Foto: Jorge Coelho Ferreira

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POEMAS DE NAMIBIANO FERREIRA

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30 de abril de 2014

DOIS POEMAS DE ISABEL FERREIRA



Desilusão

Caí em letargia ...
Meu sonho adormeceu profundamente ...
Ficou num par de fronhas virgens ...
Estreadas em noites de volúpia ...
Sonho bordado
Nas fronhas dum hotel
Vidas aneladas
Pontos cheios de suspiros em gemidos …

Juntos dormimos
Mas nossos sonhos
Esses!
Adormeceram
Num par de fronhas ...


De Lírios

Sacudi a madrugada
Qual amante despeitada
Suportei o sonho promíscuo

Palavras na lavra
Oculta da tua boca
Perdem-se nas paredes do teu corpo ...

O despertar
Um prometido



Isabel Ferreira

29 de abril de 2014

FERNANDO CATERÇA VALENTIM 1950 - 2014

O artista plástico Fernando Caterça Valentim, morreu na noite de quinta-feira, no Hospital do Prenda, em Luanda, vítima de doença.

Como notícia é de 20/04/2014, a morte do pintor deve ter ocorrido a 16 do mesmo mês. Uma grande perda para a cultura angolana.
Foto: Paulino Damiao

Valentim era um artista plástico da antiga geração de pintores que sem formação académica ou artística conseguiu internacionalizar a sua carreira e levar a cultura angolana além-fronteiras, através das suas obras. Notabilizou-se no mundo das artes em Lisboa, onde realizou dez exposições individuais.
De nome próprio Fernando Caterça Valentim nasceu a 5 de Maio de 1950 na Gabela, província do Cuanza Sul. É membro da União Nacional dos Artistas Plástico (UNAP) desde 1977. Também pertenceu à Sociedade Portuguesa de Autores. Frequentou um curso de pintura de azulejos no Inatel, em Portugal, em 1997 e 1998, onde aprendeu novas técnicas de arte. 


Em Angola só realizou exposições colectivas. Começou a profissionalizar a sua carreira em 1985, participando e mostras internacionais como a Quinzena Cultural de Paris.
Valentim tem colecções expostas em grandes museus do mundo. A sua obra “Lágrimas da Negra”, uma das grandes referências artísticas, foi doada à galeria de pintura Naif Podgorica, na Jugoslávia. A sua obra “O Sol Negro” está patente no Museu da Torre Nabemba, em Brazzaville.


Artigo retirado de Jornal de Angola online, segundo parágrafo acrescentado pelo autor do blog.



28 de abril de 2014

POETAS PÓS- INDEPENDÊNCIA 1: JOÃO TALA



Biografia:

João Tala nasceu em Malanje a 19 de Dezembro de 1959. É médico exercendo a profissão como interno em alguns hospitais de Luanda. Iniciou a sua actividade literária na cidade do Huambo, onde cumpria o serviço militar e foi co-fundador da Brigada Jovem de Literatura – Alda Lara. Apesar de ter frequentado círculos literários daquela cidade, de que despontaram ainda na década de 80 importantes nomes da novíssima poesia angolana como João Maimona, o seu primeiro livro de poesia sai a público apenas em 1997. Arrebatou o prémio Primeiro Livro da União dos Escritores em 1997 e o primeiro lugar dos Jogos Florais do Caxinde em 1999. Parecendo justificar o respeito que nutre pela poesia, o seu livro de estreia é, apesar dos cerca de 15 poemas, uma auspiciosa contribuição para a renovação e diversidade do discurso poético angolano. O segundo livro voltou a merecer um acolhimento encomiástico da parte de José Luís Mendonça, outro expoente da sua geração, que o considera como uma vocação poética a irromper no universo das letras angolanas com soberania inerente aos grandes criadores.

Poesia:

A Forma dos Desejos (1997);
O Gasto da Semente (2000);
A Forma dos Desejos II (2002);
Lugar Assim (2004);
A Vitória é uma Ilusão de Filósofos e de Loucos (2004);
Forno Feminino (2009).

Ficção:

Os Dias e os Tumultos (2004);
Surreambulando (2007).

