POETA NATURAL DE TOMBUA, PROVÍNCIA DO NAMIBE, SUDOESTE DE ANGOLA.
16 de dezembro de 2013
12 de dezembro de 2013
Soweto, Mandela e uma Lição para Angola
Durante a minha
adolescência, as imagens da repressão policial contra manifestantes negros, no
Soweto, na África do Sul, tinham um profundo impacto sobre mim. Cogitava sempre
sobre como aquela população, indefesa, continuava a enfrentar – com danças, marchas
e cânticos – o ódio mortal dos racistas do apartheid.
Essas imagens
justapunham-se às de Nelson Mandela, o símbolo maior da resistência que o
regime do apartheid mantinha encarcerado na prisão de máxima segurança de
Robben Island.
Havia ainda uma
terceira imagem, mais aterradora: a guerra em Angola. O exército sul-africano
era uma força invasora no país e apoiava a guerrilha da UNITA. O governo de
Angola, com o essencial engajamento das Forças Armadas Revolucionárias de Cuba,
afirmava-se na linha de fogo contra o apartheid. Era o tempo da guerra fria, de
alianças complexas, da divisão mortal dos angolanos. Para um adolescente, a
questão era mais simples. Era a perspectiva do serviço militar obrigatório e a
participação directa na luta, de armas na mão.
No funeral do
Manuel Hilberto Ganga, o activista político assassinado pela guarda
presidencial de José Eduardo dos Santos, a 22 de Novembro deste ano, vi um
momento de Soweto. Às duas primeiras granadas de gás lacrimogêneo lançadas pela
Polícia de Intervenção Rápida (PIR) contra a procissão fúnebre, realizada a pé,
houve pânico e dispersão. À terceira granada, a maioria tinha regressado para
junto da viatura que transportava o morto e da família que havia permanecido
ali, resistente. Por muitos anos guardarei a fotografia do motorista do carro
funerário, firme ao volante, protegendo-se dos efeitos da intoxicação, tapando
o nariz e a boca com um lenço branco.
O funeral de
Manuel Ganga passou a ser a expressão máxima da segregação política, económica
e social que cada vez mais divide os angolanos. Nesse contexto, a oposição
política serve apenas para legitimar o certificado de democracia, que o regime
adquiriu na escola das democracias de fachada. A oposição serve apenas para
enfeitar o parlamento. Nesse contexto, o povo angolano é apenas aquele que,
mesmo esfomeado e espoliado, vai aos comícios do MPLA, onde desfilam orgulhosos
alguns dos maiores ladrões em África e, actualmente, dos mais sofisticados
opressores no continente. O povo angolano são apenas aqueles grupos que apoiam
e votam no MPLA. Os outros são estranhos, excluídos, quando não são perigosos e
alvos a abater, como Manuel Ganga, pela ousadia de colar uns cartazes a exigir
justiça!
Dias antes do
funeral, de visita à África do Sul, fui ao Soweto e revisitei as minhas imagens
da adolescência, através dos memoriais, sobretudo o de Hector Peterson. A 16 de
Junho de 1976, a polícia do apartheid abriu fogo contra centenas de estudantes
que protestavam. Há uma foto de um adolescente a levar o corpo de Hector, de 13
anos, nos seus braços, e a irmã deste atrás. A polícia matou-o a tiro.
No funeral de
Manuel Ganga vi, naquele momento, um ajuntamento de pessoas dispostas a
resistir e, com os mesmos olhos, vi uma Polícia de Intervenção Rápida disposta
a matar cidadãos indefesos que, pacificamente, entoavam cânticos de protesto
contra o presidente, o responsável moral pela morte de Ganga.
Depois de tudo o
que os angolanos passaram, incluindo a sua participação sangrenta na luta
contra o apartheid, e a trajectória actual da África do Sul, pensei como a
opressão continua a dominar a relação entre o governo e o povo angolano.
No memorial
dedicado a Hector Peterson, no Soweto, inaugurado por Nelson Mandela, há uma
inscrição “em memória de Hector Peterson e todos os outros jovens heróis e
heroínas da nossa luta, que deram as suas vidas pela paz, liberdade e
democracia”.
Na sua mensagem
de condolências pela morte de Mandela, o presidente José Eduardo dos Santos
descreveu-como como aquele que “foi e é ainda símbolo carismático de todos os
povos amantes da Paz, da Liberdade e da Democracia”.
Num momento em
que o mundo inteiro presta homenagem a Nelson Mandela, e celebra a sua vida e
obra, devemos aproveitar o momento para reflectir sobre o legado deste ícone da
humanidade.
