Foto: Jorge Coelho Ferreira

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POEMAS DE NAMIBIANO FERREIRA

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2 de dezembro de 2013

O QUE É A POESIA?

O que é a poesia?

A poesia é um espanto!


 

Ouço o vento, esse mesmo vento que assobia no deserto e não sabe o que nos pede.

Perguntas-me o que é a poesia, esperas ávido a resposta e, como o vento no deserto, eu também assobio e não sei o que me pedes, perguntando. Ao fim de todo este tempo eu ainda não sei que mistério é este que se entranha, como o vento, invisível pelos sulcos de todas as coisas, de todos os sentimentos, de todas as palavras. É a poesia este mistério profundo como a aurora do mundo. Está em todo o lado como se fosse uma centelha que um deus soprou e é dado ao homem captar, não na totalidade, mas em pequenas e misteriosas gotas que, do invisível ou do Logos, constrói o poeta, o poema que lhe acontece, num acontecimento também ele carregado de vetusto mistério, como se fosse uma casa erguida com tijolos de palavras, símbolos, metáforas e todas essoutras particularidades que conhecemos com a designação de poesia.

Mas saber, saber de concreto, de forma visível o que é a poesia, este mistério semi-revelado á nossa humana condição, eu não sei, eu ainda não sei o que é a poesia. E também não sei completamente como ela acontece, embora tenha uma certa fórmula que encontrei igual ou parecida à minha, nas palavras de um outro poeta, muito parecidas àquilo que se passa comigo quando a poesia me acontece. São as palavras de Sophia na sua Arte Poética IV:

“o poeta é um escutador. É difícil descrever o fazer de um poema. Há sempre uma parte que não consigo distinguir, uma parte que se passa na zona onde eu não vejo.
Sei que o poema aparece, emerge e é escutado num equilíbrio especial da atenção, numa tensão especial da concentração. O meu esforço é para conseguir ouvir o «poema todo» e não apenas um fragmento. Para ouvir o «poema todo» é necessário que a atenção não se quebre ou atenue e que eu própria não intervenha. É preciso que eu deixe o poema dizer-se. Sei que quando o poema se quebra, como um fio no ar, o meu trabalho, a minha aplicação não conseguem continuá-lo.
Como, onde e por quem é feito esse poema que acontece, que aparece como já feito? A esse «como, onde e quem» os antigos chamavam Musa. É possível dar-lhe outros nomes e alguns lhe chamarão o subconsciente, um subconsciente acumulado, enrolado sobre si próprio como um filme que de repente, movido por qualquer estimulo, se projecta na consciência como num écran. Por mim, é-me difícil nomear aquilo que não distingo bem. É-me difícil, talvez impossível, distinguir se o poema é feito por mim, em zonas sonâmbulas de mim, ou se é feito em mim por aquilo que em mim se inscreve. Mas sei que o nascer do poema só é possível a partir daquela forma de ser, estar e viver que me torna sensível — como a película de um filme — ao ser e ao aparecer das coisas. E a partir de uma obstinada paixão por esse ser e esse aparecer.
Deixar que o poema se diga por si, sem intervenção minha (ou sem intervenção que eu veja), como quem segue um ditado (que ora é mais nitido, ora mais confuso), é a minha maneira de escrever.”

E quantas, quantas vezes o poema chega aos meus sentidos como uma comunicação sensorial através de um odor, de uma memória, de um som, de uma lembrança, de uma palavra, de qualquer outra actividade, tão simples como comer, ler, sorrir, ou um sentimento  que pode ir do amor á indignação, ira ou mesmo revolta. Uma vez que esse misterioso algo se instala, numa parte de mim (que não sei onde é), de imediato se inicia um processo do fazer acontecer o poema e neste quase transe, o silêncio e a concentração são fundamentais, tal como Sophia esse fio, essa misteriosa sintonia não pode ser quebrada e tem de ser logo imediatamente registada, caso haja uma quebra na sintonia, o poema nunca mais acontece ou fica mutilado, por vezes, mais tarde é possível recuperá-lo, mas nunca é mais aquele poema de um dado e particular momento. Não é um poema acontecido mas um poema escrito, forçado (por vezes também sei fazer desses poemas). Quando um poema me acontece, posso vos dizer que me sinto um outro, eu mesmo diria que me sinto uma espécie de cavalo-de-santo, há o trespasse em mim de uma certa aura de mediúnica revelação, às vezes um êxtase ou uma pequena epifania. Quando o poema termina, é como se eu acordasse e, quantas vezes, a minha primeira leitura do poema revela-se, para mim próprio, um espanto. Creio, então, que a poesia é este espanto e que uma vez escrito e dado a ler a outros vai, de cada vez que é lido, permitir o acontecimento da poesia e dessoutro espanto para muito além do processo criativo. Os leitores, cada um a seu jeito, fazem reacontecer o poema e o espanto intemporalmente.


Namibiano Ferrreira 

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