16 de dezembro de 2013
12 de dezembro de 2013
Soweto, Mandela e uma Lição para Angola
Durante a minha
adolescência, as imagens da repressão policial contra manifestantes negros, no
Soweto, na África do Sul, tinham um profundo impacto sobre mim. Cogitava sempre
sobre como aquela população, indefesa, continuava a enfrentar – com danças, marchas
e cânticos – o ódio mortal dos racistas do apartheid.
Essas imagens
justapunham-se às de Nelson Mandela, o símbolo maior da resistência que o
regime do apartheid mantinha encarcerado na prisão de máxima segurança de
Robben Island.
Havia ainda uma
terceira imagem, mais aterradora: a guerra em Angola. O exército sul-africano
era uma força invasora no país e apoiava a guerrilha da UNITA. O governo de
Angola, com o essencial engajamento das Forças Armadas Revolucionárias de Cuba,
afirmava-se na linha de fogo contra o apartheid. Era o tempo da guerra fria, de
alianças complexas, da divisão mortal dos angolanos. Para um adolescente, a
questão era mais simples. Era a perspectiva do serviço militar obrigatório e a
participação directa na luta, de armas na mão.
No funeral do
Manuel Hilberto Ganga, o activista político assassinado pela guarda
presidencial de José Eduardo dos Santos, a 22 de Novembro deste ano, vi um
momento de Soweto. Às duas primeiras granadas de gás lacrimogêneo lançadas pela
Polícia de Intervenção Rápida (PIR) contra a procissão fúnebre, realizada a pé,
houve pânico e dispersão. À terceira granada, a maioria tinha regressado para
junto da viatura que transportava o morto e da família que havia permanecido
ali, resistente. Por muitos anos guardarei a fotografia do motorista do carro
funerário, firme ao volante, protegendo-se dos efeitos da intoxicação, tapando
o nariz e a boca com um lenço branco.
O funeral de
Manuel Ganga passou a ser a expressão máxima da segregação política, económica
e social que cada vez mais divide os angolanos. Nesse contexto, a oposição
política serve apenas para legitimar o certificado de democracia, que o regime
adquiriu na escola das democracias de fachada. A oposição serve apenas para
enfeitar o parlamento. Nesse contexto, o povo angolano é apenas aquele que,
mesmo esfomeado e espoliado, vai aos comícios do MPLA, onde desfilam orgulhosos
alguns dos maiores ladrões em África e, actualmente, dos mais sofisticados
opressores no continente. O povo angolano são apenas aqueles grupos que apoiam
e votam no MPLA. Os outros são estranhos, excluídos, quando não são perigosos e
alvos a abater, como Manuel Ganga, pela ousadia de colar uns cartazes a exigir
justiça!
Dias antes do
funeral, de visita à África do Sul, fui ao Soweto e revisitei as minhas imagens
da adolescência, através dos memoriais, sobretudo o de Hector Peterson. A 16 de
Junho de 1976, a polícia do apartheid abriu fogo contra centenas de estudantes
que protestavam. Há uma foto de um adolescente a levar o corpo de Hector, de 13
anos, nos seus braços, e a irmã deste atrás. A polícia matou-o a tiro.
No funeral de
Manuel Ganga vi, naquele momento, um ajuntamento de pessoas dispostas a
resistir e, com os mesmos olhos, vi uma Polícia de Intervenção Rápida disposta
a matar cidadãos indefesos que, pacificamente, entoavam cânticos de protesto
contra o presidente, o responsável moral pela morte de Ganga.
Depois de tudo o
que os angolanos passaram, incluindo a sua participação sangrenta na luta
contra o apartheid, e a trajectória actual da África do Sul, pensei como a
opressão continua a dominar a relação entre o governo e o povo angolano.
No memorial
dedicado a Hector Peterson, no Soweto, inaugurado por Nelson Mandela, há uma
inscrição “em memória de Hector Peterson e todos os outros jovens heróis e
heroínas da nossa luta, que deram as suas vidas pela paz, liberdade e
democracia”.
Na sua mensagem
de condolências pela morte de Mandela, o presidente José Eduardo dos Santos
descreveu-como como aquele que “foi e é ainda símbolo carismático de todos os
povos amantes da Paz, da Liberdade e da Democracia”.
Num momento em
que o mundo inteiro presta homenagem a Nelson Mandela, e celebra a sua vida e
obra, devemos aproveitar o momento para reflectir sobre o legado deste ícone da
humanidade.
Pude entender as
inscrições, no memorial de Hector Peterson, sobre a paz, a liberdade e a
democracia, na África do Sul. O povo negro sul-africano sempre manifestou um
grande sentido de esperança e, independente dos movimentos de libertação,
sempre se manifestou nas ruas para transformar essa esperança em realidade.
Mandela, com os
seus actos de resistência, antes e durante a sua detenção, foi o símbolo maior
da esperança dos sul-africanos pela liberdade. Com a sua libertação, Mandela
serviu como o maior catalisador para o perdão, a unidade, a reconciliação, a
humildade política, a democracia e a liberdade. Acima de tudo, Mandela
empoderou o seu povo com ideais e valores políticos e morais que sobreviverão
aos tempos e aos políticos predadores.
