Foto: Jorge Coelho Ferreira

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POEMAS DE NAMIBIANO FERREIRA

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29 de junho de 2013

GOIABADA




Para minha Avó.



Em Tombua, do meu quintal de goiabeiras, minha avó fazia goiabada e eu sonhava goiabada era derramada todas as tardes ao crepúsculo de um sol papaia, pitanga, cajú maduro-madurinho a fimbar por trás de um risco de areia do Namibe, prendendo o mar, líquida goiabada, num suave abraço onde toninhas vinham brincar.



Namibiano Ferreira

28 de junho de 2013

SÓ HÁ UMA ARTE E MÁSCARA MWANA PWÓ


Máscara Tchokwé - Mwana Pwó


SÓ HÁ UMA ARTE


No jardim do diário
dos dias azuis de jasmim
só há uma Arte: – A Poesia!
Toda a Arte é poética,
toda a Arte é Poesia!
falando e comunicando
por diferentes pincéis
penas ritmos materiais
cinzéis cores ditirambos
ou no telúrico e místico
momento de um par
de mãos rudes e humanas
construindo na roda
uma peça de terracota;
ou um escultor tchokwé
talhando a expressão da alma
na madeira inerte da árvore:
a máscara de Mwana Pwó.



Namibiano Ferreira

Para saber mais sobre estas máscaras veja uma antiga postagem: 

27 de junho de 2013

SHOSHOLOZA - PARA O MADIBA

Uma cancao da África do Sul. Shosholoza, uma das muitas resistencias ao Apartheid!

Para Nelson Mandela, O Madiba.

26 de junho de 2013

FILIPE MUKENGA (MÚSICA) - ERNESTO LARA FILHO (POEMA)






Picada de Marimbondo

          (Para o Pila – companheiro de infância)

Junto da mandioqueira
perto do muro de adobe
vi surgir um marimbondo

Vinha zunindo
cazuza!
Vinha zunindo
cazuza!

Era uma tarde em Janeiro
tinha flores nas acácias
tinha abelhas nos jardins
e vento nas casuarinas,
quando vi o marimbondo
vinha voando e zunindo
vinha zunindo e voando!

Cazuza!
Marimbondo
mordeu tua filha no olho!

Cazuza!
Marimbondo

foi branco que inventou...

Ernesto Lara Filho 

Biografia:


Poeta angolano, Ernesto Pires Barreto de Lara Filho nasceu a 2 de novembro de 1932, em , Angola. Era irmão da escritora Alda Lara.
Depois de concluir o ensino secundário, escolheu Portugal para continuar a sua formação académica, tendo terminado, em 1952, o curso de regenteagrícola, na Escola Nacional de Agricultura de Coimbra.
Deambulando por vários países da Europa, trabalhou muitas vezes em restaurantes e na construção civil, como operário, para fazer às dificuldadeseconómicas.
Depois de uma estadia mais prolongada por terras da contracosta africana, em Moçambique, regressou a Angola.
Fixando-se em Luanda, aí exerceu o jornalismo, paralelamente com a sua atividade de quadro especializado dos serviços de Agricultura e Florestas deAngola.
Jornalista prestigiado, assinou diversas reportagens e crónicas no Jornal de Angola, na página "Artes e Letras" do jornal A Província de Angola, no Diário deLuanda, no ABC, na revista Mensagem da CEI (Casa dos Estudantes do Império) e na revista Cultura(II).
Antes da independência do seu país, foi preso pela PIDE (Polícia Política de Intervenção do Estado) devido à sua atividade política e cultural de apoio aomovimento independentista, apoio esse bem patente na sua escrita jornalística e literária.
Em colaboração com Rebello de Andrade, dirigiu a Coleçcão Bailundo da qual foram publicados três livros de poesia.
Tendo sido extinta pela mão repressiva do regime colonial a revista Mensagem (1951-1952), não foi destruído, contudo, o desejo de continuar a dar voz àsmanifestações de carácter nacionalista. Então fechadas as janelas abertas pelos "mensageiros" outras se abriram, de imediato, através da criação darevista Cultura II, publicada entre 1957 e 1961 e da qual foram publicados doze números.
Na verdade, esta geração, conhecida como a "Geração da Cultura", vai retomar e aprofundar as temáticas empenhadas dos seus antecessores,continuando a denúncia da escravidão e da miséria.
Integrado nesta corrente, Ernesto Lara Filho, como muitos outros intelectuais angolanos seus contemporâneos, vai constituir-se como um importante pilarna luta contra o domínio colonial.
Preocupado e empenhado com os problemas da sua terra, cada vez mais agudizados, o autor entende ser necessário criar as condições para que todospossam, através da palavra literária, do estudo, da análise e da crítica, equacionar a realidade angolana.
Através de uma escrita eufemística e caracterizada por uma simbiose do português padrão e do português dos musseques, Ernesto Lara Filho vaiconstruindo um edifício literário, assente nas traves mestras da angolanidade, enquanto produto de uma cultura viva e que vive das tradições africanas.
O reconhecimento da sua obra é consagrado pela presença de muitos dos seus textos em diversas antologias literárias, publicadas entre 1957 e 1976,entre as quais destacamos Antologia da Poesia Angolana (1957); O Corpo da Pátria - Antologia Poética da Guerra do Ultramar,1961-1971 (1971) e No Reinode Caliban. Antologia Panorâmica da Poesia Africana de Expressão Portuguesa (1976).
Poeta cofundador da União dos Escritores Angolanos, escreveu os seguintes títulos: Picada de Marimbondo(1961); O Canto de Martrindinde e OutrosPoemas Feitos no Puto (1964); Seripipi na Gaiola(1970); O Canto de Martrindinde (compilação das três obras anteriores, 1974).
As suas crónicas jornalísticas foram compiladas em 1990 sob o título Crónicas da Roda Gigante.
Um brutal acidente de viação, no Huambo, roubou-lhe a vida a 7 de fevereiro de 1977.

(Biografia retirada de http://www.infopedia.pt

22 de junho de 2013

BAÍA AZUL DE TOMBWA - ONDE NASCI


Baia de Tombua, vista de satélite.



1 –
Azul o céu e o mar a desfraldar
seda, flâmula de garroa.
A cristalina lucidez de pérolas
e calemas bailam turquesas
nos dedos marinhos do vento
e a minha alma é um búzio
assobiando um tempo perdido
a crepitar pela baía lápis-lazúli
vogando rendas e saudades do Sul
na asa e voo livre dos garajaus,
lenços mansos acenando gritos
enquanto as toninhas dançam
na tarde amena da baía azul
Tômbwa-Welwitschia a crescer
vento, peixe, mar e saudade
no peito, coração dolente,
de um cabeça-de-peixe ausente!


2 –
Eram as tardes brilhando massembas
no crespo bailado de diamantes,
safiras e turquesas bailando...
e a baía era uma caixinha de música
cantando uma mística cantiga
abotoada de mitos e silêncios
enquanto o Sol, pitanga amadurecida
no quintal da minha infância,
descia mangonheiro até a tardinha
vestir negros veludos sedosos
para depois descançar no braço
prateado a gritar na Ponta Albina
num derradeiro abraço à cidade
das loucas casuarinas baloiçando
um mar verde sobre o deserto
árido de um cacimbo cristalizado.


3 –
Rasgam os ventos frios do Norte
esta saudade quase de morte...
Rasgam os ventos espúrios
perfumes que o tempo não filtrou,
nem a alma alguma vez esqueceu...
Azul, a baía, de braço dourado,
braço dado ao céu e ao vento
clamando o beijo Kuroka ao mar
da mansa fartura quotidiana.
Ah! O mar, suave safira do sul,
aberto ao Sol do deserto amarelo
e sobre as águas traineiras a cantar
à flor-renda hialina das manhãs,
de ventos soprando leste ou cacimbos
mas sempre o vento, filho do tempo,
a soletrar o perfume de peixe
enchendo os dias de tonalidades
ácidas de um tempo-vida e felicidade.