Pude entender as
inscrições, no memorial de Hector Peterson, sobre a paz, a liberdade e a
democracia, na África do Sul. O povo negro sul-africano sempre manifestou um
grande sentido de esperança e, independente dos movimentos de libertação,
sempre se manifestou nas ruas para transformar essa esperança em realidade.
Mandela, com os
seus actos de resistência, antes e durante a sua detenção, foi o símbolo maior
da esperança dos sul-africanos pela liberdade. Com a sua libertação, Mandela
serviu como o maior catalisador para o perdão, a unidade, a reconciliação, a
humildade política, a democracia e a liberdade. Acima de tudo, Mandela
empoderou o seu povo com ideais e valores políticos e morais que sobreviverão
aos tempos e aos políticos predadores.
Os angolanos
nunca tiveram esse grande sentido de esperança, para além da sua militância em
torno dos movimentos de libertação que, por sua vez, eram monolíticos e
exclusivistas. O regime do MPLA mantém, em 38 anos de poder, essa cultura
monolítica e de exclusão. José Eduardo dos Santos, nos seus 34 anos como
presidente, apenas exigiu e sacrificou o povo. Despojou-o do poder da
cidadania, de valores políticos e morais, e corrompeu profundamente a
sociedade. Hoje, o angolano não consegue contemplar uma vida melhor sem ser
corrupto. Dos Santos tornou-se o símbolo maior, o exemplo a seguir nos caminhos
obscuros e destrutivos da corrupção e da violência política. Os políticos e
intelectuais que o seguem são formatados, unidimensionais, desligados da
realidade do povo, resignados e contentes por estarem do lado do opressor e das
riquezas. Pior ainda é a promoção e a celebração da mediocridade, como métodos
populistas de mostrar à população que não precisam de boa educação e de
valores. Qualquer um pode ser dirigente, rico e poderoso como Bento Kangamba e
Bento Bento, figuras extraordinárias do MPLA de hoje. É assim que se aniquila a
inteligência de todo um povo, o crime maior da actual liderança angolana, que
continua o seu trabalho de inferiorização do povo, a mesma estratégia usada
pelos então colonialistas portugueses. Hoje, os discursos nacionais cingem-se a
números, estatísticas e edifícios. A insensibilidade dos dirigentes há muito
que os cegou na sua visão sobre o que é liderar e educar um povo. Por isso
temem o povo e julgam poder controlá-lo apenas através da divisão e da
violência.
Por isso, as
palavras de paz, liberdade e democracia, no tributo de Dos Santos, não
reflectem o seu comportamento ou os valores em que acredita. São apenas
palavras diplomáticas.
Na África do Sul,
a esperança tem estado a dar lugar a uma crescente frustração por causa do
aumento das injustiças económicas e do distanciamento da elite negra governante
do povo em geral. Infelizmente, muitos políticos sul-africanos seguem agora os
exemplos das lideranças corruptas africanas. Hoje, na cerimónia fúnebre de
Mandela, os milhares de cidadãos presentes ovacionaram, com grande emoção,
vários líderes mundiais, mas vaiaram o seu próprio presidente. Todavia, os
profundos alicerces da paz, da liberdade e da democracia garantem aos sectores
descontentes da população a tradição e o direito de se exprimirem e de
continuarem a manifestar-se sem medo.
Em Angola, os
excluídos e os descontentes, que são a maioria, carecem de sentido de esperança
e solidariedade colectiva. Remetem-se à sobrevivência individual, à margem da
sociedade, perpetuando os ciclos da exclusão, do medo e da corrupção. Acima de
tudo é uma questão de liderança.
Mandela foi uma
inspiração para a bondade entre os homens. Como bem disse Barack Obama, “nós
perdemos um dos mais influentes, corajosos e profundamente bondosos seres
humanos”.
Angola, no seu
espectro social e político, é um deserto no que toca a homens corajosos e
bondosos, capazes de corporizarem o sofrimento da maioria dos angolanos e
mostrar-lhes outros caminhos que não os da corrupção e das políticas de
exclusão e do medo.
Todavia,
situações extremas como a de Angola e a do povo angolano tendem a produzir
também soluções extremas e inesperadas.
Que a vida de
Nelson Mandela seja um apelo aos homens e mulheres, em Angola –
tocados pelos
espíritos da bondade e da coragem – para que se levantem na defesa de uma
Angola onde os cidadãos sejam humanizados e educados para o bem comum. Só assim
os conceitos de paz, liberdade e democracia terão significado real e prático na
vida de todos os angolanos e Nelson Mandela viverá entre nós, feliz.
