1990 : uma
camaronesa chamada Axelle Kabou, publica um livro que vai ressoar como um
trovão. Intitula-se:
“E se África Recusasse o Desenvolvimento?”
Axelle Kabou : «O
sub-desenvolvimento de África não se deve à falta de capital. Seria ingenuidade
acreditar nisso. Para compreender por que motivo este continente não parou de
regredir, apesar das suas riquezas consideráveis, é preciso em primeiro lugar perguntarmo-nos
como é que funcionam as coisas ao nível microeconómico mais elementar: na
cabeça dos africanos.»
E se África
recusasse o desenvolvimento?
Regresso a um
livro maior que surgiu já há 23 anos… Nesse livro, Axelle Kabou estigmatiza as
mentalidades africanas e acrescenta que, desde Levy Bruhl, criticar as
mentalidades africanas se tornou tabu. (Lucien Levy Bruhl é um intelectual
francês que explicava o atraso tecnológico dos não ocidentais pela sua
mentalidade “pré-lógica”. A sua tese sobreviveu-lhe, embora a tenha renegado no
fim da vida N.R.).
Axelle Kabou
opõe-se a tudo o que se diz geralmente sobre o desenvolvimento de África e põe
o dedo na ferida. Aponta o dedo às responsabilidades africanas e chega
aperguntarse se “a vontade de desenvolvimento dos africanos não será um mito”.
Dá como exemplo o projecto panafricano de Nkrumah, sabotado pelos próprios
dirigentes africanos, preocupados em jogar as suas cartadas pessoais e em
conservar os seus “territórios”.
Kabou cita
Nkrumah : “Entrámos, diz ele, num mundo onde a Ciência transcendeu os limites
do mundo material e onde a tecnologia invadiu até os silêncios da natureza. O
tempo e o espaço foram reduzidos à categoria de abstracção sem importância.
Máquinas gigantes traçam estradas, abrem as florestas à agricultura, escavam
barragens, constroem aeródromos (…) o mundo já não avança ao ritmo dos camelos
ou dos burros. Já não podemos permitir- nos abordar os nossos problemas de
desenvolvimento,
de necessidade de
segurança, ao ritmo lento dos camelos e dos burros!” Segundo Kabou, Nkrumah tem
a audácia de reconhecer, tal como o colonizador, que a África está atrasada, e
de o dizer sem contemplações. (p. 37) E é justamente isso que os africanos têm
dificuldade em fazer…
Axelle Kabou
continua: ao fim de 30 anos consagrados a destruir os preconceitos do
colonizador, a África, por não ter feito senão isso, mumificou-se
terrivelmente, e adquiriu tiques regressivos de que dificilmente se livrará.
À parte o debate
superioridade/inferioridade do Branco em relação ao Negro, que há de novo? “O
mundo inteiro reconheceu a vacuidade das teses que mostravam os africanos como
seres primitivos, desde os anos 30, pelo menos. Podemos assim perguntar- nos se
é verdade que em 1990 o africano alfabetizado continua a fundamentar as
reacções ao desenvolvimento em conceitos racistas que datam da segunda metade
do século XIX, de tal forma isso nos parece inverosímil.
Ora, longe de se
tratar de um falso debate, o problema da superioridade ontological do Branco
sobre o Negro manteve-se incomparavelmente actual na África Negra.
A recusa do
desenvolvimento, presente nas mentes africanas, continua a manifestar-se
através do que a autora designa por “uma ideologia parasitária”. E dá como
exemplo: ”Sou Negro. O Negro não inventou o computador. Logo, o computador é
anti-africano.” Ou ainda: “A técnica degrada a vida familiar e as relações
humanas. Os próprios Ocidentais o afirmam. Portanto, a África deve rejeitar a
técnica.” (p. 93)
Segundo Axelle
Kabou, os africanos alfabetizados foram moldados para “perceber a tradição e a
modernidade como valores conflituais”. “Aplicada à África de hoje, a noção de
alienação cultural é um mito que tem por função instaurar um clima de
resistência à penetração de ideias novas nas mentalidades”. (p. 94). E ainda,
para Axelle Kabou, os africanos não estão preparados para revivificar os seus
valores civilizacionais por meio de contributos externos ou da investigação
científica:
“A verdade é que
os africanos não foram preparados para tal, pelo contrário”. “A imagem de um
Japão a desenvolver-se por infiltração, absorvendo febrilmente todos os
elementos exógenos susceptíveis de o guindarem ao nível de potência mundial,
investindo tanto como as potências industriais na pesquisa científica, não se
aplica ao actual estado psicológico de África. A África odeia os investigadores
(…) Ora, em
trinta anos de independência, a África ainda não procedeu ao inventário dos
seus valores tradicionais objectivamente dinâmicos, que poderiam, não apenas
constituir alicerces sólidos de políticas de desenvolvimento coerentes, mas
também servir para minimizar os efeitos perversos da dominação exterior”.
