Em postagem neste blog (http://poesiangolana.blogspot.com/2010/06/ver-o-comboio-mala-chegar.html) sobre o poema “Ver o Comboio-Mala Chegar” o poeta angolano, Décio Bettencourt Mateus, fez o seguinte comentário: Essas pinturas poéticas desses tempos, mano, semi-nostálgicas e semi-alegres são d'encantamentos poéticos.
Pois concerteza que são, meu amigo e poeta, concerteza que são... mas o comboio-mala também inspirou outras situações menos alegres, mais duras e de uma realidade que me mostrou, desde muito cedo, que eu nasci e vivia em um país cativo. Aqui fica um outro poema para um outro dia de domingo, embora hoje não seja domingo, todos os dias são, infelizmente, dias em que se estrangula a LIBERDADE.
Luau em 1963 - foto do blog: joanfuba.blogspot.com
DIFERENÇAS DE DOMINGO
Eu vi a luz em um país cativo
muito cedo dei por isso
e não o soube explicar
quando pedi
remeteram-me para o mar:
silêncio mortal sem boca a marulhar...
Na suave verdura do tempo, oito eram as brisas soando sobre meu corpo.
Desse tempo antigo, ternura de mulemba e moleque, hei-de sempre lembrar
os olhos brancos assustados do homem atirado na gare ao pontapé, ao encontrão,
a tropeçar de mãos agrilhoadas. Não lembro a sua fisionomia, a sua estatura,
nem o que trazia vestido e muito menos sei o seu nome. Jamais o saberei!
No entanto, triste paradoxo, sei que era Domingo. E desse Domingo sei unicamente
o homem negro algemado e assustado nos olhos todos brancos, atirado como Cristo, sobre o chão da gare quando a grazine chegou naquela tarde de Domingo e antes da entrada triunfal do comboio-mala na estação do que era o Luau do outro tempo.
Vozes ciciadas murmuravam: Um turra! Um turra! E atrás, no pontapé, no encontrão,
na brutalidade gratuíta, três, quatro, cinco já não sei quantos soldados portugueses satisfeitos. Nesse Domingo, num ano qualquer da graça, houve um Domingo
de todas as diferenças, na memória das lembranças, só me ficaram os olhos verdadeiramente brancos de um homem simplesmente um homem anónimo
fazendo pensar minha cabeça ainda sem saber pensar e distinguir a razão
de existirem domingos diferentes, ciciados e algemados na flor dos dias
num grito azul desejo Liberdade e anseios de plena Igualdade.
Namibiano Ferreira,
in FRAG/MEN/SIAS
Fragmensia de Lembranças . antigas .
as lembranças amargas de domingos que deixam sempre o nó na garganta e o peito apertado, com a mente fixa no branco dos olhos de dor.
ResponderEliminardoi mesmo.
Olá Namibiano, obrigada pela visita ao meu espaço, acredite que na volta que dou ao fim de semana, não deixo de visita-lo.
ResponderEliminarEspero que continue com a sua excelente poesia e nos dê narrativas tão belas como esta.
Bom domingo.
Kandandu
Namibiano: obrigado pela referência. E pela poesia. Utiliziria as mesmas palavras, como referiste.
ResponderEliminarKandandu.
Palavras insinuantes que se nos pegam à pele.
ResponderEliminarAté arrepiam.
Excelente.
Cumprimentos e uma boa semana