Namibiano Ferreira

18 de junho de 2013

MUXIMA - WALDEMAR BASTOS

Um clássico da música angolana, Muxima, autoria do saudoso e carregado de talento Carlos A. Vieira Dias. A cada nova interpretação fica cada vez melhor. Aqui segue o poema em kimbundu, desculpem se não é a ortografia oficial:


MUXIMA

Muxima ue ue, muxima ue ue, muxima
Muxima ue ue, muxima ue ue, muxima
Se uamgambé uamga uami
Gaungui beke muá Santana
Kuato dilagi mugibê
Kuato dilagi mugibê
Kuato dilagi mugibê
Lagi ni lagi kazókaua
Kuato dilagi mugibê
Kuato dilagi mugibê
Kuato dilagi mugibê
Lagi ni lagi kazókaua

[Carlos Aniceto Vieira Dias - Angola]


A palavra "muxima" quer dizer coração, em Kimbundo. Esta música fala da Nossa Senhora do Coração dos Angolanos, também chamada Mama Muxima; é um verdadeiro hino da alma/mátria/pátria angolana. 




 
Foto 1 - Peregrinação

LOCALIZAÇÃO

Na margem esquerda do rio Kwanza, encontra-se a cidade de Muxima, na província do Bengo, a cerca de 138 Kms a sul de Luanda.


Foto 2 - A capela e o forte - Património UNESCO

A CAPELA DE NOSSA SRA. DA MUXIMA

A capela da Nossa Senhora da Muxima é dos lugares de Angola em que fica bem evidenciado o lado espiritual dos angolanos. Conta a lenda popular que ela surgiu repentinamente, por obra de um milagre da Santa Maria, que terá tido duas aparições no local na primeira metade do século XVII. Desde então o local tem sido um dos pontos preferenciais de muitos crentes, a maioria dos quais católicos, mas não só. Relata o padre local, o mexicano Mário Torrez, que o povo acredita não só no poder contido na capela, mas em toda a área circundante. Muxima (coração em Kimbundu) é uma zona de forte tradição de magia e bruxaria, pelo que, o "surgimento milagroso da capela", terá sido uma demonstração do poder de Maria sobre as outras religiões da área. Pouco claras são igualmente as versões convencionais sobre as autoridades que edificaram a capela e o forte naquela localidade do município da Kissama. Determinados estudiosos atribuem a edificação da capela e do forte aos holandeses - na época em que ocuparam Angola - enquanto a grande maioria destes acredita ter sido obra dos portugueses. A segunda tese é sustentada pelo facto de a Holanda não ter tradição católica, e por os holandeses terem dominado por pouco tempo (cerca de 5 anos) os territórios de Ngola. Acresce-se, ainda, a particularidade de o forte, localizado no morro, situado ao lado da capela, em que se diz ter aparecido Maria, apresentar um estilo tipicamente português. É igualmente curioso o facto de, a potência dominadora (tenha sido Portugal ou a Holanda), ter resolvido edificar um templo num local de tão difícil acesso, e a vários quilómetros da costa, numa altura em que a ocupação da colónia restringia-se à orla marítima. Esse facto alimenta a suspeita de que o local já era considerado sagrado pelos autóctones, antes da edificação do templo. Assim, os colonizadores, terão edificado o templo católico sobre um local sagrado dos povos locais, como forma de mostrar o seu poder e submetê-los psicologicamente. Com efeito, a dominação dos deuses de um povo tem sido uma técnica de submissão  usada por várias potências imperialistas ao longo da história da humanidade. No meio de toda essa amálgama de lendas, milagres, mistérios e contradições, desde 1645 - e quiçá muito antes - que Muxima tem chamado a si corações de milhares de pessoas que junto dela falam das suas preocupações, angústias e desejos. Muita gente vai à "Mamã Muxima" na esperança de que esta resolva os seus problemas de saúde que a ciência não tenha conseguido debelar, outros vão pedir que ela lhes traga dinheiro e os livre da pobreza em que vivem. Não raramente, pessoas há que vão à Muxima para entregar-lhe a vida de alguém. Os casos amorosos são também muito populares.