Os angolanos
nunca tiveram esse grande sentido de esperança, para além da sua militância em
torno dos movimentos de libertação que, por sua vez, eram monolíticos e
exclusivistas. O regime do MPLA mantém, em 38 anos de poder, essa cultura
monolítica e de exclusão. José Eduardo dos Santos, nos seus 34 anos como
presidente, apenas exigiu e sacrificou o povo. Despojou-o do poder da
cidadania, de valores políticos e morais, e corrompeu profundamente a
sociedade. Hoje, o angolano não consegue contemplar uma vida melhor sem ser
corrupto. Dos Santos tornou-se o símbolo maior, o exemplo a seguir nos caminhos
obscuros e destrutivos da corrupção e da violência política. Os políticos e
intelectuais que o seguem são formatados, unidimensionais, desligados da
realidade do povo, resignados e contentes por estarem do lado do opressor e das
riquezas. Pior ainda é a promoção e a celebração da mediocridade, como métodos
populistas de mostrar à população que não precisam de boa educação e de
valores. Qualquer um pode ser dirigente, rico e poderoso como Bento Kangamba e
Bento Bento, figuras extraordinárias do MPLA de hoje. É assim que se aniquila a
inteligência de todo um povo, o crime maior da actual liderança angolana, que
continua o seu trabalho de inferiorização do povo, a mesma estratégia usada
pelos então colonialistas portugueses. Hoje, os discursos nacionais cingem-se a
números, estatísticas e edifícios. A insensibilidade dos dirigentes há muito
que os cegou na sua visão sobre o que é liderar e educar um povo. Por isso
temem o povo e julgam poder controlá-lo apenas através da divisão e da
violência.
Por isso, as
palavras de paz, liberdade e democracia, no tributo de Dos Santos, não
reflectem o seu comportamento ou os valores em que acredita. São apenas
palavras diplomáticas.
Na África do Sul,
a esperança tem estado a dar lugar a uma crescente frustração por causa do
aumento das injustiças económicas e do distanciamento da elite negra governante
do povo em geral. Infelizmente, muitos políticos sul-africanos seguem agora os
exemplos das lideranças corruptas africanas. Hoje, na cerimónia fúnebre de
Mandela, os milhares de cidadãos presentes ovacionaram, com grande emoção,
vários líderes mundiais, mas vaiaram o seu próprio presidente. Todavia, os
profundos alicerces da paz, da liberdade e da democracia garantem aos sectores
descontentes da população a tradição e o direito de se exprimirem e de
continuarem a manifestar-se sem medo.
Em Angola, os
excluídos e os descontentes, que são a maioria, carecem de sentido de esperança
e solidariedade colectiva. Remetem-se à sobrevivência individual, à margem da
sociedade, perpetuando os ciclos da exclusão, do medo e da corrupção. Acima de
tudo é uma questão de liderança.
Mandela foi uma
inspiração para a bondade entre os homens. Como bem disse Barack Obama, “nós
perdemos um dos mais influentes, corajosos e profundamente bondosos seres
humanos”.
Angola, no seu
espectro social e político, é um deserto no que toca a homens corajosos e
bondosos, capazes de corporizarem o sofrimento da maioria dos angolanos e
mostrar-lhes outros caminhos que não os da corrupção e das políticas de
exclusão e do medo.
Todavia,
situações extremas como a de Angola e a do povo angolano tendem a produzir
também soluções extremas e inesperadas.
Que a vida de
Nelson Mandela seja um apelo aos homens e mulheres, em Angola –
tocados pelos
espíritos da bondade e da coragem – para que se levantem na defesa de uma
Angola onde os cidadãos sejam humanizados e educados para o bem comum. Só assim
os conceitos de paz, liberdade e democracia terão significado real e prático na
vida de todos os angolanos e Nelson Mandela viverá entre nós, feliz.
By Rafael Marques
de Morais - December 10, 2013
Retirado de Maka Angola, com a devida permissao dos responsáveis do site.
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Maka Angola,
Rafael Marques de Morais
11 de dezembro de 2013
TUNDAVALA
Tundavala - Angola
Tundavala
é a vagina da Huíla
fértil
que o Namibe fálico fecunda
ejaculando
ventos, cacimbos e tempos.
Namibiano Ferreira
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Namibiano Ferreira-Poesia,
Tundavala
6 de dezembro de 2013
O LEÃO DORME – NELSON MANDELA FALECEU
Canção Zulu, da África do Sul, "Mbube" (Leão), em inglês tem o nome "The Lion Sleeps Tonight" mas é mais do que isso, é uma profunda espiritualidade que só se encontra em África.
Hoje, o Leão partiu, o Leão Dorme esta Noite, foi para Casa, ele voltará!!
Voltará para de novo lutar pela Liberdade onde ela estiver amordaçada.
Hoje, nos céus, riscaram os Deuses
a Constelação nova
a Constelação Mandela
a única que viaja no céu dos Hemisférios…
Namibiano Ferreira
Viva Nelson Mandela, O Madiba!
(1918 - 2013)
RIP!
Amandla
Ngawethu!