By Rafael Marques
de Morais - December 10, 2013
Retirado de Maka Angola, com a devida permissao dos responsáveis do site.
11 de dezembro de 2013
TUNDAVALA
Tundavala - Angola
Tundavala
é a vagina da Huíla
fértil
que o Namibe fálico fecunda
ejaculando
ventos, cacimbos e tempos.
Namibiano Ferreira
6 de dezembro de 2013
O LEÃO DORME – NELSON MANDELA FALECEU
Canção Zulu, da África do Sul, "Mbube" (Leão), em inglês tem o nome "The Lion Sleeps Tonight" mas é mais do que isso, é uma profunda espiritualidade que só se encontra em África.
Hoje, o Leão partiu, o Leão Dorme esta Noite, foi para Casa, ele voltará!!
Voltará para de novo lutar pela Liberdade onde ela estiver amordaçada.
Hoje, nos céus, riscaram os Deuses
a Constelação nova
a Constelação Mandela
a única que viaja no céu dos Hemisférios…
Namibiano Ferreira
Viva Nelson Mandela, O Madiba!
(1918 - 2013)
RIP!
Amandla
Ngawethu!
O homem que tira a liberdade de outro homem, é um prisioneiro do ódio, está aprisionado atrás das barras do preconceito e da estreiteza de espírito. Não sou completamente livre se tirar a liberdade de outrém e, concerteza, também não sou livre quando a minha liberdade me é retirada. Tanto o oprimido quanto o opressor são roubados da sua humanidade... Para ser livre não basta apenas tirar as correntes de alguém, mas viver de forma que se respeite e melhore a liberdade dos outros.
NELSON MANDELA
4 de dezembro de 2013
SALFABETIZANDO
Foto: Kindala Manuel
Sentado no chão
rabiscando no pó
um grupo
escutando
sentado no chão
um grupo
escutando
rabiscando
com o dedo
com um pau
sem papel, e sem
lápis
um grupo
salfabetizando
Carlos Pimentel
(Nasceu no Namibe
em 1944)
2 de dezembro de 2013
O QUE É A POESIA?
O que é a poesia?
A poesia é um espanto!
Ouço o vento, esse mesmo vento que assobia no deserto e não sabe o que nos
pede.
Perguntas-me o que é a poesia, esperas ávido a resposta e, como o vento no
deserto, eu também assobio e não sei o que me pedes, perguntando. Ao fim de
todo este tempo eu ainda não sei que mistério é este que se entranha, como o
vento, invisível pelos sulcos de todas as coisas, de todos os sentimentos, de
todas as palavras. É a poesia este mistério profundo como a aurora do mundo. Está
em todo o lado como se fosse uma centelha que um deus soprou e é dado ao homem
captar, não na totalidade, mas em pequenas e misteriosas gotas que, do
invisível ou do Logos, constrói o poeta, o poema que lhe acontece, num
acontecimento também ele carregado de vetusto mistério, como se fosse uma casa
erguida com tijolos de palavras, símbolos, metáforas e todas essoutras
particularidades que conhecemos com a designação de poesia.
Mas saber, saber de concreto, de forma visível o que é a poesia, este
mistério semi-revelado á nossa humana condição, eu não sei, eu ainda não sei o
que é a poesia. E também não sei completamente como ela acontece, embora tenha
uma certa fórmula que encontrei igual ou parecida à minha, nas palavras de um
outro poeta, muito parecidas àquilo que se passa comigo quando a poesia me
acontece. São as palavras de Sophia na sua Arte Poética IV:
“o poeta é um escutador. É difícil
descrever o fazer de um poema. Há sempre uma parte que não consigo distinguir,
uma parte que se passa na zona onde eu não vejo.
Sei que o poema aparece, emerge
e é escutado num equilíbrio especial da atenção, numa tensão especial da
concentração. O meu esforço é para conseguir ouvir o «poema todo» e não apenas
um fragmento. Para ouvir o «poema todo» é necessário que a atenção não se
quebre ou atenue e que eu própria não intervenha. É preciso que eu deixe o
poema dizer-se. Sei que quando o poema se quebra, como um fio no ar, o meu
trabalho, a minha aplicação não conseguem continuá-lo.