POEMAS:

ALÉM DA FORMA DAS SEMENTES

Todas as palavras de um ngoma são
lamentos da civilização. Tudo o que
pronuncio é um continente sobre
a memória dos ngomas

mas cada língua é uma nação de conversas
fortalece a raça do espírito o poema da
plebe

e este povo-irmão dissemina na minha
memória o continente erguido da semente


OBITUÁRIO

Onde ouvidos repetem pequenas ruínas
sobra o revólver sobre dias túmidos
para decretar morte é como ninguém
para aumentar áfricas laboratoriais e
o latifúndio;

depois dá um tiro na cabeça da história
tal como tropeça no meu palavrão
sem nada para acrescentar à morte
sem nada para contar à vida
sem ser nunca o nome da multidão.


TONTURA

Ainda apagam pálpebras de volta à tontura
ainda o sentimento da nossa longa história
a ruína vai da notícia à revolução

palavras mortas nunca mais preenchidas
os rios demorados no sintoma dos países
e tudo passa e o poema indaga
o dia que acontece como uma ruína.


TUAS PALAVRAS MÁGICAS

São estas diferenças que partilho:
eclesiástica palavra tu és uma igreja

nutrida uma palavra
espiga outra palavra

levantas-me escolástica o nervo
com a tua dor;
aurora com o teu lume,

álgebra inquieta não somarias
o tempo que não partilho


João Tala

MARAVILHAS NATURAIS DE ANGOLA 3


Maiombe Forest, 7 Natural Wonders of Angola. Welcome to Angola!
9
Floresta do Mayombe
Província: Cabinda

Sassa Cave, 7 Natural Wonders of Angola. Welcome to Angola!

10
Grutas da Sassa
Província: Kwanza Sul


Nzenzo Caves, 7 Natural Wonders of Angola. Welcome to Angola!
11
Grutas do Nzenzo
Província: Uíge


Mussulo Island, 7 Natural Wonders of Angola. Welcome to Angola!
12
Ilha do Mussulo
Província: Luanda


Créditos: http://www.welcometoangola.co.ao/_angola_natural_7_wonders

UM HOMEM DO NAMIBE: PROF. DR. ADRIANO PARREIRA

Professor Dr. Adriano Parreira


Adriano Alfredo Teixeira Parreira, nasceu a 16 de Abril de 1952, em Angola, Namibe.
Obteve o grau de Fil. Lic. na Universidade de Uppsala, na Suécia. Foi investigador do LISH-CNRS, Paris, e do IICT, em Lisboa, tendo leccionado Antropologia, Sociologia e História de Angola na Universidade Nova de Lisboa.

Foi director da Revista de Informática para as Ciências do Homem, Full Bright e Visiting Fellow do Departamento de História da Universidade de Johns Hopkins, Baltimore, EUA. É autor de vasta bibliografia de Etnologia e História de Angola.

Participou em inúmeras conferências e apresentou diversas comunicações em Portugal e no estrangeiro. Foi embaixador de Angola junto às Nações Unidas e Organizações internacionais em Genebra. O Prof. Dr. Adriano Parreira é membro correspondente da Academia Portuguesa de História e de diversas Associações académicas nacionais e estrangeiras. Foi eleito em 16 de Janeiro de 2008, o primeiro académico africano membro da Academia Portuguesa de História (APH).

Em Setembro de 2007, como Presidente do PARTIDO ANGOLANO INDEPENDENTE, o Sr. Prof. Doutor Adriano Parreira solicitou ao Procurador Geral da República, para instaurar um inquérito criminal a fim de se apurar a veracidade das acusações feitas em Luanda dando conta da existência de dinheiro “remanescente” que o General Kopelika “depositou numa conta bancária em Hong Kong” e da tentativa de assassinato ao General Miala.


Publicou Dicionário Glossográfico e Toponímico da Documentação Portuguesa sobre Angola (1990); Economia e Sociedade em Angola: No Tempo da Rainha Jinga: Século XVII (1997); Breve Cronologia da História de Angola: 1489-1706 (2005); Dicionário de Etnologia Angolana (2013). 





25 de abril de 2014

NO TEMPORAL DA REVOLUÇÃO



No temporal da revolução
os baús de enxovais
preciosos
das raparigas casadoiras
naufragaram.
ainda hoje me consolo
com as leituras de marx.
e, no entanto,

perdi meu enxoval.