Foto 3 - Interior da capela

O Forte da Muxima e a capela, estão hoje considerados Património Mundial da UNESCO, a pedido do Governo angolano. No início do mês de Setembro faz-se a peregrinação que actualmente se mantém e que se pode observar na primeira foto. O governo angolano prometeu um novo santuário mas, de momento, não sei como param essas promessas. 

Foto 4 - Projecto do novo santuário



17 de junho de 2013

BEIJOS PARA DINAH


Gustavo Klimt


BEIJOS

                                                                                            (Para Dinah)



Abelhas zumbindo,
corolas e pétalas dançando.
Aromas e amoras,
a brisa lá fora perfumando
e o lençol de linho,
luminária da manhã,
é vitral e rubi
espargindo lábios
doces, tintos de romã.


Namibiano Ferreira

16/06/2013

13 de junho de 2013

ICONE - PARA VIRIATO DA CRUZ - FALECIDO A 13/06/1973

Reponho, hoje, na passagem dos 40 anos da sua morte em Pequim, esta postagem:


Poema escrito em 1998 e que faz parte de um poemário intitulado “Fragmensias”, isto é fragmentos mensais. Ícone, está inserido na fragmensia vali (2), fevereiro 1998. Face a alguns acontecimentos ocorridos em Luanda, durante o ano em curso, este poema tornou-se uma espécie de previsão. Faça clique sobre a imagem, para ler a notícia.

Foto do blog morrodamaianga

Esta noite sonhei com Viriato da Cruz. Não conheci o poeta, é evidente,
Porquê sonhar com ele? No sonho, por trás de seus óculos ansiosos, entrou e
me falou dizendo: – Parece é proibido conhecer Viriato da Cruz!

Acordei e não liguei. Só agora, horas volvidas,
me interrogo e tento perceber o enigma:
 – Quem foi o poeta, homem eternamente vivo, Viriato da Cruz?
– Quem foi o nacionalista, forjador da Liberdade, Viriato da Cruz?
– Quem foi?  E quem, quem não nos deixa saber e conhecer porquê?

Namibiano Ferreira



Estamos em PAZ, vamos fazer todas as pazes...


VIRIATO DA CRUZ - 13/06/1973 - 40 ANOS DA SUA MORTE


1973 - 2013, 40 anos da morte de Viriato da CruzSe não estivesse morto (morri em Pequim a 13 de Junho de 1973) festejaria no próximo dia 25 de Março 81 anos. Há quem ache que Angola poderia ser hoje um país muito diferente se eu não tivesse morrido tão jovem, mesmo às portas da Revolução de Abril em Portugal, e das grandes mudanças que a mesma implicou para o meu país. Sinto-me lisonjeado com tais opiniões, mas acho-as exageradas. É verdade que um único homem pode em certas circunstâncias alterar a correnteza da História – basta pensar em Nelson Mandela, sem o qual o regime do apartheid talvez não se tivesse desmoronado de forma pacífica. Olhando para trás, porém, sou forçado a admitir que o mau génio que sempre me dominou teria arruinado nesse futuro imaginário, como arruinou no duro passado real, qualquer encontro meu com a Senhora História.
Não me parece provável que em 1974 tivesse conseguido unir os diferentes movimentos nacionalistas angolanos. Não eu, um dos primeiros militantes do MPLA que se atreveu a contestar a liderança de Agostinho Neto e ousou romper com o partido para se juntar aos homens de Holden Roberto. Isto antes de romper com todos, a murro e à cacetada, e ficar completamente só. Levei a minha propensão iconoclasta sempre muito a sério. Tão a sério que um dia, em Pequim, onde estava exilado, quebrei um busto de Mao em público. Os meus anfitriões chineses ao invés de me expulsarem, como eu pretendia, condenaram-me a uma espécie de prisão domiciliária, ao ostracismo mais feroz, à penúria. Morri e enterraram-me sem testemunhas no cemitério dos estrangeiros. Se tivesse resistido mais alguns meses poderia ter conseguido deixar Pequim e recomeçar uma vida nova em Paris ou em Lisboa, onde me aguardavam muitos amigos.

