4 de junho de 2014

O KANE-WIA

Como havia prometido na postagem anterior, hoje apresento o Kane-Wia, um outro morro do Namibe. Bem no interior, próximo da localidade do Virei, existe um morro a quem os Ovakuvale (Mukubais) chamam de Kane-Wia. É um lugar que povoa o imaginário sobrenatural da minha infância... não conheço o lugar mas depois que vos traduzir o nome do morrro em português, mesmo os menos descrentes, vão pensar duas vezes se lá querem ir.


Kane-Wia é o Morro “quem sobe não volta” ou “ quem o subir não volta” e a verdade é que, o Kane-Wia, é um acidente geográfico pouco conhecido e mesmo deixado á sua sorte. Se pedirem a um homem Omukuvale para ele vos acompanhar como guia, ele prontamente recusará, nem que o pagamento sejam manadas de bois, já que ouro e dinheiro, são coisas sem valor para um homem Mukubal. O Kane-Wia é tabu para os Ovakuvale: é kane-wia (quem o sobe não volta a descer, desaparece, faz uafa, morre). Portanto, o Kane-Wia vivia sossegado e inexplorado, uma espécie de montanha sagrada onde Deus dorme e, por esse motivo, interdita ao comum dos mortais.

Em 1937, um eminente biólogo da Universidade de Coimbra, Dr. Luís Wittnich Carrisso, veio até ao Namibe para estudar a flora local e como homem racional e de ciência, resolveu contrariar a crença subindo o Kane-Wia. Seja por mera coincidência ou por outra estranha razão o grande cientista português, embora socorrido pelo seu companheiro, veio a sucumbir em pleno deserto, a cerca de 80 km da cidade de Moçâmedes (actual Namibe). Nesse mesmo local foi, posteriormente, erguida uma lápide com a seguinte inscrição: “Dr. L. W. Carrisso XIV-VI-MCMXXXVII”.

Namibiano Ferreira


Há falta de imagem do Kane-Wia, ficam as Montanhas de Tchamalinde no Namibe


 Para terminar, um poema da minha autoria e inspirado no Kane-Wia mas para uma outra realidade... agora, o mwata já não volta. 
Este poema (anterior a 1998) faz parte de um poemário intitulado “No Vento e No Tempo”, cujos poemas não têm título mas são numerados.




QUE SUBA O MWATA O KANE-WIA

O tempo arrasta garroa
como se fosse um vento fétido
expirado por deuses amnésicos.
Na noite, oximalankas e mabecos,
dão risadas sob o luar da Morte.
O tempo traz garroa no ventre
e uma aridez uterina ondula despertando
o Kazumbi ancestral que vem dizendo:

– Que suba o mwata o Kane-Wia,
Depressa-depressa!
– Que suba o mwata o Kane-Wia,
a montanha quem sobe não volta
para nunca mais impedir a chuva
sobre a terra, roseira bela!

– Que suba o mwata o Kane-Wia,
deixando açucenas florindo
nos ombros dos caminhos e sobre a terra,
roseira bela, a chuva crepitando
purgando e redimindo nosso corpo
desalmado e sem sentido.
– Que suba o mwata o Kane-Wia...


Namibiano Ferreira (in No Vento e No Tempo)


Mwata – senhor, chefe, líder.
Oximalankas – hienas.
Mabeco – cão selvagem.

3 comentários:

  1. Bela poesia. O Kane-Wia merece.
    Abraço.

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  2. Um poema de afecto ao "lugar que povoa o imaginário sobrenatural da [sua] infância"...
    Abraço, amigo

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  3. O programa é semanal, 5 minutos a 7, na RDP Internacional (às 3ªs feiras - entre as 03.15h e as 03.30 h e às 22.45h e 6ªs feiras, às 00.30h) dedicado aos poetas e à poesia lusófona. Esta semana, foi o poeta que escolhi.

    https://soundcloud.com/brancoisabel/213-programa-namibiano-ferreira-dizer-poesia

    Como não encontrei numa foto sua ou pelo menos que eu tenha a certeza que seja sou, optei pela foto do seu blog. Se preferir, envie-me uma foto sua para substiuir a que coloquei no post.

    Obrigada e um grande abraço em poesia.

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