O homem que tira a liberdade de outro homem, é um prisioneiro do ódio, está aprisionado atrás das barras do preconceito e da estreiteza de espírito. Não sou completamente livre se tirar a liberdade de outrém e, concerteza, também não sou livre quando a minha liberdade me é retirada. Tanto o oprimido quanto o opressor são roubados da sua humanidade... Para ser livre não basta apenas tirar as correntes de alguém, mas viver de forma que se respeite e melhore a liberdade dos outros.
NELSON MANDELA
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Miriam Makeba,
Nelson Mandela
4 de dezembro de 2013
SALFABETIZANDO
Foto: Kindala Manuel
Sentado no chão
rabiscando no pó
um grupo
escutando
sentado no chão
um grupo
escutando
rabiscando
com o dedo
com um pau
sem papel, e sem
lápis
um grupo
salfabetizando
Carlos Pimentel
(Nasceu no Namibe
em 1944)
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Carlos Pimentel
2 de dezembro de 2013
O QUE É A POESIA?
O que é a poesia?
A poesia é um espanto!
Ouço o vento, esse mesmo vento que assobia no deserto e não sabe o que nos
pede.
Perguntas-me o que é a poesia, esperas ávido a resposta e, como o vento no
deserto, eu também assobio e não sei o que me pedes, perguntando. Ao fim de
todo este tempo eu ainda não sei que mistério é este que se entranha, como o
vento, invisível pelos sulcos de todas as coisas, de todos os sentimentos, de
todas as palavras. É a poesia este mistério profundo como a aurora do mundo. Está
em todo o lado como se fosse uma centelha que um deus soprou e é dado ao homem
captar, não na totalidade, mas em pequenas e misteriosas gotas que, do
invisível ou do Logos, constrói o poeta, o poema que lhe acontece, num
acontecimento também ele carregado de vetusto mistério, como se fosse uma casa
erguida com tijolos de palavras, símbolos, metáforas e todas essoutras
particularidades que conhecemos com a designação de poesia.
Mas saber, saber de concreto, de forma visível o que é a poesia, este
mistério semi-revelado á nossa humana condição, eu não sei, eu ainda não sei o
que é a poesia. E também não sei completamente como ela acontece, embora tenha
uma certa fórmula que encontrei igual ou parecida à minha, nas palavras de um
outro poeta, muito parecidas àquilo que se passa comigo quando a poesia me
acontece. São as palavras de Sophia na sua Arte Poética IV:
“o poeta é um escutador. É difícil
descrever o fazer de um poema. Há sempre uma parte que não consigo distinguir,
uma parte que se passa na zona onde eu não vejo.
Sei que o poema aparece, emerge
e é escutado num equilíbrio especial da atenção, numa tensão especial da
concentração. O meu esforço é para conseguir ouvir o «poema todo» e não apenas
um fragmento. Para ouvir o «poema todo» é necessário que a atenção não se
quebre ou atenue e que eu própria não intervenha. É preciso que eu deixe o
poema dizer-se. Sei que quando o poema se quebra, como um fio no ar, o meu
trabalho, a minha aplicação não conseguem continuá-lo.
Como, onde e por quem é feito
esse poema que acontece, que aparece como já feito? A esse «como, onde e quem»
os antigos chamavam Musa. É possível dar-lhe outros nomes e alguns lhe chamarão
o subconsciente, um subconsciente acumulado, enrolado sobre si próprio como um
filme que de repente, movido por qualquer estimulo, se projecta na consciência
como num écran. Por mim, é-me difícil nomear aquilo que não distingo bem. É-me
difícil, talvez impossível, distinguir se o poema é feito por mim, em zonas
sonâmbulas de mim, ou se é feito em mim por aquilo que em mim se inscreve. Mas
sei que o nascer do poema só é possível a partir daquela forma de ser, estar e
viver que me torna sensível — como a película de um filme — ao ser e ao
aparecer das coisas. E a partir de uma obstinada paixão por esse ser e esse
aparecer.
Deixar que o poema se diga por
si, sem intervenção minha (ou sem intervenção que eu veja), como quem segue um
ditado (que ora é mais nitido, ora mais confuso), é a minha maneira de
escrever.”
E quantas, quantas vezes o poema chega aos meus sentidos como uma
comunicação sensorial através de um odor, de uma memória, de um som, de uma
lembrança, de uma palavra, de qualquer outra actividade, tão simples como
comer, ler, sorrir, ou um sentimento que
pode ir do amor á indignação, ira ou mesmo revolta. Uma vez que esse misterioso
algo se instala, numa parte de mim (que não sei onde é), de imediato se inicia
um processo do fazer acontecer o poema e neste quase transe, o silêncio e a
concentração são fundamentais, tal como Sophia esse fio, essa misteriosa
sintonia não pode ser quebrada e tem de ser logo imediatamente registada, caso
haja uma quebra na sintonia, o poema nunca mais acontece ou fica mutilado, por
vezes, mais tarde é possível recuperá-lo, mas nunca é mais aquele poema de um
dado e particular momento. Não é um poema acontecido mas um poema escrito, forçado (por vezes também sei fazer desses poemas). Quando um poema me acontece, posso vos dizer que me sinto um outro, eu mesmo
diria que me sinto uma espécie de cavalo-de-santo, há o trespasse em mim de uma
certa aura de mediúnica revelação, às vezes um êxtase ou uma pequena epifania.