Como, onde e por quem é feito
esse poema que acontece, que aparece como já feito? A esse «como, onde e quem»
os antigos chamavam Musa. É possível dar-lhe outros nomes e alguns lhe chamarão
o subconsciente, um subconsciente acumulado, enrolado sobre si próprio como um
filme que de repente, movido por qualquer estimulo, se projecta na consciência
como num écran. Por mim, é-me difícil nomear aquilo que não distingo bem. É-me
difícil, talvez impossível, distinguir se o poema é feito por mim, em zonas
sonâmbulas de mim, ou se é feito em mim por aquilo que em mim se inscreve. Mas
sei que o nascer do poema só é possível a partir daquela forma de ser, estar e
viver que me torna sensível — como a película de um filme — ao ser e ao
aparecer das coisas. E a partir de uma obstinada paixão por esse ser e esse
aparecer.
Deixar que o poema se diga por
si, sem intervenção minha (ou sem intervenção que eu veja), como quem segue um
ditado (que ora é mais nitido, ora mais confuso), é a minha maneira de
escrever.”
E quantas, quantas vezes o poema chega aos meus sentidos como uma
comunicação sensorial através de um odor, de uma memória, de um som, de uma
lembrança, de uma palavra, de qualquer outra actividade, tão simples como
comer, ler, sorrir, ou um sentimento que
pode ir do amor á indignação, ira ou mesmo revolta. Uma vez que esse misterioso
algo se instala, numa parte de mim (que não sei onde é), de imediato se inicia
um processo do fazer acontecer o poema e neste quase transe, o silêncio e a
concentração são fundamentais, tal como Sophia esse fio, essa misteriosa
sintonia não pode ser quebrada e tem de ser logo imediatamente registada, caso
haja uma quebra na sintonia, o poema nunca mais acontece ou fica mutilado, por
vezes, mais tarde é possível recuperá-lo, mas nunca é mais aquele poema de um
dado e particular momento. Não é um poema acontecido mas um poema escrito, forçado (por vezes também sei fazer desses poemas). Quando um poema me acontece, posso vos dizer que me sinto um outro, eu mesmo
diria que me sinto uma espécie de cavalo-de-santo, há o trespasse em mim de uma
certa aura de mediúnica revelação, às vezes um êxtase ou uma pequena epifania.
Quando o poema termina, é como se eu acordasse e, quantas vezes, a minha
primeira leitura do poema revela-se, para mim próprio, um espanto. Creio,
então, que a poesia é este espanto e que uma vez escrito e dado a ler a outros
vai, de cada vez que é lido, permitir o acontecimento da poesia e dessoutro
espanto para muito além do processo criativo. Os leitores, cada um a seu jeito,
fazem reacontecer o poema e o espanto intemporalmente.
Namibiano Ferrreira
1 de dezembro de 2013
OS MEUS PÉS DESCALÇOS
Os meus pés
andantes
Procuram a
palanca real, palanca negra
E desencantam as
quedas de Kalandula
Quedas da minha
terra
Oh é bela Angola
É bela Angola e
são felizes os meus pés caminhantes
Os meus pés
empoeirados
Acariciam subsolo
rico, ouro negro a jorrar no alto mar
Ouro negro a
jorrar no offshore
E no onshore
Ouro negro a
brotar
Das entranhas do
mar, para os meus pés esfomeados!
Os meus pés
garimpeiros
Apalpam tesouros
e mais tesouros
Minas de
diamante, ferro, cobre, prata, ouro…
Debaixo dos meus
pés ásperos
Minas de diamante
debaixo dos meus pés maltratados
Debaixo dos meus
pés esfomeados
Os meus pés
camponeses
Galgam a terra,
terra boa de agricultura
Terra boa de
verdura
E farta de
feijão, mandioca, milho, batata…
Terra boa, terra
farta
Debaixo dos meus
pés famintos e felizes
Os meus pés
pescadores
Banham-se em
mares ricos
Mares de
garoupas, corvinas, carapau, mariscos…
E mergulham em
rios fartos, Kwanza, Kubango
Keve, Bengo…
Águas fartas a
banharem os meus pés sofredores
Os meus bolsos
vazios
Vêem outros
bolsos vazios aterrar desnutridos
E depois, bolsos
cheios
A levantar voo, a
embarcar abastados
Bolsos cheios a
embarcar com sorrisos
A embarcar
abarrotados, oh que paraíso!
Os meus pés
descalços
Clamam por
migalhas, clamam por pedaços
Os meus bolsos
vazios
Não clamam por
milhões, não clamam por rios
Os meus bolsos
vazios e os meus pés famintos
Clamam somente
por migalhas de alimentos!
Décio Bettencourt Mateus
in "Os Meus
Pés Descalços"