Outro ponto
destacado por Kabou: a visão que os africanos têm da colonização e do tráfico
negreiro. “A leitura africana do tráfico negreiro e do colonialismo é de um
simplismo assombroso: estava eu tranquilamente em minha casa, quando vi chegar
um homem de cor branca que me pediu hospitalidade e se aproveitou da minha
gentileza para me espoliar dos meus bens, matar os meus e reduzi-los à
servidão. Por conseguinte, apresento queixa e exijo reparação”. (p. 105)
Axelle Kabou
lembra, sem contemplações, que “todos os povos são, em primeira e em última
análise, responsáveis pela sua história na íntegra, sem exclusão”. Mais
adiante: “a questão não será, antes, a de saber o que, para além da moral,
poderia obrigar um Ocidente poderoso a pagar dívidas coloniais e, sobretudo, a
colocar os interesses de África antes dos seus”. (p. 114)
Kabou argumenta
dizendo que os africanos colocam, de facto, as perguntas erradas, do género “a
colonização foi uma coisa boa ou má?”.
Segundo a autora,
não é aí que reside o essencial do debate. Em sua opinião, é preciso tomar boa
nota da colonização e seguir adiante.
Comparando África
e o Japão, ela sublinha que o Japão soube preservar a sua cultura e
simultaneamente seguir a via da industrialização, embora não possuindo riquezas
no subsolo, contrariamente aos países africanos.
“Desde que o
relativismo cultural foi inventado” (quer dizer, desde que é admitido, grosso
modo, que todas as culturas são equivalentes), os africanos têm aproveitado
para denegrir “a robotização, a mecanização, a industrialização a todo o custo,
de que os países ricos seriam vítimas”. Kabou sublinha, no entanto, que essa
industrialização é fonte de riqueza, e que os africanos fariam melhor em
arregaçar as mangas e lançarem-se na mesma via, em vez de cair na armadilha do
relativismo cultural. Em resumo, os africanos deveriam pôr os olhos na Ásia.
Quando foi
lançado, o livro causou muita irritação nos círculos intelectuais africanos. A
autora foi taxada de “traidora” de África ou de “voz dos seus patrões brancos”.
Contudo, somos forçados a notar que o livro continua surpreendentemente actual,
apesar de ter sido publicado há 15 anos. Muitos dos pontos levantados por
Axelle Kabou são ainda hoje válidos…
AS CITAÇÕES DE AXELLE KABOU…
«Todos os povos
são responsáveis pela sua história na íntegra, sem exclusão.» «É como se o
africano de hoje em dia apenas concebesse antepassados da envergadura de
Soundiata, de Samory ou de Chaka. A aldeia real parece deixá-lo pouco à
vontade, por lhe faltar brilho.»
«Assim, a criança
africana, que, antes da escolarização, faz prova de grande curiosidade e
demonstra notáveis capacidades de observação e de invenção ao fabricar os seus
próprios brinquedos, torna-se, desde os primeiros dias de escola, uma espécie
de vitelinho alimentado pelo leite do tráfico negreiro e da resistência à colonização
e, à medida que cresce, não vai além disso.»
«A África
continua a comportar-se como se todos os seus valores fossem dignos de ser
preservados.»
«A África, ao
contrário do Japão, situa as suas referências narcísicas num tempo tão
longínquo que não pode transformar o seu orgulho cultural em motor do
desenvolvimento.»
in ‘AFRICULTURES,
nº 8 (CULTURA-Jornal angolano de Artes & Letras)
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