Quando o poema termina, é como se eu acordasse e, quantas vezes, a minha
primeira leitura do poema revela-se, para mim próprio, um espanto. Creio,
então, que a poesia é este espanto e que uma vez escrito e dado a ler a outros
vai, de cada vez que é lido, permitir o acontecimento da poesia e dessoutro
espanto para muito além do processo criativo. Os leitores, cada um a seu jeito,
fazem reacontecer o poema e o espanto intemporalmente.
Namibiano Ferrreira
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Namibiano Ferreira-Poesia
1 de dezembro de 2013
OS MEUS PÉS DESCALÇOS
Os meus pés
andantes
Procuram a
palanca real, palanca negra
E desencantam as
quedas de Kalandula
Quedas da minha
terra
Oh é bela Angola
É bela Angola e
são felizes os meus pés caminhantes
Os meus pés
empoeirados
Acariciam subsolo
rico, ouro negro a jorrar no alto mar
Ouro negro a
jorrar no offshore
E no onshore
Ouro negro a
brotar
Das entranhas do
mar, para os meus pés esfomeados!
Os meus pés
garimpeiros
Apalpam tesouros
e mais tesouros
Minas de
diamante, ferro, cobre, prata, ouro…
Debaixo dos meus
pés ásperos
Minas de diamante
debaixo dos meus pés maltratados
Debaixo dos meus
pés esfomeados
Os meus pés
camponeses
Galgam a terra,
terra boa de agricultura
Terra boa de
verdura
E farta de
feijão, mandioca, milho, batata…
Terra boa, terra
farta
Debaixo dos meus
pés famintos e felizes
Os meus pés
pescadores
Banham-se em
mares ricos
Mares de
garoupas, corvinas, carapau, mariscos…
E mergulham em
rios fartos, Kwanza, Kubango
Keve, Bengo…
Águas fartas a
banharem os meus pés sofredores
Os meus bolsos
vazios
Vêem outros
bolsos vazios aterrar desnutridos
E depois, bolsos
cheios
A levantar voo, a
embarcar abastados
Bolsos cheios a
embarcar com sorrisos
A embarcar
abarrotados, oh que paraíso!
Os meus pés
descalços
Clamam por
migalhas, clamam por pedaços
Os meus bolsos
vazios
Não clamam por
milhões, não clamam por rios
Os meus bolsos
vazios e os meus pés famintos
Clamam somente
por migalhas de alimentos!
Décio Bettencourt Mateus
in "Os Meus
Pés Descalços"
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Décio Bettencourt Mateus
29 de novembro de 2013
ALMAS DE PORCELANA
Painel de azulejos da Fortaleza de Luanda.
Do forno ao
desejo
simétricas
almas
de porcelana
É a linha
exterior
que revela
mais que qualquer
configuração
no centro
dos azulejos
Um em si
não cabe
de quadrado
tão pequeno
Daí galgar
de costas para o
chão
onde renasce
em forma de
mulher
fecundos cacos de
gume e
verniz.
Gociante Patissa,
in «Guardanapo de Papel», livro de poemas com
edição em curso sob chancela da NósSomos, Lisboa, Portugal.
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Gociante Patissa
27 de novembro de 2013
ORGASMO
Para Dinah
Cantei o
teu nome no burburinho de pérolas
balbuciando
o rufar das manhãs lascivas de prata.
Toquei o
teu corpo, guitarra de curvas-enseadas,
eu pescador
lançando rede no mar do teu sargaço
aberto como
ventre de algas ao fluxo da maré.
Nos lábios
tesos, órficos da noite, plantei a brasa
que lança a
asa do meu querer a rogar teu corpo
púlpito de
aras mansas e claras de um templo
consagrado a
escorrer vermelhas buganvílias
com que
visto o prelúdio quente do meu desejo.
Navego teu
corpo, nua humidade de um búzio,
concha
rosada e aberta para receber a seiva
a descer, a
cair do remo fálico a remar-te
timoneiro
num grito de estretor e prazer
de nossos
corpos saciados mar de calemas
marulhando o
verbo amar na nudez ao luar.
Namibiano Ferreira
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Dinah,
Namibiano Ferreira-Poesia
25 de novembro de 2013
21 de novembro de 2013
CAIM
E aconteceu ao cabo de dias que Caim trouxe do fruto da
terra uma oferta ao Senhor.
Mas para Caim e para a sua oferta não atentou. E irou-se
Caim fortemente, e descaiu-lhe o semblante.
Génesis 4:3, 5
Arei o chão estéril
e vazio.
Dos frutos colhidos
de meu suor
fiz meu sincero
sacrifício,
colocando devoto,
sobre as aras de
Deus,
meus trigos,
centeios e cevadas
(pão de minha boca
e minha casa).
Deus, porém, me
ignorou
injustamente
olvidando meu tão
casto sacrifício
e despertou em mim
o crime roxo de
sangue.
