Foto: Jorge Coelho Ferreira

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POEMAS DE NAMIBIANO FERREIRA

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12 de maio de 2017

CONTO DE NAMIBIANO EM PÁSSAROS DE ASAS ABERTAS (Continuacao)

(java)



MARIA JAVA

Mal os primeiros raios de Sol despontavam no caminho do Leste, Maria Java já se estava banhando nas águas tranquilas do meu corpo. Não era um banho comum, parecia era um ritual, um estranho cerimonial. Depois, Maria dirigia-se para a Vila e por lá deslizava como se fosse um rio atormentando os homens com a sua beleza provocante. Maria Java não fazia nada para provocá-los, era simplesmente o seu modo de andar, a sua beleza que embriagava os homens de desejos. Ao fim da tarde, quando o Sol ia dormir roxo de cansaço, ela regressava ao ninho para voltar, na manhã seguinte, a cumprir o mesmo ritual.
Com a chegada das primeiras chuvas, Maria deu à luz um menino. Na primeira visita à Vila, as mulheres não aguetaram a curiosidade e vieram, sem cerimónias, espiar a criancinha que, nua, dormia envolta em folhas de bananeira. Houve logo ali mesmo alguém que traçou as parecenças da criança com o Xico Camionista. A novidade correu como brisa no tempo das chuvas. Só a mulher do Xico, claro, não gostou. Fez cara feia, muxoxou e foi tirar a prova visual do ADN da criança. Quando viu o menino, os resultados da análise saltaram com todos os cromossomas e também ela viu as trombas do mulato Xico Camionista, seu marido, na face angelical do menino. Revirou os olhos, muxoxou ainda mais, pôs as mãos na bunda e foi tartar do assunto com o Xico. Consta que o Xico, mulato franzino, negou conhecer a Maria Java mas isso de nada lhe valeu porque apareceu no Bar Esplanada com um olho negro, dizem, de um sopapo que lhe deu a mulher.
Depois do nascimento do filho Maria Java passou literalmente, para as mulheres da Vila, a ser uma pária, uma espécie de enjeitada da sociedade. Ignorada pelas mulheres mas desejada pelos homens enquanto deslizava pelas ruas da Vila, filho nos braços e os seios fartos de leite. O tempo, mangonheiramente foi passando e  Maria Java deixou de ser o tema de conversa das mulheres. (...)

Namibiano Ferreira (final na próxima postagem)

CONVITE: ANGOLA, O 27 DE MAIO - MEMORIAS DE UM SOBREVIVENTE


9 de maio de 2017

CONTO EM PÁSSAROS DE ASAS ABERTAS

Os sucessos da história da literatura angolana



MARIA JAVA 

 Ninguém sabia de onde ela veio, quem era ou o que pretendia. Se é que pretendia alguma coisa. A meio da estação seca apareceu na Vila, grávida e semi-nua, com um par de seios a parecerem dois maboques provocantes. Era uma mulher bela, elegante e enigmática. Não andava, deslizava pela Vila sem nunca falar ou estabelecer qualquer forma de contacto. Também não pedia e mantinha uma certa altivez. As mulheres da Vila inventaram estórias sobre ela, conversas, bisbilhotices e mujimbos. Kuribotices, enfim, que só as mulheres sabem criar sobre outras mulheres. Por qualquer estranha razão as mulheres da Vila não gostavam desta ave de arribação vinda sabe Deus de onde. Só D. Dominguinhas, sekula de muitos cacimbos e chuvas, fez saber que sabia alguma coisa sobre esta solitária e estranha mulher. O respeito e a credibilidade da velha sekula, parteira nas horas vagas e lavadeira de profissão desde os tempos coloniais, trouxe as orelhas das mulheres até à boca de D. Dominguinhas que beijando seus dedos em cruz falou: “ Juro, por Nzambi! Estava lá na margem do rio sozinha mesmo a lavar umas roupas quando ela apareceu do lado donde o Sol dorme. Chegou assim mesmo do nada, a última vez que olhei naquela direcção, eu vi poisar uma ondjava, depois mesmo ela apareceu, de tanga e mamas a apontar o céu. Agora, vocês num me perguntem mais nada mas o andar dessa moça me faz lembrar uma ondjava.” E deu uma gargalhada sonora e cantante daquelas que só uma mulher kwanhama sabe dar. E foi assim, D. Dominguinhas virou madrinha de Maria Ondjava, mais tarde ficou só Maria Java. Maria Java não se misturava com o povo da Vila, limitava-se a passear, a deslizar pelas ruas. Vivia junto da minha margem, fora da localidade, numa cubata que mais parecia um amontoado de folhas e galhos velhos e secos. As gentes da Vila, isto é, o mulherio, chamavam, com desdém, o ninho da Java e realmente parecia um ninho. (...)

