Cantora Tchinina marca uma
época
Altiva e irreverente, Tchinina teve o mérito de romper com o preconceito de
mulher cantora, arraigado na época colonial, fazendo ouvir a melodia da sua voz
de norte ao sul de Angola, em umbundo, destacando-se num universo feminino
dominado pela música da capital, interpretada em quimbundo.
Quando saiu pela primeira vez da sua terra natal, em 1952, com apenas dois
anos de idade, Tchinina foi para o Lobito, onde viveu em casa de um tio, José
Mangenge, irmão do pai. Depois, em 1958 entrou para o internato da Missão
católica da Babaera, adstrita ao município da Bela Vista, hoje Catchiungo, a
cerca de 62 quilómetros a leste da cidade do Huambo, município onde aprendeu a
tradição do cancioneiro local, e frequentou o Colégio da Nossa Senhora do
Carmo, até ao quarto ano do ensino liceal.
Filha de Pereira Chipenda Manjenje e de Rosária Simbaluca, separados quando
a cantora tinha apenas dois anos de idade, Teresa da Cruz Manjenje, Tchinina,
nasceu no Huambo, Município do Ucuma, situado a 92 quilómetros da capital
provincial, a 19 de Setembro de 1950. Em consequência da separação dos pais,
teve uma infância atribulada e difícil, tendo sido obrigada a ser criada por um
segundo tio, Padre Jorge Mangenge, e viveu depois no internato das madres do
Bairro Canhe, desta vez mais próximo da cidade do Huambo.
Em 1970, rompeu voluntariamente com um casamento precoce e efémero,
engravida aos 15 anos de idade, e decide fugir do Huambo para Malange, onde se
junta ao conjunto Ndimba Ngola que, na altura, estava em digressão prolongada,
num espectáculo realizado no Atlético Clube de Malange.
Aí, começa a primeira grande aventura musical de Tchinina, que interpreta a
canção, “Mulata é a noite”, música de Conchinha de Mascarenhas, sobre um poema
de Adelino Tavares da Silva, uma forma de teste, solicitado por Dominguinhos,
do conjunto Ndimba Ngola: “Como eu/ a noite nasceu mulata/na escuridão da
cubata/ é pecado do subúrbio/ Mulata / é distúrbio no musseque /e a lua é pé de
moleque/ que adoça a provocação/ A noite /é como pano de chita/ que foi esteira
de rebita/ deixou missanga no chão/ Como eu/ a noite é bronze maciço/ liga de
prata e feitiço/ gosto de açúcar/ mascavo/ A noite/ é um travo de maboque/e a
mulata é um/retoque/na polpa da natureza/Mulata/ é estrela de bairro pobre/ é
barro que imita o cobre/ torneado de surpresa.”
Ante a surpresa de todos, Tchinina encantou quem a ouviu, com uma belíssima
interpretação de “Mulata é a noite”, tendo sido convidada, logo depois, para
acompanhar a digressão do Ndimba Ngola, que durou quatro meses, desta vez para
Saurimo, Lunda-Sul, Cuango, Cafunfo, Cangula, Camaxilo, Marco 27, Moxico,
Camacupa, Bié, Huambo, Gabela e Dondo. Depois da digressão, Tchinina parte do
Dondo para Luanda, em 1972, e conhece, através do cantor e compositor
Dominguinhos, dos Ndimba Ngola, o empresário Luís Montez, promotor dos
“kutonocas”, espectáculos itinerantes de rua realizados nos bairros periféricos
de Luanda.
No auge do sucesso das canções: “O amor é como as rosas”, e “Utima ua teka
teka”, temas do seu primeiro single, gravado em 1973, multiplicam-se os
convites para cantar. É assim que passa pelo Maxinde, Marítimo da Ilha,
Kudissanga kuá makamba, Salão do Braguês, Giro-giro, Festas da Feira Popular,
Chá das Seis, no Cinema Restauração, e Mandarim, na Ilha de Luanda, onde
dividiu o palco com Milá Melo, Teta Lando, Mário Gama, Quarteto 1111, do cantor
português José Cid, Lourdes Van-Dúnem, Belita Palma, Elias diá Kimuezo, António
Paulino, David Zé, Urbano de Castro, Artur Nunes, Cirineu Bastos, Zé Viola e
Sofia Rosa.
Canções
Em 1973 e 1974, Tchinina cantou, enquanto compositora, a desilusão amorosa
em “O amor é como as rosas”, “Otchiliochlili”, e “Utima ua teka teka” (coração
partido). Sofrida, falou das ocorrências e desencantos da vida em “Lamento”,
“Alundu” e “Teia teia”, das crenças e do poder das tradições em “Somaiangue” e
“Ngangaté”, da nostalgia em “Saudades de mãe”, e da intervenção política em
“Maia Ngola”. Ao longo da sua carreira, Tchinina gravou pela Valentim de
Carvalho e Fadiang, e foi acompanhada pelos conjuntos África Ritmos, África Show,
Gingas, Cabinda Ritmos e Bongos do Lobito, e a banda Black Power, com a qual
gravou, em Portugal, o LP “Folclore Angola, afro folk beat África”.
Um disco com 12 faixas representativas da carreira de Tchinina, “Mana”,
“Tukina”, “Yolela”, “Saudades de mãe”, “Uteque”, “Okufá”, “Somaiangue”,
“Cassinha”, “Mucanda”, “Ekumbi”, “Taté”, “Hossi” e “Quidalé” fazem parte da
colectânea “Angola anos d’ouro”, da série reviver.
Portugal
Com o encerramento das principais gravadoras em Angola, no período da
independência, e com a intenção de prosseguir a sua carreira musical, Tchinina
foi ainda secretária de Relações Públicas do Governo de transição, e parte para
Portugal no dia 28 de Março de 1976, onde viveu 34 anos. Em Portugal enfrentou
outros desafios, viveu na Covilhã, Lisboa, Setúbal, Portimão, Vila Nova de Mil
Fontes e Águeda. Ainda em Portugal, de 1977 a 1979, foi acompanhada pela banda
África Star, formação de músicos provenientes do Lubango, constituída por
Victor (bateria), Octávio (saxofone), José Maria (viola ritmo), e João de
Almeida (viola baixo).
Homenagem
Tchinina foi homenageada no dia 29 de Julho de 2013, no auditório da
Direcção Provincial da Cultura do Huambo, pelo reconhecimento do conjunto da
sua obra e pelos esforços de internacionalização da música angolana em
Portugal, nos primeiros anos depois da independência de Angola.
Participaram na homenagem o poeta Chico Pobre, as cantoras Edna Mateia e
Lili de Vasconcelos, os grupos de teatro Morro do Moco e Vozes d’África, o
grupo de música gospel Raiar da Luz e o cantor Skil One.
Tchinina está incluída no CD “Vozes do Planalto, relíquias do passado”, a
sair brevemente, com as canções, “Utima ua teka, teka” e “Quidalé”, colectânea
onde figuram os cantores Bessa Teixeira, Justino Huandanga, Zé Cathiungo, e
João Afonso.
Jornal de Angola, 4 de novembro de 2013