(O que Caim
desconhecia, meus amigos,
é que Deus, afinal,
não é vegetariano.)
Namibiano Ferreira
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Namibiano Ferreira-Poesia
13 de novembro de 2013
A CANTORA TCHININA
Cantora Tchinina marca uma época
Altiva e irreverente, Tchinina teve o mérito de romper com o preconceito de
mulher cantora, arraigado na época colonial, fazendo ouvir a melodia da sua voz
de norte ao sul de Angola, em umbundo, destacando-se num universo feminino
dominado pela música da capital, interpretada em quimbundo.
Quando saiu pela primeira vez da sua terra natal, em 1952, com apenas dois
anos de idade, Tchinina foi para o Lobito, onde viveu em casa de um tio, José
Mangenge, irmão do pai. Depois, em 1958 entrou para o internato da Missão
católica da Babaera, adstrita ao município da Bela Vista, hoje Catchiungo, a
cerca de 62 quilómetros a leste da cidade do Huambo, município onde aprendeu a
tradição do cancioneiro local, e frequentou o Colégio da Nossa Senhora do
Carmo, até ao quarto ano do ensino liceal.
Filha de Pereira Chipenda Manjenje e de Rosária Simbaluca, separados quando
a cantora tinha apenas dois anos de idade, Teresa da Cruz Manjenje, Tchinina,
nasceu no Huambo, Município do Ucuma, situado a 92 quilómetros da capital
provincial, a 19 de Setembro de 1950. Em consequência da separação dos pais,
teve uma infância atribulada e difícil, tendo sido obrigada a ser criada por um
segundo tio, Padre Jorge Mangenge, e viveu depois no internato das madres do
Bairro Canhe, desta vez mais próximo da cidade do Huambo.
Em 1970, rompeu voluntariamente com um casamento precoce e efémero,
engravida aos 15 anos de idade, e decide fugir do Huambo para Malange, onde se
junta ao conjunto Ndimba Ngola que, na altura, estava em digressão prolongada,
num espectáculo realizado no Atlético Clube de Malange.
Aí, começa a primeira grande aventura musical de Tchinina, que interpreta a
canção, “Mulata é a noite”, música de Conchinha de Mascarenhas, sobre um poema
de Adelino Tavares da Silva, uma forma de teste, solicitado por Dominguinhos,
do conjunto Ndimba Ngola: “Como eu/ a noite nasceu mulata/na escuridão da
cubata/ é pecado do subúrbio/ Mulata / é distúrbio no musseque /e a lua é pé de
moleque/ que adoça a provocação/ A noite /é como pano de chita/ que foi esteira
de rebita/ deixou missanga no chão/ Como eu/ a noite é bronze maciço/ liga de
prata e feitiço/ gosto de açúcar/ mascavo/ A noite/ é um travo de maboque/e a
mulata é um/retoque/na polpa da natureza/Mulata/ é estrela de bairro pobre/ é
barro que imita o cobre/ torneado de surpresa.”
Ante a surpresa de todos, Tchinina encantou quem a ouviu, com uma belíssima
interpretação de “Mulata é a noite”, tendo sido convidada, logo depois, para
acompanhar a digressão do Ndimba Ngola, que durou quatro meses, desta vez para
Saurimo, Lunda-Sul, Cuango, Cafunfo, Cangula, Camaxilo, Marco 27, Moxico,
Camacupa, Bié, Huambo, Gabela e Dondo. Depois da digressão, Tchinina parte do
Dondo para Luanda, em 1972, e conhece, através do cantor e compositor
Dominguinhos, dos Ndimba Ngola, o empresário Luís Montez, promotor dos
“kutonocas”, espectáculos itinerantes de rua realizados nos bairros periféricos
de Luanda.
No auge do sucesso das canções: “O amor é como as rosas”, e “Utima ua teka
teka”, temas do seu primeiro single, gravado em 1973, multiplicam-se os
convites para cantar. É assim que passa pelo Maxinde, Marítimo da Ilha,
Kudissanga kuá makamba, Salão do Braguês, Giro-giro, Festas da Feira Popular,
Chá das Seis, no Cinema Restauração, e Mandarim, na Ilha de Luanda, onde
dividiu o palco com Milá Melo, Teta Lando, Mário Gama, Quarteto 1111, do cantor
português José Cid, Lourdes Van-Dúnem, Belita Palma, Elias diá Kimuezo, António
Paulino, David Zé, Urbano de Castro, Artur Nunes, Cirineu Bastos, Zé Viola e
Sofia Rosa.
Canções
Em 1973 e 1974, Tchinina cantou, enquanto compositora, a desilusão amorosa
em “O amor é como as rosas”, “Otchiliochlili”, e “Utima ua teka teka” (coração
partido). Sofrida, falou das ocorrências e desencantos da vida em “Lamento”,
“Alundu” e “Teia teia”, das crenças e do poder das tradições em “Somaiangue” e
“Ngangaté”, da nostalgia em “Saudades de mãe”, e da intervenção política em
“Maia Ngola”. Ao longo da sua carreira, Tchinina gravou pela Valentim de
Carvalho e Fadiang, e foi acompanhada pelos conjuntos África Ritmos, África Show,
Gingas, Cabinda Ritmos e Bongos do Lobito, e a banda Black Power, com a qual
gravou, em Portugal, o LP “Folclore Angola, afro folk beat África”.