Cheguei sempre cedo demais. Nunca soube esperar. Até para morrer fui impaciente.
Resumindo: vivo não teria ajudado a evitar nem a guerra civil, nem o desastrado pesadelo totalitário que em poucos anos, sob o olhar perplexo do camarada Neto, arruinou Angola. Em contrapartida talvez me tivesse dedicado à poesia, aprofundando a meia dúzia de caminhos que sugeri em outros tantos versos ingénuos. É graças a esses versos que por excessiva indulgência da crítica, ou excessiva ignorância, muitos insistem em chamar-me poeta.
Nos anos 40 e 50 eu e mais alguns companheiros começámos a escrever poesia na intenção de despertar as massas. A poesia deveria servir, no nosso entender, para preparar o terreno para a insurreição nacionalista. E assim foi. Contrariando os cépticos, demonstrámos que a poesia pode mudar o mundo. Primeiro os versos, depois as balas. A seguir demos razão aos cínicos: mudar, mudámos, mas não para melhor. Acontece que, infelizmente os poemas que então produzimos estavam longe da excelência. Faltou-nos labor literário. Talvez com boa poesia pudéssemos ter obtido melhores resultados na política. Não deixei de acreditar no poder da poesia. Nem sequer na necessidade de levar a poesia ao poder. O problema (suspeito) foi a qualidade dessa poesia – e dos seus poetas. Não é possível cozinhar um bom funge com farinha ruim.
Se não tivesse morrido em 1973 estaria agora a confrontar-me – inclusive a murro e à cacetada, caso não me faltasse o fôlego, mas em todo o caso possuído pelo mesmo espírito iconoclasta – com todos quantos impedem a afirmação de um novo pensamento e de uma nova criatividade, capaz de iluminar consciências e de preparar terreno para outras insurreições, outras libertações. Vez por outra oiço alguém utilizar, a propósito do regime angolano, a expressão «pensamento totalitário», e rio-me às gargalhadas do alto da minha nuvem – eis aqui um belo oximoro. Não sei quanto tempo vai levar (o que no estado em que me encontro é indiferente) mas sei que mais tarde ou mais cedo a boa poesia acabará por se impor e triunfar.


Crónica publicada na edição nº 78 (Março) da LER.

© publicado pela Ler às 11:32 aqui: http://ler.blogs.sapo.pt/338179.html

12 de junho de 2013

ZUNGUEIRA - MULHER TRABALHADORA


A zungueira, é uma vendedora ambulante no verdadeiro sentido da palavra, anda, corre pela cidade para vender e ganhar o sustento do lar. São elas o verdadeiro e único ganha-pão das suas famílias.
O termo zungueira, deriva do kimbundu, kuzunga, que tem o significado de circular, deambular de um lado para o outro. A zunga é, pois, a actividade comercial  da zungueira. 



A ZUNGUEIRA

O miúdo nas costas, faminto
O sol queimando
O sol assando
O miúdo nas costas, faminto de alimento
As moscas acariciando-o
E o lixo distraindo-o!

A zungueira zunga, cansada
Na cabeça, o negócio e o sustento
E nos pés empoeirados
O cansaço dos quilómetros galgados
O cansaço da distância percorrida
A zungueira zunga, o miúdo nas costas faminto!

A zungueira zunga, cansada
E vai gritando e berrando a plenos pulmões:
Arreou, arreou, arreou nos limões...
A zungueira zunga, empoeirada
E arreia o negócio, arreia o preço e faz desconto
Arreia o preço do sustento

O miúdo nas costas faminto
A lombriga na barriga rói, a lombriga pede
O miúdo nas costas, faminto de alimento
Chora e berra
Não é birra
É a fome que aperta, é a fome da sede!