Maria Alexandre Dáskalos
Filha do poeta Alexandre Dáskalos e casada com o poeta Arlindo Babeitos.

MARAVILHAS NATURAIS DE ANGOLA 1

Bacia do Okavango, 7 Natural Wonders of Angola. Welcome to Angola!
1
Bacia do Cubango
Província: Cuando Cubango


Barra do Dande, 7 Natural Wonders of Angola. Welcome to Angola!
2
Barra do Dande
Província: Bengo

Binga Waterfalls in River Keve, 7 Natural Wonders of Angola. Welcome to Angola!
3
Cachoeira do Binga, rio Keve
Província: Kwanza Sul

Ruacaná Waterfalls, 7 Natural Wonders of Angola. Welcome to Angola!
4
Cataratas do Ruacaná
Província: Cunene


Créditos: http://www.welcometoangola.co.ao/_angola_natural_7_wonders 

24 de abril de 2014

A BELEZA DAS MULHERES OVAKUVALE E UM POEMA

Dedico esta postagem ao Fernado Ribeiro


Os ovakuvale são um subgrupo da etnia Herero, do qual compreendem, em Angola, os ovakuvale (mucubais ou kuvales), os ovahimba (himbas) e os ovadimba (dimbas). O seu idioma é o tchiherero, que é falado por todos eles com algumas variações. São povos semionómadas, agropastoris, mas esencialmente pastores, a agricultura é pouco praticada e, em alguns casos, muito precária. 
Na minha opinião, as mulheres ovakuvale, são de uma beleza arrebatadora. Seguem algumas fotos e um poema.



Foto: autor desconhecido.



Foto:  Luca Gargano




ADULTERANDO ÁLVARO DE CAMPOS

Uma mulher Mukubal e tão bela como a Vénus de Milo
o que há é pouca gente para dar por isso.
Depois de onze girassóis florindo Novembro
ainda há pouca gente para dar por isso
e uma mulher Mukubal é mais bela que a Vénus de Milo.

ÓOOO - ÓOOOOOO - ÓOOOOOOOOOOOOOOO

(o vento no deserto.)


Namibiano Ferreira
In Resist(ir) Assim - Poesia a Doze

Editorial Minerva



Foto: Luca Gargano 




Foto: Alfred Weidinger



NOTA:

1- O chapéu que estas senhoras ovakuvale, trazem à cabeça chama-se erembe.

2- Por vezes escrevo mucubal, usando o plural mucubais, isto é a designação portuguesa ou aportuguesada. Em tchiherero, a raiz do nome é -kuvale, no singular usa-se omukuvale (daí deu em português a palavra mucubal, sendo o plural ovakuvale. Segue-se a mesma regra para os himbas: omuhimba – ovahimba e para os dimbas: omudimba – ovadimba. Para quem não sabe, as línguas bantas fazem os plurais no início das palavras e dividem-se em classes nominais, com seus respectivos prefixos para singular e plural. Este sistema de prefixação também se aplica aos verbos, adjectivos, numerais e pronomes.

TRADIÇÃO E MODERNIDADE

A tradição não impede a tecnologia. Os Nyaneka-Humbi (muíla) e os Herero (Kuvale, Himba...), presevam as suas tradições mas não desdenham da modernidade...



Duas moças mumuílas numa rua do Lubango, Angola (Foto: Hill DO Foto Dadilson). 


Não é por causa de estarem isoladas do resto do mundo que algumas populações do sul de Angola mantêm um estilo de vida tradicional. É por opção. Se clicarmos nesta imagem para ampliá-la, poderemos ver claramente que esta senhora angolana de etnia Himba tem na sua mão direita um telemóvel (celular) (Foto: Selma Fernandes) 


Créditos:  A Matéria do Tempo http://amateriadotempo.blogspot.co.uk/ 

23 de abril de 2014

CONHEÇO CHUVAS DE NVULOMBERA

Rio Cuíto - Angola


Conheço chuvas de Nvulombera antigas como a aurora do Mundo!
Chuvas de velho e conhecido crepitar na força máscula do tantã
ngoma de sangue ressoando no suor da alma pela mata de minha
memória diluída em bátegas soltas, na aragem das nuvens, no país
de Xamavú - terra-vermelha - e eu mwangolé no sopro e no fragor
ácido desta diáspora assente nos poros deste cacimbo permanente...