Um disco com 12 faixas representativas da carreira de Tchinina, “Mana”,
“Tukina”, “Yolela”, “Saudades de mãe”, “Uteque”, “Okufá”, “Somaiangue”,
“Cassinha”, “Mucanda”, “Ekumbi”, “Taté”, “Hossi” e “Quidalé” fazem parte da
colectânea “Angola anos d’ouro”, da série reviver.
Portugal
Com o encerramento das principais gravadoras em Angola, no período da
independência, e com a intenção de prosseguir a sua carreira musical, Tchinina
foi ainda secretária de Relações Públicas do Governo de transição, e parte para
Portugal no dia 28 de Março de 1976, onde viveu 34 anos. Em Portugal enfrentou
outros desafios, viveu na Covilhã, Lisboa, Setúbal, Portimão, Vila Nova de Mil
Fontes e Águeda. Ainda em Portugal, de 1977 a 1979, foi acompanhada pela banda
África Star, formação de músicos provenientes do Lubango, constituída por
Victor (bateria), Octávio (saxofone), José Maria (viola ritmo), e João de
Almeida (viola baixo).
Homenagem
Tchinina foi homenageada no dia 29 de Julho de 2013, no auditório da
Direcção Provincial da Cultura do Huambo, pelo reconhecimento do conjunto da
sua obra e pelos esforços de internacionalização da música angolana em
Portugal, nos primeiros anos depois da independência de Angola.
Participaram na homenagem o poeta Chico Pobre, as cantoras Edna Mateia e
Lili de Vasconcelos, os grupos de teatro Morro do Moco e Vozes d’África, o
grupo de música gospel Raiar da Luz e o cantor Skil One.
Tchinina está incluída no CD “Vozes do Planalto, relíquias do passado”, a
sair brevemente, com as canções, “Utima ua teka, teka” e “Quidalé”, colectânea
onde figuram os cantores Bessa Teixeira, Justino Huandanga, Zé Cathiungo, e
João Afonso.
Jornal de Angola, 4 de novembro de 2013
ANGOLA: OS POETAS (BLOG)
Quero apresentar-vos este magnífico blog ANGOLA: OS POETAS, onde tudo o que se publica são poemas de poetas angolanos, imagens de
Angola e, de quando em vez, um vídeo musical. Aconselho-vos a visitá-lo. http://angolapoetas.blogspot.co.uk/
Eis alguns dos
poetas recentemente publicados:
E OS HOMENS DA
TERRA...
e os homens da
terra
sentaram-se!
frutos silvestres
emprestaram
sabedoria e sombra
poeiras
campestres
abençoaram
papeladas
e acordos nos
matos das picadas!
um vento a soprar
agreste
as terras do
leste
falou-me d'
homens sentados
em troncos e
pedras
a falarem acordos
e palavras
e obuses de
canhões silenciados!
a taça do sangue
das armas
entornou-se!
batuques e lágrimas
das gentes
magricelas
a espreitar
homens da terra
sentados, a
falarem de paz em palavra
e sonhos e
acordos d' estrelas!
a tumba dos
homens apagados
em camuflados e
botas
aplaudiram palmas
kazumbis e almas
dançaram alegria
na matas
e homens sentaram
pedras d'acordos!
e as patentes da
terra
conversaram!
calaram-se ruídos
e fuzis d' homens
fardados
a barulhar
palavras e guerras
conversam os
homens nas pedras
e nos troncos dos
acordos!
e os homens da
terra conversaram!
Décio Bettencourt
Mateus
NOVEMBRO É QUANDO
novembro é quando
o silêncio
ajoelha
nos homens
o beijo de duas
faces
comovido
(lágrima de
orvalho que
o cacimbo
esqueceu)
novembro é nem
saudade
pelos braços
todos
acima
David Mestre
11 de novembro de 2013
DIPANDA, UM BOM DIA PARA TODOS
1975 - 2013 - VIVA O 11 DE NOVEMBRO
REFLEXÃO PARA HOJE
Não é o poder que corrompe, mas o medo. O medo de perder o poder corrompe
aqueles que o exercem e o medo do açoite do poder corrompe aqueles
que estão sujeitos a ele (...) em qualquer sociedade onde o medo é frequente, a
corrupção grassa em todas as formas tornando-se profundamente enraizada.
Aung San Suu Kyi
(Do discurso "Freedom from fear", proferido in 1991.)
