POETA NATURAL DE TOMBUA, PROVÍNCIA DO NAMIBE, SUDOESTE DE ANGOLA.
31 de outubro de 2008
IMPÉRIOS
Todo o império
é uma metáfora
expressa de violência.
É um choro,
um desejo amordaçado
de sol e liberdade.
Por isso,
seja de manhã
ou de tarde
todo o império
é um Golias
nauseabundo
caído no chão.
Namibiano Ferreira
29 de outubro de 2008
ESSÊNCIA
Para Dinah
Na praia tropical
azul-verde
hialino a brilhar
afagam os coqueiros
as palmas de nossas almas
amando sem tocar
no sabor riso marinho,
música que vem do mar
e o mistério é o fruto:
côco informe e sem beleza
meu corpo que guarda dentro
branco líquido inteiro
teu corpo essência
pureza e desejo.
Namibiano Ferreira
25 de outubro de 2008
17 de outubro de 2008
AB ORIGINE
Meus primeiros poemas
escrevi-os no silêncio
sobre uma folha de nada e cetim
arrepiada no beijo das calemas.
Ninguém os leu, ninguém os viu
adivinhei-os inteirinhos só para mim.
E ao fim das tardes roxas de paixão
vinha de mansinho pendurá-los
na cabeleira verde-mar das casuarinas
xaxualhando pela noite uma canção
voz de mágoa de nada e de cetim
adivinhando as saudades bailarinas
da terra que não sai dentro de mim.
Namibiano Ferreira
15 de outubro de 2008
9 de outubro de 2008
TORRE DO TOMBO REVISITADA
Escola Primária - Torre do Tombo - Namibe
Para meus filhos, irmãos, sobrinhos e primos, netos, bisnetos e trinetos da avó Augusta.
TORRE DO TOMBO REVISITADA
Seca de areal fino és a terra arrepiada
aos ventos frios do cacimbo e amarela
loucamente amarela nos dias quentes
penteados de sol e lavados de mar.
Terra não mais do que barro, um pedaço
um bairro da cidade menina princesa
Namibe no regaço de março sentada.
Torre do Tombo, suspiro vento vestida de sol,
do canto azougado das cigarras,
do chilrear das andorinhas,
do grito candengue da miudagem,
do cheiro a peixe e maresia
a querer dizer-te terra de pescadores.
Torre do Tombo, terra Namibe, terra dos meus!
Uns resistindo, ainda, e outros que, desistindo,
partiram nos braços alados do descanso
marcerados de saudades e do fluir da vida...
tu és a terra do meu sangue, do nosso sangue,
matriarca ancestral dos primos hoje dispersos
na diáspora pelo mundo imenso dessiminados
agrilhoados a uma maldição invisível, por todo
o infinito tempo, sem porto ou hora para chegar.
Torre do Tombo terra do nosso sangue,
terra de todas as peles de todas as cores
de todos os homens irmãos em comunhão
de paz fraterna igualdade a crescer Cabinda-Cunene.
Torre do Tombo terra de gente pobre feliz e honrada!
Torre do Tombo, vento loquaz varrendo
memórias e saudades na mescla do pó:
Tio Álvaro construindo a mais bela joeira, estrela de um sonho, para voar cantando
ao vento de um tempo, ao vento de um sonho disfarçado entre um riso e um choro.
Tia Maria abrindo porta de sua casa, mulher alta, seca de carnes, semblante esguio
e dizendo sempre com a mesma e infinita surpresa primordial dos tempos:
– Olha meu sobrinho! (como se fosse, sempre, a vez primeira).
Torre do Tombo expressão na risada franca, alegre e canora de tia Alzira, trazendo no vento
a frescura das tardes amenas e lânguidas que se espreguiçam no abraço incendiado
de um por-do-sol a morrer pitanga por trás do Pau do Sul,
trazendo a noite a um dia cansado do canto frenético das cigarras.
Tio Zé, meu xará, caminhando de mãos atrás das costas e curvado, carregando
o mundo inteiro na cacunda e vai fumando um cigarro sem filtro até queimar os lábios,
até não mais caber entre dedos de mãos ásperas laboriosas.
E de sua boca saem histórias entremeadas de masculinas risadas...
Tia Júlia, esguia e ossuda. Múcua seca, muxoxando por tudo e por nada,
muxoxo a cada frase dita, um hábito ou pensando talvez nas vindouras saudades...
O riso cândido da tia negra, tia Eliza, um sorriso meigo de aquecer o sol nas tardes-noites
de cacimbo agreste e sempre, sempre seu jeito bonito gostoso de louvar e abençoar a gente...
Quem dera que pudesses ainda cozinhar cachucho ou mariquita seca...
Ah, minha tia, quantas saudades!!!
Do tio João, meu xará também, homem de muitos dons (dizem) e que não conheci,
ficou a tia mulata dos beijos rechonchudos, sonoros e adocicados de fazer vibrar as bochechas.
Nome de rainha, tia Beatriz, baloiçando a bunda no vagar quente e gordo dos dias passados numa eterna viuvez matriarcal.
Isto sim é Torre do Tombo, pedaço barro, chão Namibe
coração vida que resiste mas que morre também a cada pedaço perdido.
Ah, isto sim é minha terra alma e meu sangue!
Torre do Tombo o vento loquaz varrendo memórias e momentos:
Meu tio Álvaro fumando Francesinhos até à raiz dos lábios
E construindo a mais bela joeira
– estrela de um sonho – para voar cantando no vento de um tempo,
vento de um choro ou bramido do mar fala de calema.
Joeira voando, joeira cantando solta nas tardes ventania suave.
Cá em baixo no chão, tresmalhados sobre a poeira do tempo,
estendemos o sonho, luando de brincar, lançando no céu a joeira
no céu muito azul, tão azul, sobre o dourado da terra seca da Torre do Tombo
e a joeira voando voando perde-se no infinito para te beijar meu tio.
09/10/2008
Torre do Tombo - bairro da cidade do Namibe, Angola.
Luando - esteira.