Publicado no número 74 do Cultura, Luanda, 19/01/2015.
Foto antiga da Torre do Tombo - Cultura N. 74
Foto antiga da Torre do Tombo - Cultura N. 74
NAMIBE: TORRE DO TOMBO REVISITA
I-
Seca de
areal fino és a terra arrepiada
aos ventos
frios do cacimbo e amarela
loucamente
amarela nos dias quentes
penteados de
sol e lavados de mar.
Terra não
mais do que barro, um pedaço
um bairro da
cidade menina princesa
Namibe no
regaço de março sentada.
Torre do
Tombo, suspiro vento vestindo
sol, do
canto azougado das cigarras,
do chilrear
intenso das andorinhas,
do grito
candengue da miudagem,
do cheiro a
peixe, fuba e maresia
a querer
dizer-te terra de pescadores.
Torre do
Tombo, terra Namibe, terra dos meus!
Uns
resistindo, ainda, e outros que, desistindo,
partiram nos
braços alados do descanso
marcerados
de saudades e do fluir da vida...
tu és a
terra do meu sangue, do nosso sangue,
matriarca
ancestral dos primos hoje dispersos
na diáspora
pelo mundo imenso dessiminados
agrilhoados
a uma maldição invisível, por todo
o infinito
tempo, sem porto ou hora para chegar.
Torre do
Tombo terra do nosso sangue,
terra de
todas as peles de todas as cores
de todos os
homens irmãos em comunhão
de paz
fraterna igualdade a crescer Cabinda-Cunene.
Torre do
Tombo terra de gente pobre feliz e honrada!
II-
Torre do
Tombo, vento loquaz varrendo
memórias e
saudades na mescla do pó:
Tio Álvaro
construindo a mais bela joeira, estrela de um sonho, para voar cantando
ao vento de
um tempo, ao vento de um sonho disfarçado entre um riso e um choro.
Tia Maria
abrindo porta de sua casa, mulher alta, seca de carnes, semblante esguio
e dizendo
sempre com a mesma e infinita surpresa primordial dos tempos:
– Olha só meu sobrinho! (como se fosse sempre, sempre a vez primeira).
Torre do
Tombo expressão na risada franca, alegre e canora da tia Alzira, trazendo no
vento
a frescura
das tardes amenas e lânguidas que se espreguiçam no abraço incendiado
de um pôr-do-sol
a morrer pitanga por trás do Pau do Sul,
trazendo a
noite a um dia cansado do canto frenético das cigarras.
Tio Zé, meu
xará, caminhando de mãos atrás das costas e curvado, carregando
o mundo
inteiro na cacunda e vai fumando um cigarro sem filtro até queimar os lábios,
até não mais
caber entre dedos de mãos ásperas laboriosas.
E de sua
boca saem estórias entremeadas de masculinas risadas...
Tia Júlia,
esguia e ossuda. Múcua seca, muxoxando por tudo e por nada,
muxoxo a
cada frase dita, um hábito ou pensando talvez nas vindouras saudades...
O riso
cândido da tia negra, tia Eliza, um sorriso meigo de aquecer o sol nas
tardes-noites
de cacimbo
agreste e sempre, sempre seu jeito bonito gostoso de louvar e abençoar a
gente...
Quem dera
que pudesses ainda cozinhar cachucho ou mariquita seca...
Ah, minha
tia, quantas saudades!!!
Do tio João,
meu xará também, homem de muitos dons (dizem) e que não conheci,
ficou a tia
mulata dos beijos rechonchudos, sonoros e adocicados de fazer vibrar as
bochechas.
Nome de
rainha, tia Beatriz, baloiçando a bunda no vagar quente e gordo dos dias
passados numa eterna viuvez matriarcal.
Isto sim é
Torre do Tombo, pedaço barro, chão Namibe
coração vida
que resiste mas que morre também a cada pedaço perdido.
Ah, isto sim
é minha terra alma e meu sangue!
III-
Torre do
Tombo o vento loquaz varrendo memórias e momentos:
Meu tio
Álvaro fumando Francesinhos até à raiz dos lábios
E
construindo a mais bela joeira
– estrela de
um sonho – para voar cantando no vento de um tempo,
vento de um
choro ou bramido do mar fala de calema.
Joeira
voando, joeira cantando solta nas tardes ventania suave.
Cá em baixo
no chão, tresmalhados sobre a poeira do tempo,
estendemos o
sonho, luando de brincar, lançando no céu a joeira
no céu muito
azul, tão azul, sobre o dourado da terra seca da Torre do Tombo
e a joeira
voando-voando perde-se no infinito para te beijar meu tio.
Namibiano
Ferreira
Torre do
Tombo - bairro da cidade do Namibe.
Joeira – No
Namibe, estrela de papel, papagaio, pipa.
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