumbis do coração das árvores
povoando o vento, a brisa e o tempo
atormentando a vida dos homens.


Foi na paragem de Maio que Tudo 

e Nada aconteceu e chovia... 
(Não chovia?
então chovia no limbo da Poesia).


É na estação das chuvas – dizem –
que acontecem as coisas...
e nesse dia as chuvas quase acabaram.
- Onde foi na paragem de Maio que Tudo
e Nada aconteceu? – Onde foi?!
Onde foi, quem foi, como foi?





Namibiano Ferreira

14 de maio de 2007

ASPIRACOES DE CHUVAS





















                              Tela de Mário Tendinha




As sobras Nzoji – sonhos
que hei-de beber
e Oximalanka - a Hiena –
ainda não devorou...
São águas frescas de cacimba
que guardo no moringue
terracota velho
adormecido.


É com Nzoji – sonhos
(frescura de moringue)
que hei-de desejar
Ombela – a chuva bela –
e construir o kimbo novo;
semear massangos
de folhas verdes;
fazer meus sambos
de muito gado;
alembar minhas mukayas,
riso futuro
de meu kimbo.

 Namibiano Ferreira



Nzoji – sonho
Cacimba – poço
Moringue – vasilha de cerâmica para guardar água
Kimbo – aldeia
Massango – variedade cereal (sorgo?)
Sambos – locais onde se guarda o gado, curral
Alembar – de alembamento, dote de casamento que o noivo paga ao pai da noiva.
Mukayas - mulheres

TRES POEMAS DO MAR





DE PAR EM PAR

Abertas as janelas para a Vida
tenho, de lembrança mais antiga,
as aras planas e douradas
debruadas de bilros nevados
coroando as franjas leves
da toalha sedosa e glauca
alongada ao sabor do infinito
amenizando a quentura do Deserto.




O QUE É O MAR?


Tu perguntas, e eu não sei
eu também não sei o que é o mar
(Eugénio de Andrade)


Serenidade
leve brisa discreta
traz no regaço o perfume das esmeraldas diluidas
brilhando na placidez do vento.
Crepes tremulam em suspiros leves de espuma
e perdidos entre cetins luminosos
vêm os teus lábios, pétalas rosadas,
sôfregos para me beijar.




MAR


Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim
(...)
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim



(Sophia Mello Breyner Adresen)



Brilham pétalas cândidas de rosas encrespadas
sobre o fundo marinheiro a bailar massemba
hialino de topázios e cristais.
Há o perfume das algas desfeitas no vento
e ao longe voam asas brancas
ansiosas e saudosas na distância.



Massemba - o mesmo que semba, danca angolana que esta na origem do samba brasileiro.

Namibiano Ferreira


12 de maio de 2007

OMAUHA

Pedras Negras de Pungo Andongo - Malanje.






Uma a uma -omauha-
a pedra constrói a casa.
Pedra a pedra
a casa está ligada à terra
como a alma do poeta
se liga ao Povo
sem saber exactamente
porquê?!...



Namibiano Ferreira



Omauha – pedra em língua Tchiherero (Mukubal).

16 de abril de 2007

AFLUENTE/AFLUENCIA


Quedas de Kalandula - Angola


Menino ainda
sonhei
e era rio
perdido no labirinto de malaquites
ansioso por chegar à foz
mas como quem regressa ao berço.


Estranho Fado!
No sonho quente
eu era Lucala
serpenteando
lançando-me das altas
escarpas ruidosas
-Kalandula algodão-
no ímpeto desejoso de me encontrar
nos braços do teu corpo de Kwanza.


Lucala e Cuanza - rios de Angola.


Namibiano Ferreira

TEMPO DO CONTRATO







Body language by Jowo.



