Foto: Jorge Coelho Ferreira

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POEMAS DE NAMIBIANO FERREIRA

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20 de janeiro de 2015

NAMIBE: TORRE DO TOMBO REVISITADA

Publicado no número 74 do Cultura, Luanda, 19/01/2015.

Namibe: Torre do Tombo
Foto antiga da Torre do Tombo - Cultura N. 74




NAMIBE: TORRE DO TOMBO REVISITA

I-
Seca de areal fino és a terra arrepiada
aos ventos frios do cacimbo e amarela
loucamente amarela nos dias quentes
penteados de sol e lavados de mar.
Terra não mais do que barro, um pedaço
um bairro da cidade menina princesa
Namibe no regaço de março sentada.
Torre do Tombo, suspiro vento vestindo
sol, do canto azougado das cigarras,
do chilrear intenso das andorinhas,
do grito candengue da miudagem,
do cheiro a peixe, fuba e maresia
a querer dizer-te terra de pescadores.


Torre do Tombo, terra Namibe, terra dos meus!
Uns resistindo, ainda, e outros que, desistindo,
partiram nos braços alados do descanso
marcerados de saudades e do fluir da vida...
tu és a terra do meu sangue, do nosso sangue,
matriarca ancestral dos primos hoje dispersos
na diáspora pelo mundo imenso dessiminados
agrilhoados a uma maldição invisível, por todo
o infinito tempo, sem porto ou hora para chegar.
Torre do Tombo terra do nosso sangue,
terra de todas as peles de todas as cores
de todos os homens irmãos em comunhão
de paz fraterna igualdade a crescer Cabinda-Cunene.
Torre do Tombo terra de gente pobre feliz e honrada!

II-
Torre do Tombo, vento loquaz varrendo
memórias e saudades na mescla do pó:
Tio Álvaro construindo a mais bela joeira, estrela de um sonho, para voar cantando
ao vento de um tempo, ao vento de um sonho disfarçado entre um riso e um choro.
Tia Maria abrindo porta de sua casa, mulher alta, seca de carnes, semblante esguio
e dizendo sempre com a mesma e infinita surpresa primordial dos tempos:
– Olha só meu sobrinho! (como se fosse sempre, sempre a vez primeira).
Torre do Tombo expressão na risada franca, alegre e canora da tia Alzira, trazendo no vento
a frescura das tardes amenas e lânguidas que se espreguiçam no abraço incendiado
de um pôr-do-sol a morrer pitanga por trás do Pau do Sul,
trazendo a noite a um dia cansado do canto frenético das cigarras.
Tio Zé, meu xará, caminhando de mãos atrás das costas e curvado, carregando
o mundo inteiro na cacunda e vai fumando um cigarro sem filtro até queimar os lábios,
até não mais caber entre dedos de mãos ásperas laboriosas.
E de sua boca saem estórias entremeadas de masculinas risadas...
Tia Júlia, esguia e ossuda. Múcua seca, muxoxando por tudo e por nada,
muxoxo a cada frase dita, um hábito ou pensando talvez nas vindouras saudades...
O riso cândido da tia negra, tia Eliza, um sorriso meigo de aquecer o sol nas tardes-noites
de cacimbo agreste e sempre, sempre seu jeito bonito gostoso de louvar e abençoar a gente...
Quem dera que pudesses ainda cozinhar cachucho ou mariquita seca...
Ah, minha tia, quantas saudades!!!
Do tio João, meu xará também, homem de muitos dons (dizem) e que não conheci,
ficou a tia mulata dos beijos rechonchudos, sonoros e adocicados de fazer vibrar as bochechas.
Nome de rainha, tia Beatriz, baloiçando a bunda no vagar quente e gordo dos dias passados numa eterna viuvez matriarcal.
Isto sim é Torre do Tombo, pedaço barro, chão Namibe
coração vida que resiste mas que morre também a cada pedaço perdido.
Ah, isto sim é minha terra alma e meu sangue!

III-

Torre do Tombo o vento loquaz varrendo memórias e momentos:
Meu tio Álvaro fumando Francesinhos até à raiz dos lábios
E construindo a mais bela joeira
– estrela de um sonho – para voar cantando no vento de um tempo,
vento de um choro ou bramido do mar fala de calema.
Joeira voando, joeira cantando solta nas tardes ventania suave.
Cá em baixo no chão, tresmalhados sobre a poeira do tempo,
estendemos o sonho, luando de brincar, lançando no céu a joeira
no céu muito azul, tão azul, sobre o dourado da terra seca da Torre do Tombo
e a joeira voando-voando perde-se no infinito para te beijar meu tio.


Namibiano Ferreira

Torre do Tombo - bairro da cidade do Namibe.
Joeira – No Namibe, estrela de papel, papagaio, pipa.


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