Data de nascimento: 19 de Março de 1928 (f.: Pequim (China), 13 de Junho de 1973)
Naturalidade: Kikuvo (Porto Amboim), Kwanza Sul, Angola
Viriato Francisco Clemente da Cruz
Poeta angolano, Viriato da Cruz nasceu em 1928, em Porto Amboim, e veio a falecer vítima de um ataque do miocárdio em 1973, no exílio, em Beijing (Pequim).
Considerado um dos mais importantes nomes da geração de poetas pré-angolanos, Viriato da Cruz procurou as suas raízes africanas, sem, no entanto, perder as referências culturais portuguesas. Através do uso da língua portuguesa, se bem que polvilhada de palavras dialectais e adaptando a escrita à fala crioula, buscou incessantemente os símbolos da civilização africana perdida, como elementos regeneradores de todo um povo em busca da sua identidade. Essa ideia está bem expressa no poema Namoro, onde o apaixonado só consegue conquistar a sua amada quando se liberta das símbolos europeus e dança com ela uma rumba bem africana.
Os seus poemas tanto são um grito de esperança (veja-se Mamã Negra , onde clama pelo «dia da humanidade») como um olhar nostálgico sobre os valores africanos (considerem-se os versos de Makèzú: «Todo esse povo / Pegô um costume novo / Qui diz qué civrização: / Come só pão com chouriço / Ou toma café com pão… (…) Pruqué qui vivi filiz / E tem cem ano eu e tu? // – É pruquê nossas raiz / Tem força do makèzú!…»).
Em 1948, Viriato da Cruz lançou o mote: «Vamos descobrir Angola». A frase tornou-se lema para os intelectuais angolanos que, dois anos depois, fundaram o Movimento dos Novos Intelectuais de Angola, com Viriato da Cruz como um dos elementos mais activos. Esse movimento foi responsável pela publicação da revista Mensagem , onde o grupo exprimiu o seu entusiasmo pela redescoberta da História e arte popular africanas, como contraponto a uma colonização que, fruto do endurecer da repressão por parte do regime ditatorial de Salazar, estava a sofrer uma contestação cada vez mais exacerbada. Nessa revista foram publicados alguns dos mais conhecidos poemas de Viriato da Cruz, tais como Makèzú ou Mamã Negra .
Vítima dos seus ideais, numa altura em que se intensificava a repressão, Viriato da Cruz publicou apenas poemas dispersos em várias publicações na década de 50, antologiados em 1961 no livro Poemas . A década de 60 foi marcada em Angola pelo início da Guerra Colonial e pelo exílio de grande número de intelectuais angolanos, o que ocasionou o desvanecimento da criação literária que, apenas uma década antes, parecia florescer. A publicação de poemas de Viriato da Cruz – que então circulavam abundantemente de boca em boca – cessou. Apesar de ter publicado apenas meia dúzia de poemas, todos eles são conhecidos de cor entre os povos de expressão portuguesa, principalmente porque foram musicados por vários artistas.
Viato da Cruz abandonou a poesia, que considerava uma “arte menor”, para se entregar totalmente à política.
Nos princípios dos anos 50 transfere-se para o Sul de Angola, na Huíla, onde trabalha na área administrativa da fábrica Singer. De regresso a Luanda funciona como contabilista, tal como o poeta António Jacinto, seu companheiro de geração literária e correligionário íntimo, que lhe viria a cortar ou aumentar uma ou outra vírgula naquilo que ficou famoso como o Manifesto do MPLA.
Com este poeta do Kiaposse, os escritores Domingos Van-Dúnem, Aristides Van-Dúnem e Mário António, fundam, em 1955, o Partido Comunista Português de Angola. Por essa altura, a luta clandestina era marcada entre outras armas de arremesso político, com a distribuição de panfletos à calada da noite, escritos subversivos onde que se criticava a política nefanda de exploração colonial dos nativos e se dirigiam apelos à luta libertadora.
Cedo se revelaram os dotes litetrários, quando em 1946, aos 18 anos, publica o seu primeiro ensaio literário no jornal “Farolim”.
Entre outros ensaios literários, publicou em Setembro de 1946, um dedicado à “A arte antiga e a arte moderna”, onde analisa entre outras questões estéticas as conexões entre o fundo e a forma, depois de fazer uma avaliação sobre a evolução da arte, em geral, e da literatura, em particular, no mundo.
