9 de maio de 2017

PÁSSAROS DE ASAS ABERTAS


“A língua portuguesa é um pássaro de asas abertas”


Em edição organizada por Margarida Gil dos Reis e António Quino, esta seleção reúne trinta e seis dos autores mais expressivos da literatura angolana, apresentando histórias do nosso tempo, histórias que se centram nas relações humanas e familiares, que desnudam conflitos sociais e mergulham no interior do ser humano, mas sobretudo recriando estórias a partir da tradição africana, dando especial relevo ao que se convencionou chamar de oratura, como fonte inesgotável de inspiração. Marcadas por uma grande diversidade temática e estilística, a maior parte destes contos baseia-se em conhecidas lendas e outras narrativas fantásticas, onde o sobrenatural convive naturalmente com muita imaginação e invenção, próprias de um povo que se refugiou em narrativas mirabolantes aproximando o maravilhoso e o insólito, como forma de dar uma tessitura peculiar à sua mensagem, de uma maneira muito próxima do realismo fantástico que caracterizou durante as últimas décadas a literatura latino-americana. Dando especial relevo à feitiçaria e bruxaria, de uma forma que pode levar a algumas confusões, pois brincar com coisas sérias pode levar a resultados perigosos, sobretudo quando o público-alvo é pouco informado, uma grande parte dos autores vai na onda do bonito e aparentemente poético, aproveitando uma moda que em breve ficará ultrapassada pelo seu abuso, esquecendo talvez a primeira e fundamental missão do intelectual, que é ser autêntico e realista, havendo que ter muito cuidado com a forma como a linguagem alegórica é apresentada. Uma das personagens recorrentes, por ser transversal em várias etnias angolanas é a Kianda, singular de Ianda, sereia em Kimbundu, conhecida também como Deusa das Águas, uma personagem muito amada e tradicionalmente venerada através de oferendas. Pepetela, um dos expoentes máximos da literatura em Angola, tem inclusive um livro intitulado O Silêncio da Kianda. Cada meio aquático tem uma sereia, isto é, cada rio, cada lagoa, cada charco tem a sua Kianda que toma o nome do rio, lago ou cacimba. De certa forma, ela é a encarnação do próprio meio aquático. Literariamente, esta utilização da oralidade através de uma estilística cuja escrita incorpora os fenómenos socioculturais, sendo um produto válido e pertinente para conhecer efetivamente um contexto político e sociocultural de uma terra, é, de vários modos, plausível e aconselhável, mas há que perspetivar que a literatura deve ser sempre ampliada e combinada com a vida, tornando cada narrativa um observatório privilegiado de leituras de cenários históricos e socioculturais de um povo, tornando assim cada obra viçosa e profunda. Além da mãe,
A memória do conto popular africano e as heranças da oralidade nos mecanismos de manutenção, preservação e transmissão do conhecimento, dos costumes, das questões éticas e estéticas coletivas; a tradição cultural dinâmica e o importante papel da memória como repositório e veículo da cultura, na sua função de comunicação e continuidade na sociedade angolana perpassam acentuadamente na antologia de contos angolanos, Pássaros de Asas Abertas, editada recentemente em Lisboa. Marcadas por uma grande diversidade temática e estilística, a maior parte destes contos baseia-se em conhecidas lendas e outras narrativas fantásticas

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