A zungueira zunga, apressada
E arreia o negócio, arreia o preço:
Arreou, arreou, arreou no chouriço...
A zungueira zunga empoeirada
E arreia o preço do negócio
Arreia o preço da mercadoria, coisas do ofício

Depois, a viatura da fiscalização
Os travões chiam, as marcas dos pneus no asfalto
E os homens arrogantes a perseguirem
E a baterem
E a zungueira a fugir, e o negócio e o sustento
Caídos, espalhados no chão!

Depois vem o fiscal, também faminto,
“Você tem autorização?
Acompanha, isso é transgressão!”
A zungueira implora e mostra a fome:
Tem dois dias o miúdo não come
A lombriga na barriga precisa alimento!

O fiscal, também faminto
Arreia o lucro da zungueira cansada
E desesperada
Arreia o lucro, senão a zungueira vai presa
Senão a zungueira não volta a casa
E a zungueira cede, com medo no pensamento

Depois a zungueira chega a casa
De bolsos vazios, mas alívio no coração
E grata, afinal não foi presa
Afinal não foi à prisão
A zungueira chega a casa, o miúdo faminto
O miúdo sedento de alimento

Mas amanhã, a zungueira voltará a berrar
Amanhã a zungueira voltará a arrear:

Arreou, arreou, arreou em qualquer coisa…


Décio Bettencourt Mateus
in "Os Meus Pés Descalços"

Zungueira: Mulher vendedora que deambula pelas ruas
Zungar: Deambular pelas ruas
Arreou, arreou (...): Em jeito de cântico, as mulheres anunciam a baixa dos preços 




A mulher zungueira sobrevive através do trabalho árduo e arriscado. Na caracterização social, a mulher zungueira é persistente, resistente, ousada, sacrificada, excluída, injustiçada e desvalorizada.
Ela é vítima de perseguição, violência, assédio sexual e assaltos à mão armada, tanto pelos agentes da polícia quanto pelos grupos organizados de gatunos, muitos dos quais operam impunemente. As condições de vida deste segmento vital da sociedade angolana equivalente à escravatura ou ao sistema feudal que prevaleceu na Europa, na Idade Média.
Carlos Kandanda

Fotos da Internet

POEMA DE JORGE ARRIMAR



EVIMBI

A sombra do pássaro
passou sobre a minha cabeça
de menino,
quando os meus pés descalços
faziam carreirinhos na sumaúma
espalhada nas margens macias
do rio Tchimpumpunhime.

a sombra do pássaro
pairou negra sobre nós,
amigo mbula.
ao teu grito de medo
prendeu-se o meu assustado grito:
- vimbi. vimbi!!

a sombra do pássaro
passou sobre nós,
amigo mbula!...


Jorge Arrimar (Natural da Chibia, Huíla)

11 de junho de 2013

NOITES DE LUAR NO MORRO DA MAIANGA

 Noites de luar no Morro da Maianga
Anda no ar uma canção de roda:
"Banana podre não tem fortuna
Fru-tá-tá, fru-tá-tá..."
Moças namorando nos quintais de madeira
Velhas falando conversa antigas
Sentadas na esteira
Homens embebedando-se nas tabernas
E os emigrados das ilhas...
- Os emigrados das ilhas
Com o sal do mar nos cabelos
Os emigrados das ilhas
Que falam de bruxedos e sereias
E tocam violão
E puxam faca nas brigas...
Ó ingenuidade das canções infantis
Ó namoros de moças sem cuidado
Ó histórias de velhas
Ó mistérios dos homens
Vida!:
Proletários esquecendo-se nas tascas
Emigrantes que puxam faca nas brigas
E os sons do violão
E os cânticos da Missão
Os homens
Os homens
As tragédias dos homens!