Namibiano Ferreira

PÁSSAROS DE ASAS ABERTAS


“A língua portuguesa é um pássaro de asas abertas”


Em edição organizada por Margarida Gil dos Reis e António Quino, esta seleção reúne trinta e seis dos autores mais expressivos da literatura angolana, apresentando histórias do nosso tempo, histórias que se centram nas relações humanas e familiares, que desnudam conflitos sociais e mergulham no interior do ser humano, mas sobretudo recriando estórias a partir da tradição africana, dando especial relevo ao que se convencionou chamar de oratura, como fonte inesgotável de inspiração. Marcadas por uma grande diversidade temática e estilística, a maior parte destes contos baseia-se em conhecidas lendas e outras narrativas fantásticas, onde o sobrenatural convive naturalmente com muita imaginação e invenção, próprias de um povo que se refugiou em narrativas mirabolantes aproximando o maravilhoso e o insólito, como forma de dar uma tessitura peculiar à sua mensagem, de uma maneira muito próxima do realismo fantástico que caracterizou durante as últimas décadas a literatura latino-americana. Dando especial relevo à feitiçaria e bruxaria, de uma forma que pode levar a algumas confusões, pois brincar com coisas sérias pode levar a resultados perigosos, sobretudo quando o público-alvo é pouco informado, uma grande parte dos autores vai na onda do bonito e aparentemente poético, aproveitando uma moda que em breve ficará ultrapassada pelo seu abuso, esquecendo talvez a primeira e fundamental missão do intelectual, que é ser autêntico e realista, havendo que ter muito cuidado com a forma como a linguagem alegórica é apresentada. Uma das personagens recorrentes, por ser transversal em várias etnias angolanas é a Kianda, singular de Ianda, sereia em Kimbundu, conhecida também como Deusa das Águas, uma personagem muito amada e tradicionalmente venerada através de oferendas. Pepetela, um dos expoentes máximos da literatura em Angola, tem inclusive um livro intitulado O Silêncio da Kianda. Cada meio aquático tem uma sereia, isto é, cada rio, cada lagoa, cada charco tem a sua Kianda que toma o nome do rio, lago ou cacimba. De certa forma, ela é a encarnação do próprio meio aquático. Literariamente, esta utilização da oralidade através de uma estilística cuja escrita incorpora os fenómenos socioculturais, sendo um produto válido e pertinente para conhecer efetivamente um contexto político e sociocultural de uma terra, é, de vários modos, plausível e aconselhável, mas há que perspetivar que a literatura deve ser sempre ampliada e combinada com a vida, tornando cada narrativa um observatório privilegiado de leituras de cenários históricos e socioculturais de um povo, tornando assim cada obra viçosa e profunda. Além da mãe,
A memória do conto popular africano e as heranças da oralidade nos mecanismos de manutenção, preservação e transmissão do conhecimento, dos costumes, das questões éticas e estéticas coletivas; a tradição cultural dinâmica e o importante papel da memória como repositório e veículo da cultura, na sua função de comunicação e continuidade na sociedade angolana perpassam acentuadamente na antologia de contos angolanos, Pássaros de Asas Abertas, editada recentemente em Lisboa. Marcadas por uma grande diversidade temática e estilística, a maior parte destes contos baseia-se em conhecidas lendas e outras narrativas fantásticas