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Aung San Suu Kyi,
Independencia
5 de novembro de 2013
POEMA DE NOK NOGUEIRA
Se me vierem
saudar à porta deixá-la-ei entreaberta
para que o vento
a feche as mãos são por de mais
puras para que se
fechem diante dos homens
não entendo como
fora difícil decifrar que o tempo
é um extracto do
que se considera como sendo um
preciso compor de
velhos instantes
alguém me seguirá
caso a porta se mantenha
entreaberta entre
o corredor e o acesso dos degraus
das escadas cuja
cor se confunde com o castanho
e o vermelho do
barro e a secular pintura dos homens
inscritas em
velhos jornais
se crescem
plantas entre as avenidas é porque alguém
as jogou primeiro
como vivas sementes em terreno
nacional e em
praça municipal
se colho de tarde
restos de brilhos do sol onde nasce
a lua continua o
arquivar da luz para que as noites
nunca se esgotem
em nós para que as palavras nunca
se nos pereçam e
para que sejamos nós mesmos diante
de um acordeão em
bailes de rebita
se me vierem
saudar à porta deixá-la-ei entreaberta
para que o vento
a feche pois as mãos são por demais
puras para que se
fechem diante dos homens
Nok Nogueira, in
Jardim de Estações.
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Livros,
Nok Nogueira
29 de outubro de 2013
KIANDA
Imagem retirada de Malembe Malembe
Nua, vestida de
vento e purpurina
a Kianda penteava o
mar
nas tranças maresia
do cabelo
e trazia pedacinhos
de salsugem
no fogo pétala dos
beijos.
Kianda nua, pele
luzidia a cantaromar
a chuva mística do
semba da lua
o meu corpo afagava
e eu, quase a morrer,
desejava tocar seu
corpo intocável e puro:
Kianda nua, vestida
de vento e purpurina...
Namibiano Ferreira
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Namibiano Ferreira-Poesia
24 de outubro de 2013
UM CAFUNÉ MÃEZINHA!
À memória de
Luzia Bettencourt M., minha mãe.
Um cafuné
mãezinha
Um cafuné na
minha carapinha
Mimos e carícias
nos meus cabelos
Numa brincadeira
de assim
Meu cabelo ruim
E teu cafuné a
embalar meus pesadelos!
Um cafuné na
minha carapinha
Teus dedos mãezinha,
rios
E estrelas nos
receios
E caminhos dos
meus cabelos
Teus dedos
tranquilos
A me afagarem
assim mãezinha!
Um cafuné a
embalar meus medos
E o amor a brotar
e a jorrar
Na minha
carapinha
Que eu oiço a voz
do luar
Mãezinha
Oiço o luar nos
teus dedos!
Um cafuné e
conta-me estórias
E sabedorias:
“Era uma vez, o
coelho e o macaco…”
Uma estória de
carapinha
A adormecer
noitinha
E eu durmo o
embalo do teu cântico!
Os caminhos do
dia correm pantanosos
Os silêncios da
noite misteriosos
Eu em medos e
manias
À espera das tuas
estórias
Teu cafuné
mãezinha
A adormecer-me a
carapinha!
Oh! A noite é
dura
E eu durmo
insónias na noite escura
A sonhar teu
cafuné mãezinha
Minha carapinha
castanha
Meu cabelo ruim
À espera
mãezinha, num cafuné de assim!
Um cafuné
mãezinha
Um cafuné na
minha carapinha!
Luanda, 20 de
Janeiro de 2007.
Décio Bettencourt
Mateus
in Xé
Candongueiro!
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Décio Bettencourt Mateus
23 de outubro de 2013
A MÃO DO VENTO NA SAVANA
Mais de três décadas depois de surgirem Vinte Canções para Ximinha, (1971) e Caderno dum Guerrilheiro, chegou a hora da republicação desta poesia de João-Maria Vilanova. Um acto de justiça elementar a um injustiçado poeta angolano da modernidade. A poesia de Vilanova pela mão de Luandino Vieira.
Poesia - João-Maria Vilanova
Edição/reimpressão: 2007
Editor: Editorial Caminho
ISBN: 9789722116220
10,90€
Que voz perpassa
em teu dorso
quando
a noite
passos-de-onça
se aproxima?
Memória de areais
Negras falésias?
Se te escutando
paciente é o
trabalhar
de onda.
Eflúvios frémito
um deus muíla que
subisse
monandengue
só da raiz do
sangue.
João-Maria
Vilanova
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João-Maria Vilanova,
Livros,
Luandino Vieira
22 de outubro de 2013
QUEM MATOU SOFIA ROSA - ÁFRICA TENTACAO
Homenagem ao Sofia Rosa (assassinado em 1975, no Lobito) dos África Tentacao.
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África Tentacao,
Sofia Rosa
NO ÓVULO DAS CIDADES
Começaram as
chuvas.
O dia caminha
mole e cinzento
dentro da tromba do elefante.
Nosso rio
estruturou no céu
seu caudal pleno
de batuques e ferreiros.
Mais altas que o
vento voam as mulheres
de seios sangrando
o sono azul dos pássaros.
A cabeça da
terra irriga os lábios da infância.
As madeiras
suspensas da fala estão húmidas.
Amanhã vamos
levar nossas enxadas e depor
uma lágrima de
esperma no óvulo das cidades.