Chuvas antigas latejando sangue nas veias que não esquecem
o chão quente do ventre da terra e na pele curtida dos tambores 
a dedilhar desejos e missangas verdes que vão ondulando chanas
na pérola dos bagos de água, chovendo na carícia melancólica
do vento livre do sertão, malembelembe-devagar e morrendo
rendas pardas de cacimbo mas renascendo renovo de chuvas
filhas neófitas das chuvas antigas como a aurora velha do Mundo.
Nvulombera assassinada a cada cacimbo mas a renascer ainda
na fala só de cantar tantã alucinado nas cordas dos meus sentidos,
a vibrar palpitando a taquicardia mística da vida do coração
muximangoma do batuque africano, kazumbi das chuvas antigas
a renovar profundos e novos desejos de futuros verdes de um sol
a baloiçar luzidio na prata Nvulombera dos lábios promessa da lavra.



Namibiano Ferreira

BANDA MARAVILHA



DIA INTERNACIONAL DO LIVRO

Hoje, 23 de Abril, é dia Internacional do Livro, escolho o livro LAVRA - Poesia Reunida 1970/2000 de Ruy Duarte de Carvalho, que estou presentemente a ler.


ISBN: 978-972-795-135-2 

SINAL


Naquele ano a chuva foi excessiva e cresceram tortulhos no olhos dos cães. Os vitelos, ao espreitar a luz pelos sexos das mães, afogavam-se em lama, no meio dos sambos. As paredes das casas diluíam-se em nata e os oleiros desistiram de encomendar a sua obra a Deus. Enormes cuidados foram inventados para proteger o fogo nos altares e as crianças adotaram a nudez. As termiteiras deixaram de existir e as formigas aladas perderam as asas. Os pés dos mais velhos fenderam-se em chagas e as mamas das virgens, mal eram tocadas, colavam-se aos dedos como cinza úmida. Os lábios dos sexos das mulheres paridas inchavam carnudos de uma carne branca e os ventres pendiam como fruta mole.
Naquele ano a chuva foi excessiva
e os horizontes deixaram de existir.
Choveu por muito tempo até os cães perderam todo o pêlo e as cabeleiras se destacarem como algas podres. O rei do Jau ficou colado ao trono e ao boi sagrado cresceram-lhe os olhos, que depois cegaram. As sementes grelaram nos celeiros e essa semente assim era servida aos homens e daí lhes ocorreu um tal vigor que os seus pênis cresceram desmedidos e os homens vacilaram, tendo-os nas mãos e mudos de fascínio.
A chuva choveu tanto que as serpentes saíram dos buracos e vieram alongar-se ao pé dos paus, mantendo com esforço as cabeças erguidas. Nas terrinas do leite vicejaram musgos e o leite das vacas alterou-se em soro,a coalhar na urina. Naquele ano a chuva choveu tanto que até nos areais cresceram talos e as enxurradas produziram peixe e até o ferro se lavou sozinho e os diamantes vieram rebolar nas pedras concavadas de moer farinha. As próprias aves morreram quase todas e apenas se salvaram as de penas brancas, que a distância atraiu, depois comeu.
E aquela chuva aproveitou aos fósseis e houve minerais que se animaram e até pedras comuns a transmudar-se em carne.
Naquele ano a chuva choveu tanto que a memória perdeu todo o sentido. As gargantas entupiram-se de limos e as testas que os velhos pousavam nas mãos fundiam-se aos dedos e os braços às pernas e os gestos de graça fundiam os corpos e as jovens crianças ficavam coladas ao peito das mães. Só as bocas teimavam em manter-se abertas e quando mais tarde a chuva parou, das bocas saíram grossas aves negras que abalaram logo daquelas paragens. E a seca voltou e o mundo secou. A carne antiga a dar-se agora em terra, os fósseis em pedra e as ramas em húmus. E os passos poliram pouco a pouco as formas.

Naquele ano a chuva choveu tanto
que a memória nunca mais teve sentido.