 Mário António (1934 - 1989)

9 de junho de 2013

TOIA NEUPARTH - PINTORA




Jovem Muíla




Anciao



Noiva Muíla



Viúva da Ilha de Luanda



A pintora, Maria Antónia Neuparth Vieira Alexandre (TOIA NEUPARTH), nasceu a 11/03/1943 na cidade do Lubango, em Angola, estudou artes decorativas e aperfeiçoou posteriormente em Lisboa a técnica de pintura a óleo – que utiliza para produzir os retratos que constituem grande parte da sua obra.

A pintora desenvolve através da pintura a força das suas recordações, transpondo para a tela figuras que marcaram a sua vida. A artista retrata nas suas obras a paixão e a envolvência feminina e masculina, através da figuração corporal. É em África que reencontra a sua inspiração, dedicando-se à investigação de vários aspectos da cultura africana.












7 de junho de 2013

PARA O DAVID MESTRE




Para o David Mestre


Mestre o David
esculpia
densos poemas
despidos
eram arte
eram espanto
e quase
des
pe
a

lavrados.


Namibiano Ferreira




Poeta e contista.  Cidadão angolano, mas nasceu em Loures, Portugal, em 1948 e faleceu em Lisboa, 1998. Radicado em Angola desde oito meses de idade. Dois poemas de David Mestre: 

AMÊNDOA DE MOMBAÇA

Por ti
colhi o luar
na cabaça

comi o retrato
na vidraça
feri

o gargalo
na taça
bebi

onde bebe
a caça
por ti

por tua
amêndoa de
Mombaça 


DEDICATÓRIA

Teus dedos
vadios
colhendo flores
na renda
dos meus

recordarei de
pois quando
noutros dedos
tocava
os teus 

David Mestre

A MULEMBA SECOU


Foto de Tito Fernandes


A mulemba secou.
No barro da rua,
Pisadas
Por toda a gente,
Ficaram as folhas
Secas, amareladas
A estalar sob os pés de quem passava.
Depois o vento as levou...
Como as folhas da mulemba
Foram-se os sonhos gaiatos
Dos miúdos do meu bairro.
(De dia,
Espalhavam visgo nos ramos
E apanhavam catituis,
Viúvas, siripipis
Que o Chiquito da Mulemba
Ia vender no Palácio
Numa gaiola de bimba.
De noite,
Faziam roda, sentados,
A ouvir,
De olhos esbugalhados
A velha Jaja a contar
Histórias de arrepiar
Do feiticeiro Catimba.)
Mas a mulemba secou
E com ela,
Secou também a alegria
Da miudagem do bairro:
O Macuto da Ximinha
Que cantava todo o dia
Já não canta.
O Zé Camilo, coitado,
Passa o dia deitado
A pensar em muitas coisas.
E o velhote Camalundo,
Quando passa por ali,
Já ninguém o arrelia,
Já mais ninguém lhe assobia,
Já faz a vida em sossego.
Como o meu bairro mudou,
Como o meu bairro está triste
Porque a mulemba secou...
Só o velho Camalundo
Sorri ao passar por lá!...


 Ayres de Almeida Santos - (1921 - 1992)

5 de junho de 2013

O TRUMUNO! - POEMA DE DÉCIO BETTENCOURT MATEUS

Do meu amigo e poeta, meu mano, que a cada livro que publica está cada vez melhor!

O quarto livro, publicado em 2012


O TRUMUNO!

Pés voam descalços
o quente d’areia
trumuno o jogo da bola
que gira e rola
pernas marotas riscam espaços
em bolas apressadas de meia.
Correrias em pernas loucas
cololas, cabritos
fintas e trucas
na disputa da bola
na fuga à escola
a garotada feliz aos gritos.
Dribles, fintas e truques
em pernas craques
o mundo na garotada
em peitos suados de fora
a escola à espera
o velho em fúrias de porrada.
Nos pés do maestro
mestria no passe ao companheiro
o maestro finta e escova
enfia na ova
do defesa
o maestro finta e chuta p’ra baliza.
Uaaá! Uaaá! Chulipas, quinhões e cabritos
brigas e porradas
cafriques
quedas e truques
acode, acode, é batota, é batota. Apitos,
algazarra na garotada.
– Oh!, saudades! Eu nas pernas da garotada
no peito da miudagem
a fazer vadiagem
a correr descalço um campo d’areia;
depois o medo a tareia
eu em medo, o velho e a porrada!
Eu no trumuno do futebol
É golo! Golóóóóóóóóóóóóóóóóóó!