José Luís Mendonça
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José Luís Mendonça
21 de outubro de 2013
POEMA DE JOAO-MARIA VILANOVA
Foto: Nelson Viegas
Kimbo solitário coxilando
sob o lado oculto da Lua
Esse kimbo aí
não tem mais
gente
nem bicho
pé da porta não
Ngulu que tu não
comeu
onça ela comeu
cabrito &
sanji
que tu não
comeu
onça ela comeu
e povo do lá
e povo do lá
sem nadica do
nada
para
comer
imabamba dele
cambeza dele
surruu
aiuê
na mata
quando que
sem galinha
ciscando
sem galinha
ciscando
galo negro
todo chapado em
ferro
hela
ele chegou
João-Maria
Vilanova
Sobre Joao-Maria Vilanova (texto retirado do site da UEA-Uniao de Escritores Angolanos)
Sobre Joao-Maria Vilanova (texto retirado do site da UEA-Uniao de Escritores Angolanos)
João Maria Vilanova, poeta da geração de 70, é um nome que esconde o maior
enigma da literatura angolana, um heterónimo que encobre muito bem o seu autor
biológico-histórico, continua fictício até hoje.
Na linha do pensamento teórico que vai de Stephane Mallarmé a Jonathan
Culler “interessa reflectir sobre a teoria da textualidade: a noção de que é a
palavra que constrói a realidade, e, portanto, é responsável pela criação
daquele espaço criador que é o autor. Nesta linha de pensamento, o autor
desaparece para dar lugar a palavras, cuja acção não só cria a obra, mas também
o próprio autor. Roland Barthes identifica esse fenómeno como o “espaço
discursivo de individuação” o qual estabelece certa unidade textual que nos
permite ultrapassar as contradições, nas quais se neutralizam os dados
biográficos (Barthes, Roland, «Roland Barthes par lui-même», Paris: Seuil
(1975)”, teorização desenvolvida pela ensíata Joanna Courteau (Ames), ler o
texto intitulado «D´A varanda do frangipani à morte dos heterónimos», in
Lusorama, nr. 50 (Juni 2002).
Jorge Macedo garante que conheceu o poeta quando esteve a trabalhar no
Kuanza Norte, ou seja, suspeita que tenha sido “um juiz branco que gostava da
poesia angolana, que conhecia as diversas propostas poéticas”. Muitos são os
escritores dessa geração que lançam suspeitas para todas as direcções.
Galadoardo em 1971 com o Prémio Mota Veiga, atribuído a «Vinte canções para
Ximinha», nunca apareceu para receber o merecido prémio. Mas não deixou de
aparecer, em 1974, através da revista Ngoma, mantendo-se na mesma no meio de
uma «grande nuvem». Em 1974, edita «Cadernos de um guerrilheiro».
João - Maria Vilanova é um poeta que usa o bilinguismo como seu recurso de
escrita e por ser assim “marcadamente bilinguista, regionalista, vanguardista,
intraduzível, e, portanto, inequivocamente pré-angolana, a poesia de João
Vilanova paga o preço do desconhecimento mundial, enquanto a poesia de
Agostinho Neto, retórica, grandiloquente, alegórica, aristotélica, aspirante ao
universalismo, aufere fama de múltiplas traduções. Vilanova realiza na poesia
algo como José Luandino Vieira na prosa: retira à História da Literatura
Portuguesa poder de anexação”, são palavras do crítico Pires Laranjeira.
O ensaísta vai mais longe na sua análise estrutural quando afirma que “Não
há recorrência ao empolamento do metaforismo e da ruptura abrupta da ritmia do
discurso, como seria usual nas concepções poéticas latino-europeias. As
rupturas e empolamentos situam-se em níveis do discurso diferentes da
literatura portuguesa. A inovação é, por isso, de sinal radicalmente
anticolonialista. O discurso não pode ser apropriado pelas instâncias
colonialistas por se inscrever nos antípodas da sua boa consciência. A forma dialógica
é também inalienável da condição de herdeiro da estrutura da narrativa bantu.”.
Pires Laranjeira não deixa de realçar na sua crítica o apuramento
estilístico de Vinanova que foge do discurso directo: “A denúncia do
paternalismo, como de outras sequelas do colonialismo, quase nunca se faz em
linguagem expositiva, panfletária. A força, o propósito do discurso poético não
é do mesmo género do discurso político.”
Os quimbos quietos pensados no silêncio (...) Da Envagélica os cânticos se
derramando na voz do vento: povo
Excerto de um poema in Vinte Canções para Ximinha.
Para o professor Manuel Ferreira, o poeta anónimo "será o que mais
conscientemente prolonga e renova as experiências dos poetas da Mensagem e da
Cultura (II). Tudo leva a crer que Vilanova venha dos tempos da Mensagem,
notadamente quando o seu enunciado é a expressão de um certo quotidiano povoado
de rememorações; nelas e na narração evocativa um mundo de anseios e suspensões
significativas nos povoa a imaginação".
Ainda segundo Manuel Ferreira, em Caderno de um guerrilheiro, o poeta elege
como temática "o povo angolano crescendo na luta armada." e
considera-o como o poeta do "rigor e da elaborada interiorização da gesta
do povo angolano, com uma fala para cada tema, uma gramática pessoal na fusão
de níveis e áreas linguísticas, mesmo quando o real é momentâneo e no seu verbo
se trtansfigura e dimensiona".
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João-Maria Vilanova
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