Zungueira
África Mãe Zungueira
Esta que se
aproxima
carrega uma
criança às costas e outra no ventre
uma nuvem húmida
rasga-lhe a blusa
lembrando que é
hora de parar e amamentar
e lá vai ela
seguindo o itinerário que a barriga traçar
gestora de um
ovário condenado a não parar
porque é património
social
penhora o útero
na luta contra a taxa de mortalidade
Conhece bem
demais a cidade
não tanto pelos
monumentos
mas pela
necessidade
viandante como a
borboleta
fez-se fiel e
histérica amante
da lei da compra
e venda de porta à porta
uma lei
entretanto não prevista por lei
“depender só do
marido? Nunca”
mal acordou a
urbe já peleja aliciando clientes
no estômago só o
funji do jantar de ontem
sem tempo sequer
para escovar os dentes
Lá vai mais uma
dobrando a esquina
de pregão firme
como a voz do tambor
humilhada aos
poucos pelo sol
nos mapas de
salitre da poeira que adormeceu no suor
Forte por fora
muitas vezes vulnerável no íntimo
veja esta
nos olhos
encarnados grita despercebida
uma mulher mal
amada
nunca descoberta
rainha de etapas
queimadas
ele que devia ser
companheiro
é de se esconder
no copo
quando os ventos
são ásperos
em taças de
champanhe
não estar
disposta para mais um suor sagrado
é para ele
frontal apelo à violência
habituada a levar
da cara
odeia a
sinceridade do espelho
Por aqui passou
mais uma profissional da zunga
protagonista
anónima com mil mestrados da vida
contudo não
contada na segurança social
para o turista
uma espécie de paisagem
rosto de uma
noite que lançou a mulher
às avenidas
dialécticas dos centros urbanos
dever de
sustentar a sociedade
a mesma que a
condenará antes de amanhecer
por não
participar da vida política
ou por não saber
ler
nem escrever
Gociante Patissa
4 comentários:
Um belo poema, quase uma denúncia de tantas e tantas mulheres que trabalham, nasce,sofrem e morrem sem nada que as faça felizes...
Um beijo.
Pelo sonho é que vamos
Abraço
Obrigado, meu caro, pela divulgação. É sempre bom voltar ao seu blog, topamos sempre com surpresas marcantes.
Cumprimentos de Benguela
Gociante Patissa
Um poema de incentivo e não só, que encoraja as nossas mães zungueiras, pelo labor de venda e entrega domiciliar que têm feito no seu dia-a-dia para o sustento do seu lar. Parabéns!
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