A zungueira, é uma vendedora ambulante no verdadeiro sentido da palavra, anda, corre pela cidade para vender e ganhar o sustento do lar. São elas o verdadeiro e único ganha-pão das suas famílias.
O termo zungueira, deriva do kimbundu, kuzunga, que tem o significado de circular, deambular de um lado para o outro. A zunga é, pois, a actividade comercial da zungueira.
A ZUNGUEIRA
O miúdo nas
costas, faminto
O sol queimando
O sol assando
O miúdo nas
costas, faminto de alimento
As moscas
acariciando-o
E o lixo
distraindo-o!
A zungueira
zunga, cansada
Na cabeça, o
negócio e o sustento
E nos pés
empoeirados
O cansaço dos
quilómetros galgados
O cansaço da
distância percorrida
A zungueira
zunga, o miúdo nas costas faminto!
A zungueira
zunga, cansada
E vai gritando e
berrando a plenos pulmões:
Arreou, arreou,
arreou nos limões...
A zungueira
zunga, empoeirada
E arreia o
negócio, arreia o preço e faz desconto
Arreia o preço do
sustento
O miúdo nas
costas faminto
A lombriga na
barriga rói, a lombriga pede
O miúdo nas
costas, faminto de alimento
Chora e berra
Não é birra
É a fome que
aperta, é a fome da sede!
A zungueira
zunga, apressada
E arreia o
negócio, arreia o preço:
Arreou, arreou,
arreou no chouriço...
A zungueira zunga
empoeirada
E arreia o preço
do negócio
Arreia o preço da
mercadoria, coisas do ofício
Depois, a viatura
da fiscalização
Os travões chiam,
as marcas dos pneus no asfalto
E os homens
arrogantes a perseguirem
E a baterem
E a zungueira a
fugir, e o negócio e o sustento
Caídos,
espalhados no chão!
Depois vem o
fiscal, também faminto,
“Você tem
autorização?
Acompanha, isso é
transgressão!”
A zungueira
implora e mostra a fome:
Tem dois dias o
miúdo não come
A lombriga na
barriga precisa alimento!
O fiscal, também
faminto
Arreia o lucro da
zungueira cansada
E desesperada
Arreia o lucro,
senão a zungueira vai presa
Senão a zungueira
não volta a casa
E a zungueira
cede, com medo no pensamento
Depois a
zungueira chega a casa
De bolsos vazios,
mas alívio no coração
E grata, afinal
não foi presa
Afinal não foi à
prisão
A zungueira chega
a casa, o miúdo faminto
O miúdo sedento
de alimento
Mas amanhã, a
zungueira voltará a berrar
Amanhã a
zungueira voltará a arrear:
Arreou, arreou,
arreou em qualquer coisa…
Décio Bettencourt
Mateus
in "Os Meus
Pés Descalços"
Zungueira: Mulher
vendedora que deambula pelas ruas
Zungar: Deambular
pelas ruas
Arreou, arreou
(...): Em jeito de cântico, as mulheres anunciam a baixa dos preços
A mulher zungueira sobrevive através do trabalho árduo e arriscado. Na caracterização social, a mulher zungueira é persistente, resistente, ousada, sacrificada, excluída, injustiçada e desvalorizada.
Ela é vítima de perseguição, violência, assédio sexual e assaltos à mão armada, tanto pelos agentes da polícia quanto pelos grupos organizados de gatunos, muitos dos quais operam impunemente. As condições de vida deste segmento vital da sociedade angolana equivalente à escravatura ou ao sistema feudal que prevaleceu na Europa, na Idade Média.
Carlos Kandanda
Fotos da Internet
Belíssima poesia.Pungente, dolorosa como a actividade das zungueiras.
ResponderEliminarAbraço.