Segundo o compêndio História de Angola, publicado em Argel no ano de 1965, pelo CEA – Centro de Estudos Angolanos, do MPLA, o povo Helelo, Herero ou Ovahelelo, saiu dos Grandes Lagos, por volta do Séc. XVI e veio para terras angolanas. Entraram pelo extremo Leste de Angola, atravessaram o planalto do Bié e foram instalar-se entre o deserto do Namibe e a Serra da Chela.
Quem são estes Ovahelelos ou Hereros? São um povo de língua e costumes bantus, são pastores onde o gado tem uma expressão não só no seu modo de vida mas em toda a sua cultura. Na província do Namibe, em Angola, eles dividem-se nos seguintes subgrupos: Ovakuvale (ou Mucubais, Kuvale, Cuvales ou Mukubais), é o grupo mais numeroso; Ovahimba (Himbas) e Ovadimba (Dimbas). O seu idioma é o Tchiherero ou Tchihelelo. Os Helelos estendem-se pela Namíbia onde são mais numerosos do que em Angola.
Sendo um povo de pastores e vivendo eles num deserto onde raramente chove a sua pastorícia tem de ser de transumância e o nomadismo é forma corrente nestes povos que não conhecem nem reconhecem fronteiras e estados.
A tecnologia europeia não afectou o seu modo de vida tradicional mas o mesmo não se pode dizer do colonialismo europeu em terras de África. Souberam resistir-lhe mas pagaram caro essa resistência.
Homens Mukubais (foto Alex. Correia)
É lendária a sua oposição ao colonialismo, foram quase dizimados em 1941 mas resistiram e logo que puderam voltaram ao seu modo de vida tradicional, os bois, os sambos* e as ongandas**. A sua liberdade e o seu modo de vida dependem do sucesso das suas manadas. Neste tempo de globalização os Ovakuvale, ou melhor, os Ovahelelo de Angola, continuam resistindo a outras formas de vida.
Vocês já os conhecem deste blogue e da minha poesia, permanentemente invocados como forças de liberdade, resistência e chama de inspiração. Estes meus conterrâneos do Namibe, são um povo nobre e orgulhoso que aprendi não só a amar mas a respeitar. São um povo de esbeltas mulheres e de homens fortes e de costas bem direitas. Não há obesidade, magros mas naturalmente musculados.
Jovens raparigas mukubais, o "chapéu" que trazem na cabeca, protege-as do Sol abrasador do deserto, chama-se "erembe".
Homem mukubal (foto Hunakulu)
Mukubal na imensidao do deserto (foto Hunakulu).
A GUERRA DOS MUKUBAIS (1940-41)
O povo Ovahelelo, foi bastante perseguido e dizimado pelos alemães na sua colónia do Sudoeste Africano (actual Namíbia) mas não menos pelos portugueses no Sul de Angola. O texto que se segue, em itálico, vem referido no livro “Rumo ao Cunene” de onde passo a transcrever o texto sobre a Guerra dos Mucubais (1940-41):
Trata-se de um episódio raramente referido pela administração colonial portuguesa. Henri Pélissier diz mesmo que não foi objecto de qualquer relatório publicado pela imprensa oficial ou privada.
Partindo de um conflito (uma maka) relativa a um episódio de roubo de gado envolvendo cuvales, muílas e um comerciante português que degenerou em violência, foi desencadeada uma gigantesca operação de repressão do povo cuvale.
Este povo vive para o seu gado e a operação visou fundamentalemente separá-lo dos seus rebanhos, sendo grande parte dos reclusos (3.529 prisioneiros..., com um número de mortos desconhecido) encerrados em clolónias ou deportados para S. Tomé, durante alguns anos. O gado dos cuvales foi roubado ou leiloado a baixo preço (foi confiscado 90% do efectivo pecuário cuvale).
Os cuvales seriam nessa altura menos de 5.000, e as operações envolveram mais de um milhar de soldados e dois pequenos aviões que serviam para acções de reconhecimento e para perseguir cuvales isolados.
A proletarização dos cuvales não durou muito. Em menos de 20 anos, à força da aceitação de trabalhos que não estavam nas suas tradições, os cuvales reconquistaram os seus rebanhos e reganharam uma parte da arrogância passada. Demonstraram a vitalidade herdada dos seus antepassados, que há mais de um milénio partiram das terras do Norte.
É gente que não tem chefe político, nem soba, e que vive – repetimo-lo – para o seu gado. (...)
Em 1975, interpretando o conflito sul-africano como uma guerra de brancos contra negros, aderiram maciçamente ao MPLA e desenvolveram na retaguarda das forças sul-africanas uma muito eficaz guerra de guerrilhas. Farrusco, um operário português da Fábrica de Cervejas Ngola, no Lubango, ex-comando do exército português, foi aceite pelos cuvales e juntos conduziram acções contra os “karkamanos” (designação dada aos sul-africanos).
Não vou tecer comentários pessoais sobre este texto e às atrocidades aqui relatadas. Como podem verificar tratou-se de um genocídio e se não foi conseguido completamente deve-se à capacidade de sobrevivência do povo Ovakuvale.
Namibiano Ferreira
* local onde se guarda o gado.
** aldeia, local não permanente de habitação, devido à transumância.