Ruy Duarte de Carvalho
In Lavra – Livro III – Exercícios de Crueldade (1975 – 1978)

22 de abril de 2014

NDAPANDULA - WALDEMAR BASTOS




ODE À GOIABA


Goiabas
surgindo como um rio amarelo
o perfume delas
rico de sínteses
das madrugadas encerradas
na penugem dos Katetes.


E o sol também
o sol camarada e operário
doirando a cabeça das árvores
quando os montes além
fecundam as ventanias
no sangue maternal das tardes.


Tudo isso é pouco p'ra caber numa goiaba.


Falta o sonho da palma
da mão
no começo da seca estação.



José Luís Mendonça

 in Chuva Novembrina 

CAROCHAS DO NAMIBE - TOMBUA (ANGOLA)

Medium
Foto: Paulo E. Cardoso (onymacris candidipennis)


Estas carochas são abundantes no deserto do Namibe, comem excrementos secos dos ruminantes e outros animais. Para beber água, quando o cacimbo sopra do mar, viram-se de patas para o ar e a seu tempo o cacimbo (nevoeiro carregado de vapor de água que sopra do mar, devido á corrente fria de Benguela) transforma-se, pela condensação, em água que lhes escorre para a boca. Só hoje, soube o seu nome científico, Onymacris candidipennis e Onymacris unguicularis.


Stock Photo #4201-17483, Darkling Beetle (Onymacris unguicularis) tips its head down to drink dew collected on its back, Namib Desert, Namibia
Foto: Minden Pictures / SuperStock (onymacris unguicularis)

19 de abril de 2014

MARIMBA

Grupo de marimbeiros. Foto net.

À memória do cego da Baixa

Dedicados a Óscar Ribas


Marimba tocada
por dedos tão dextros
marimba que vibra
que chora e não fala
que lembra o lamento
da hiena na selva
e o grito selvagem
do negro no quimbo.
marimba saudosa
nos dedos do cego
pedindo uma esmola,
de roupa estragada
já velho e sem dentes,
marimba do canto
da paz e da guerra
que lembra o passado
dos olhos a verem,
da mão que não treme
da fala serena...
marimba que recorda o passado
e vive o presente
deixa a saudade no tempo futuro!
e os dedos tão dextros
tão cheios de calos
nas mãos que a correm
marimba não fala
o homem não vê!
mas marimba recorda
os tempos passados...
os tempos passados...
marimba recorda
e o pobre ceguinho
tocando a marimba
chora com ela
e recorda também
o tempo passado...
chorando, também
eu tenho saudades
do pobre ceguinho
tocando a marimba
os olhos sem vida
a voz sem expressão...
recordo... recordo... e choro com ele
nas horas amargas
marimba não fala
mas faz recordar.


Ruy Burity da Silva

(Poema retirado do blogue: Angola: Os Poetas.)

17 de abril de 2014

FIRMAMENTO



Poema às 0 horas e 30 minutos de 1998:



FIRMAMENTO


Até este céu nocturno é de uma
tristeza sem par...


Nas noites mágicas do Sul, no céu,
tem meninas de fogo
dançando as estrelas mais formosas
 brincando no luando 
negro
veludo de carvão.


Namibiano Ferreira

16 de abril de 2014

ESTE CHOCALHAR DE PÉS







Este chocalhar revolto
em pés empoeirados
e cacimbados
no quente do asfalto
vem do longe dos musseques
e traz o som dos batuques.

Este chocalhar de pernas femininas
a lutar bagatelas
e gritarias
em pedaladas fugidias
vem do longe das sanzalas
e foge a dança das minas.

Vêm perdidas das matas
perdidas das kubatas
estas chocalhadas em chão quente
de sol arrogante
vêm corridas das lavras
e trazem a fome das terras.

Este arrastar de pés zungueiras
com falas de asneiras
em conversa matumba
vem do longe dos musseques
e dança a dança dos batuques
a resmungar o chão da Mutamba.

Este fedor forte
conhece os grãos da estrada
os grãos da caminhada
e vem d’alguma parte
escapulido das minas
vêm d’alguma parte estas chocalhadas femininas.

Esta catinga fedeu-se distante
fugidia deslocada
do kimbo aos gritos mãos na cabeça
desesperançada
sem graça
esta catinga fedeu-se em andanças galopantes.