Consta igualmente a formulação teórica do movimento vamos descobrir Angola onde “incitava os jovens a resgatar o espírito combativo dos pioneiros da literatura angolana, apelando a uma renovação estética, sem concessão aos caçadores do exótico; uma renovação ,“baseada no senso e na razão africanos” – escrevia ele.
Além doutros textos ensaísticos dispersos no país e no estrangeiro, emprestou a sua colaboração a uma revista de artes e letras da extinta RDA, onde escreveu um artigo sobre a literatura angolana que lhe foi encomendado pelos seus editores.
Intelectual “engagé”, em finais de 40 e 50 está à testa do “Movimento dos Novos Intelectuais, preocupados em devolver a dignidade aos seus irmãos despossuídos, exaltando-os na sua poesia, figura tipológica traduzida em “ai, Benjamin, sujo, esfarrapado e descalço levei-o ao baile do sr. Januário”. Ele manifesta uma identificação com o seu personagem, situado no último degrau da escada social. Estas motivações, inquietações sociais vão marcar a sua poesia.
Das preocupações sociais à radicalização política do ser social vai… um passo de cobra, ou tudo se opera ao mesmo tempo à medida que vai tomando consciência das condições de exploração em que vivia mergulhadas as gentes humildes dos musseques; personagens centrais dos seus raros poemas dialógicos, como a avô Naxa, com quem o sujeito de enunciação do seu discurso poético partilha valores simbólicos, enformam toda uma cultura urbana e rural. “Estão a dizer que é civrização”, interroga-se a velhota com a força do “Makezu”.
Em 1951 envia a Lisboa uma comunicação, saldando assim a sua participação no âmbito dos debates do centro de estudos africanos, animados entre outros prelectores, por poetas e intelectuais oriundos das cinco colónias portuguesas, designadamente os seus conterrâneos Mário Pinto de Andrade, Agostinho Neto e Humberto Machado, além de Amilcar Cabral, José Tenreiro e Marcelino dos Santos.
O CEA era o centro de discussão cultural e agitação política, ainda que embrionária, que pretendia, entre outros objectivos, resgatar a identidade cultural africana, violentada pela agressão cultural protagonizada pelos aparelhos(ideológicos) coloniais, através da “reabilitação dos valores nativos destruídos” e dar a conhecer ao mundo as realidades dos seus países de origem.
Conforme reza a História, corria o ano de 1956: retirado às suas expensas no Hotel Magestic, em Luanda, redigiu durante duas semanas aquele que viria ser adoptado anos mais tarde, como sendo o doutrinário manifesto do MPLA, numa conferência em Túnis (rompendo-se com a FRAIN), revelando-se assim um dos mais ardentes protagonistas e sólidos teóricos do “mais amplo Movimento Popular de Libertação de Angola”.
Embrenhado nos valores uma vivência intensa no combate clandestino no Bairro Operário e arredores, em 1957 passa por Lisboa e reúne-se com um círculo restrito de nacionalistas africanos em casa de Amilcar Cabral.
Em 1958, com a PIDE à sua ilharga, foge para Paris, onde vai integrar com Mário de Andrade, Amilcar Cabral, Guilherme Espírito Santo, Aquino de Bragança e Marcelino dos Santos o núcleo dirigente do movimento nacionalista das cinco colónias portuguesas, organizado em torno do MAC (Movimento Anti-Colonial), fundado por esse grupo jacobino em Paris, numa reunião de estudo e consulta.
Em 1960 está em Conacry onde se instala a direcção do MPLA, de que fazem parte Mário Pinto de Andrade (presidente), Viriato da Cruz (secretário-Geral), reverendo Domingos da Silva (vice- presidente), o médico Eduardo Macedo dos Santos, o seu incondicional Matias Miguéis, Manuel Lima (secretário para a defesa, acabado de desertar do exercito português, onde foi o primeiro alferes miliciano negro, para juntar-se ao Movimento de Libertação Nacuional), o médico Hugo de Menezes, o primeiro a aportar à capital da Guiné de Sekou Touré.