  
Décio Bettencourt Mateus
      
in Gente de Mulher
    
Luanda, 05 de Setembro de 2006.



4 de junho de 2013

VIRIATO DA CRUZ NO EXÍLIO



O exilado está sozinho em todo o lado; mas aqui está muito mais do que noutro sítio qualquer. Para me manter, sinto uma necessidade vital de me entregar muitas vezes às lembranças do meu meio natal e à reflexão sobre as realidades do meu país.


Viriato da Cruz, numa carta para Monique Chajmowiez, quando exilado na Rep. Popular da China. Retirado do livro: Viriato da Cruz - O Homem e o Mito.

3 de junho de 2013

LIVRO DE JOSÉ MILHAZES

Ainda nao li este livro, tenho que o comprar. Deixo aqui somente a indicacao, nao a minha opiniao...


«Golpe Nito Alves» e outros momentos da história de Angola vistos do Kremlin



Através de arquivos soviéticos só agora tornados públicos, o jornalista José Milhazes desvenda, através de documentos inéditos, os momentos mais importantes da história de Angola no pós-25 de Abril de 1974, como a ex-URSS os acompanhou e neles interveio. Através destes documentos, que agora são pela primeira vez revelados, é possível conhecer mais detalhes do chamado «golpe» Nito Alves, ocorrido em Angola a 27 de Maio de 1977 (de que também fizeram parte Sita Valles e José Van-Dunem que viriam a ser fuzilados), um dos momentos mais marcantes da história recente daquele País e que esteve sempre envolto em grande mistério, bem como de episódios que se lhe seguiram e cujos pormenores nunca foram bem esclarecidos.
José Milhazes (n. 1958), jornalista e historiador português, reside na Rússia (então União Soviética) desde 1977, onde se forma em História e onde é um dos poucos jornalistas ocidentais a assistir à queda da URSS. É correspondente em Moscovo e responsável pelo blogue Da Rússia, é também autor de Samora Machel – Atentado ou Acidente? e Portugal – Aqui existe espírito russo, ambos publicados pela Alêtheia Editores.
Texto retirado de Aletheia Editores

1 de junho de 2013

TRES POETISAS ANGOLANAS

A CANÇÃO DO SILÊNCIO

A canção do silêncio é um poema ao suspiro
Mergulhado
Na profundeza do Índigo

O olhar de uma santa de barro

A linha do equador à deriva do pensamento
Gelo e sal e larva e mel

A canção do silêncio



Amélia Dalomba (nasceu em Cabinda, novembro de 1961)


PRELÚDIO    
  
Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce com ela...

Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guisos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.

Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...

Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada...

Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?...

Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?...
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?...

Mãe-Negra não sabe nada...

Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!...

Os teus meninos cresceram,
e esqueceram as histórias
que costumavas contar...

Muitos partiram p'ra longe,
quem sabe se hão-de voltar!...

Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.

É a tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada...




Alda Lara (nasceu em Benguela, junho de 1930)



RAPARIGA

Cresce comigo o boi com que me vão trocar
Amarraram-me às costas, a tábua Eylekessa

Filha de Tembo
organizo o milho

Trago nas pernas as pulseira pesadas
Dos dias que passaram...

Sou do clã do boi —

Dos meus ancestrais ficou-me a paciência
O sono profundo do deserto,

a falta de limite...

Da mistura do boi e da árvore
a efervescência
o desejo
a intranquilidade
a proximidade
do mar

Filha de Huco
Com a sua primeira esposa
Uma vaca sagrada,
concedeu-me
o favor das suas tetas úberes

Ana Paula Tavares (nasceu no Lubango, outubro de 1952)