Este chocalhar em pés encardidos
e rachados
este chocalhar revolto
em pés de zungueira no quente do asfalto
vem do longe dos musseques
e dança a dança dos batuques!

  
Décio Bettencourt Mateus.

in Gente de Mulher.


Luanda, 5 de Agosto 2006. 

15 de abril de 2014

E se África Recusasse o Desenvolvimento?

1990 : uma camaronesa chamada Axelle Kabou, publica um livro que vai ressoar como um trovão. Intitula-se:

“E se África Recusasse o Desenvolvimento?”



Axelle Kabou : «O sub-desenvolvimento de África não se deve à falta de capital. Seria ingenuidade acreditar nisso. Para compreender por que motivo este continente não parou de regredir, apesar das suas riquezas consideráveis, é preciso em primeiro lugar perguntarmo-nos como é que funcionam as coisas ao nível microeconómico mais elementar: na cabeça dos africanos.»

E se África recusasse o desenvolvimento?

Regresso a um livro maior que surgiu já há 23 anos… Nesse livro, Axelle Kabou estigmatiza as mentalidades africanas e acrescenta que, desde Levy Bruhl, criticar as mentalidades africanas se tornou tabu. (Lucien Levy Bruhl é um intelectual francês que explicava o atraso tecnológico dos não ocidentais pela sua mentalidade “pré-lógica”. A sua tese sobreviveu-lhe, embora a tenha renegado no fim da vida N.R.).

Axelle Kabou opõe-se a tudo o que se diz geralmente sobre o desenvolvimento de África e põe o dedo na ferida. Aponta o dedo às responsabilidades africanas e chega aperguntarse se “a vontade de desenvolvimento dos africanos não será um mito”. Dá como exemplo o projecto panafricano de Nkrumah, sabotado pelos próprios dirigentes africanos, preocupados em jogar as suas cartadas pessoais e em conservar os seus “territórios”.

Kabou cita Nkrumah : “Entrámos, diz ele, num mundo onde a Ciência transcendeu os limites do mundo material e onde a tecnologia invadiu até os silêncios da natureza. O tempo e o espaço foram reduzidos à categoria de abstracção sem importância. Máquinas gigantes traçam estradas, abrem as florestas à agricultura, escavam barragens, constroem aeródromos (…) o mundo já não avança ao ritmo dos camelos ou dos burros. Já não podemos permitir- nos abordar os nossos problemas de desenvolvimento,

de necessidade de segurança, ao ritmo lento dos camelos e dos burros!” Segundo Kabou, Nkrumah tem a audácia de reconhecer, tal como o colonizador, que a África está atrasada, e de o dizer sem contemplações. (p. 37) E é justamente isso que os africanos têm dificuldade em fazer…

Axelle Kabou continua: ao fim de 30 anos consagrados a destruir os preconceitos do colonizador, a África, por não ter feito senão isso, mumificou-se terrivelmente, e adquiriu tiques regressivos de que dificilmente se livrará.

À parte o debate superioridade/inferioridade do Branco em relação ao Negro, que há de novo? “O mundo inteiro reconheceu a vacuidade das teses que mostravam os africanos como seres primitivos, desde os anos 30, pelo menos. Podemos assim perguntar- nos se é verdade que em 1990 o africano alfabetizado continua a fundamentar as reacções ao desenvolvimento em conceitos racistas que datam da segunda metade do século XIX, de tal forma isso nos parece inverosímil.

Ora, longe de se tratar de um falso debate, o problema da superioridade ontological do Branco sobre o Negro manteve-se incomparavelmente actual na África Negra.

A recusa do desenvolvimento, presente nas mentes africanas, continua a manifestar-se através do que a autora designa por “uma ideologia parasitária”. E dá como exemplo: ”Sou Negro. O Negro não inventou o computador. Logo, o computador é anti-africano.” Ou ainda: “A técnica degrada a vida familiar e as relações humanas. Os próprios Ocidentais o afirmam. Portanto, a África deve rejeitar a técnica.” (p. 93)

Segundo Axelle Kabou, os africanos alfabetizados foram moldados para “perceber a tradição e a modernidade como valores conflituais”. “Aplicada à África de hoje, a noção de alienação cultural é um mito que tem por função instaurar um clima de resistência à penetração de ideias novas nas mentalidades”. (p. 94). E ainda, para Axelle Kabou, os africanos não estão preparados para revivificar os seus valores civilizacionais por meio de contributos externos ou da investigação científica:

“A verdade é que os africanos não foram preparados para tal, pelo contrário”. “A imagem de um Japão a desenvolver-se por infiltração, absorvendo febrilmente todos os elementos exógenos susceptíveis de o guindarem ao nível de potência mundial, investindo tanto como as potências industriais na pesquisa científica, não se aplica ao actual estado psicológico de África. A África odeia os investigadores

(…) Ora, em trinta anos de independência, a África ainda não procedeu ao inventário dos seus valores tradicionais objectivamente dinâmicos, que poderiam, não apenas constituir alicerces sólidos de políticas de desenvolvimento coerentes, mas também servir para minimizar os efeitos perversos da dominação exterior”.

Outro ponto destacado por Kabou: a visão que os africanos têm da colonização e do tráfico negreiro. “A leitura africana do tráfico negreiro e do colonialismo é de um simplismo assombroso: estava eu tranquilamente em minha casa, quando vi chegar um homem de cor branca que me pediu hospitalidade e se aproveitou da minha gentileza para me espoliar dos meus bens, matar os meus e reduzi-los à servidão. Por conseguinte, apresento queixa e exijo reparação”. (p. 105)

Axelle Kabou lembra, sem contemplações, que “todos os povos são, em primeira e em última análise, responsáveis pela sua história na íntegra, sem exclusão”. Mais adiante: “a questão não será, antes, a de saber o que, para além da moral, poderia obrigar um Ocidente poderoso a pagar dívidas coloniais e, sobretudo, a colocar os interesses de África antes dos seus”. (p. 114)

Kabou argumenta dizendo que os africanos colocam, de facto, as perguntas erradas, do género “a colonização foi uma coisa boa ou má?”.

Segundo a autora, não é aí que reside o essencial do debate. Em sua opinião, é preciso tomar boa nota da colonização e seguir adiante.

Comparando África e o Japão, ela sublinha que o Japão soube preservar a sua cultura e simultaneamente seguir a via da industrialização, embora não possuindo riquezas no subsolo, contrariamente aos países africanos.

“Desde que o relativismo cultural foi inventado” (quer dizer, desde que é admitido, grosso modo, que todas as culturas são equivalentes), os africanos têm aproveitado para denegrir “a robotização, a mecanização, a industrialização a todo o custo, de que os países ricos seriam vítimas”. Kabou sublinha, no entanto, que essa industrialização é fonte de riqueza, e que os africanos fariam melhor em arregaçar as mangas e lançarem-se na mesma via, em vez de cair na armadilha do relativismo cultural. Em resumo, os africanos deveriam pôr os olhos na Ásia.

Quando foi lançado, o livro causou muita irritação nos círculos intelectuais africanos. A autora foi taxada de “traidora” de África ou de “voz dos seus patrões brancos”. Contudo, somos forçados a notar que o livro continua surpreendentemente actual, apesar de ter sido publicado há 15 anos. Muitos dos pontos levantados por Axelle Kabou são ainda hoje válidos…

 AS CITAÇÕES DE AXELLE KABOU…

«Todos os povos são responsáveis pela sua história na íntegra, sem exclusão.» «É como se o africano de hoje em dia apenas concebesse antepassados da envergadura de Soundiata, de Samory ou de Chaka. A aldeia real parece deixá-lo pouco à vontade, por lhe faltar brilho.»

«Assim, a criança africana, que, antes da escolarização, faz prova de grande curiosidade e demonstra notáveis capacidades de observação e de invenção ao fabricar os seus próprios brinquedos, torna-se, desde os primeiros dias de escola, uma espécie de vitelinho alimentado pelo leite do tráfico negreiro e da resistência à colonização e, à medida que cresce, não vai além disso.»

«A África continua a comportar-se como se todos os seus valores fossem dignos de ser preservados.»

«A África, ao contrário do Japão, situa as suas referências narcísicas num tempo tão longínquo que não pode transformar o seu orgulho cultural em motor do desenvolvimento.»


in ‘AFRICULTURES, nº 8 (CULTURA-Jornal angolano de Artes & Letras)