22 de janeiro de 2015

POEMA DE GOCIANTE PATISSA

 
Zungueira


África Mãe Zungueira


Esta que se aproxima
carrega uma criança às costas e outra no ventre
uma nuvem húmida rasga-lhe a blusa
lembrando que é hora de parar e amamentar
e lá vai ela seguindo o itinerário que a barriga traçar
gestora de um ovário condenado a não parar
porque é património social
penhora o útero na luta contra a taxa de mortalidade
Conhece bem demais a cidade
não tanto pelos monumentos
mas pela necessidade
viandante como a borboleta
fez-se fiel e histérica amante
da lei da compra e venda de porta à porta
uma lei entretanto não prevista por lei
“depender só do marido? Nunca”
mal acordou a urbe já peleja aliciando clientes
no estômago só o funji do jantar de ontem
sem tempo sequer para escovar os dentes
Lá vai mais uma dobrando a esquina
de pregão firme como a voz do tambor
humilhada aos poucos pelo sol
nos mapas de salitre da poeira que adormeceu no suor
Forte por fora muitas vezes vulnerável no íntimo
veja esta
nos olhos encarnados grita despercebida
uma mulher mal amada
nunca descoberta
rainha de etapas queimadas
ele que devia ser companheiro
é de se esconder no copo
quando os ventos são ásperos
em taças de champanhe
não estar disposta para mais um suor sagrado
é para ele frontal apelo à violência
habituada a levar da cara
odeia a sinceridade do espelho
Por aqui passou mais uma profissional da zunga
protagonista anónima com mil mestrados da vida
contudo não contada na segurança social
para o turista uma espécie de paisagem
rosto de uma noite que lançou a mulher
às avenidas dialécticas dos centros urbanos
dever de sustentar a sociedade
a mesma que a condenará antes de amanhecer
por não participar da vida política
ou por não saber ler
nem escrever

Gociante Patissa

4 comentários:

  1. Um belo poema, quase uma denúncia de tantas e tantas mulheres que trabalham, nasce,sofrem e morrem sem nada que as faça felizes...
    Um beijo.

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  2. Pelo sonho é que vamos

    Abraço

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  3. Obrigado, meu caro, pela divulgação. É sempre bom voltar ao seu blog, topamos sempre com surpresas marcantes.
    Cumprimentos de Benguela
    Gociante Patissa

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  4. Um poema de incentivo e não só, que encoraja as nossas mães zungueiras, pelo labor de venda e entrega domiciliar que têm feito no seu dia-a-dia para o sustento do seu lar. Parabéns!

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