Frente à minha casa de adobe
e telhado de zinco
estendia-se um areal sujo, já de muito uso,
onde passavam negros contratados,
negros de tristeza, negros de alienação.
Negros contratados de exploração
do Grémio de Pesca, da Conserveira...
que cantavam, que tocavam seus batuques
nas noites quentes de sábado,
embriagando seus sentidos e saudades...
mas impossível, impossível era esquecer o sonho,
o sonho de não mais vir no contrato,
de não mais ser negro contratado
xingado por toda a gente:
-Ó preto, ó preto, seu contratado!
-Trabalha preto malandro!
-Ó seu preto matumbo, faz isto, faz aquilo...
Frente à minha casa de adobe
e telhado de zinco
havia o Grémio e a Conserveira
viveiros de contratados
dormindo, comendo em negros fétidos quartos
repousando por breves momentos
seu corpo sugado e mirrado
em tarimbas de aduelas de barril
envolvendo sua negra miséria
em trapos rotos e serapilheiras.
Negros contratados como eu gostava deles!
E nas noites quentes de sábado,
entre cânticos e batucadas
choravam a olhos enxutos sua terra longe:
o kimbo, a família, a saudade...
e na condição de homens transaccionados, forçados
gritavam, ainda que baixinho:
-Aiuê, aiuê! liberdade, liberdade p’ra todo o gentêêee
e soprando, o vento Leste,
prometia e prometia um futuro diferente,
DIFERENTE..............................................................

Kimbo - aldeia
Matumbo - estupido

Namibiano Ferreira

FIM DE TARDE

Foto Sanzalangola/Rio Cubango







Pela tardinha da tarde
sereno vai o Cuanza
e a piroga atravessando
quando o sol já se expande
para lá do horizonte...


Nada mexe, nada vibra.
Tudo é prata, tudo é folha.


Deus, como é belo o meu Rio!


Tudo é sereno silêncio
só a piroga ondula, negra,
na prata lisa da água.





Namibiano Ferreira

15 de abril de 2007

HOJE O NOSSO KIMBO





Ontem aqui era um kimbo…
Quando os pés amassavam
a terra e os homens,
o kimbo foi arrasado,
espezinhado por pés irados
e cegos.


Ontem aqui era um kimbo…
Não era o teu nem o meu,
era o nosso kimbo embebido em sonhos
e o que resta, hoje, do nosso kimbo,
amor, são só as cinzas vagas
do Onjango sem língua para falar.
E o que resta, hoje, do nosso kimbo,
amor, são só os buraquinhos calcinados
do wela-na-kulilya
ja sem pedrinhas
e homens para jogá-lo.




Kimbo – aldeia, pequena povoação.
Onjango – local de reunião só para homens, assembleia.
Wela-na-kulilya – jogo tradicional angolano, nome em lingua Umbundu.



Namibiano Ferreira

3 de abril de 2007

HOMENAGEM A VÓ MARIANA...


(Neves e Sousa - Bessangana)


Homenagem a Vó Mariana esposa do grande Soba Republicano da Cidade de Tômbwa (Porto Alexandre).



Xé, miúdos da minha cidade!
É tempo de pôr rolha...
Vó Mariana espera os meninos todos
Envolta nos seus panos compridos
Descendo sobre o corpo esguio de velha sabedoria.

Contra o makulu não há rival
Sabe todos os segredos:
erva de Santa Maria
pau de kissékua…
Se o menino tem bucho virado
Vó Mariana sabe também
E na sua casa entram os miúdos todos.

É tempo de matar o makulu
vamos só na casa de Vó Mariana
pôr rolha e tomar kissékua…

O vento parou e o tempo teimou em passar.
Vó Mariana, provavelmente, já morreu
Só eu, tão longe, sismo em lembrar:
makulu, rolha, kissékua...
e Vó Mariana aberta num sorriso de marfim
vem recebendo, à porta de casa, seus netos todos:
meninos pálidos-negros-morenos.




Namibiano Ferreira



Pau de kissékua – casca de determinada árvore que se reduz a pó e com o qual se faz um medicamento trdicional contra os vermes intestinais.
Makulu – vermes intestinais, vulgo lombrigas.
Rolha – misturas de ervas esmagadas que se introduz no ânus das crianças como terapia complementar contra o makulu
.