Em 1962/63, rompe com o MPLA (por incompatibilidades de relacionamento pessoal e insanáveis querelas ideológicas com Agostinho Neto, a quem acusava de ser um “agente português”, pela forma miraculosa como fugira de Portugal, com ajuda do PCP), já em Leopoldoville actual RDC. Por essa altura, vale lembrar, o movimento nacionalista urbano em Luanda encontrava-se disperso em células clandestinas reunidas em várias siglas como a UPA, MIA, PLUAA e MINA, este último capitaneado por Agostinho Neto, Joaquim Pinto de Andrade e Pedro Pacavira. Os três últimos agrupamentos políticos fundidos com a ala do efectivo “leadership”, baseado em Conacri, dariam lugar ao MPLA nos primórdios dos anos 60, movimentando-se no eixo Conakri- Brazzaville- Kinshasa e clandestinamente em Luanda, apesar da decapitação da sua liderança interna, aprisionada, e da detenção, igualmente, do grosso dos seus militantes e aderentes da causa nacionalista.
O período da vida de Viriato da Cruz passada na China Popular reveste-se ainda hoje de um manto de mistério e de fascínio. A publicação da correspondência de Monique Chajmowiez / Viriato da Cruz, então exilado na China e da entrevista quê Monique dá a Christine Messiant e a Michel Laban, pela Editora Chá de Caxinde, em Luanda, têm o mérito de rasgar esse véu tenebroso e permitir-nos, pela primeira vez, compreender a imensidão do drama que os dirigentes comunistas chineses impuseram a Viriato da Cruz, à sua mulher Eugénia e à sua filha, o sofrimento e a solidão espiritual, a terrível sensação de clausura e o sentimento de se encontrarem totalmente cortados do mundo. Viriato traduz esses sentimentos na carta de 23.07.1971 a Monique:… “L’éxilé pai-tout est seul; mais, ici, il l’est beaucoup plus qu’aílleurs.”
Ao decidir mergulhar num país longínquo e distante do teatro da luta de libertação em Angola, luta de que ele fora um dos principais impulsionadores, ao criar, em Luanda, dez anos antes, o Partido Comunista Angolano, Viriato assume uma gravíssima decisão que o iria afastar da realidade africana e transformá-lo gradual mas inexoravelmente num refém da máquina orwelliana chinesa.
Aceitando o cargo de dirigente da facção pró chinesa da Organização dos Escritores Afro Asiáticos [com sede pró soviética no Cairo], e ao comungar intensamente, nos primeiros tempos, nos acontecimentos da Revolução Cultural que agitaram profundamente todas as camadas sociais da China Popular, Viriato entendia ser coerente consigo próprio dando um total apoio ao país que encarnava as esperanças da humanidade, ajudando os camaradas chineses a consolidar e aprofundar a revolução.
É certo que os dirigentes chineses receberam de braços abertos o revolucionário africano que tinha demonstrado uma enorme capacidade criativa e mobilizadora ao fundar e organizar o MPLA, primeiro em Conackry e, depois, no Congo Leopoldville. Os chineses entendiam que Viriato da Cruz poderia facilitar a penetração ideológica do socialismo maoista no continente africano, e que, possivelmente, poderia vir a recuperar as posições perdidas na direcção do único movimento progressista angolano. Uns e outros enganavam-se redondamente. Daí nasceu um grave malentendido com consequências trágicas para Viriato e para a sua família.
Monique mostra de maneira subtil que as expectativas mútuas, tanto de Viriato como dos comunistas, saíram profundamente goradas alguns anos depois da sua chegada a China, sobretudo após o périplo pelas capitais Africanas de uma delegação da Organização dos Escritores Afro Asiáticos (OEAA). No final da viagem de regresso a Pequim, Viriato elabora a pedido dos dirigentes chineses, um relatório sobre os resultados políticos desse périplo africano. Viriato estava longe de ter a mesma visão optimista dos chineses sobre a eminência da Revolução Mundial. Viriato estimava que os países africanos ainda não tinham condições objectivas para realizarem a revolução socialista, mesmo os mais progressistas, como o Mali, a Guiné e o Gana. Longe disso. Apesar da sua posição frágil na China Popular, dependente dos favores do dragão chinês, ele não modifica as suas conclusões.
Ao recusar-se corrigir o seu relatório político dirigido às cúpulas chinesas, Viriato demonstrava, por um lado, uma grande firmeza de julgamento, mas, por outro, ausência de pragmatismo e de flexibilidade. Esses aspectos do seu carácter já lhe tinham valido graves dissabores na sua curta vida política aquando da crise de 1962 – 63, no seio do MPLA. O relatório pessimista elaborado por Viriato ia contra a doutrina maoista da iminência da revolução mundial.
Á medida que a Revolução Cultural evoluía e se aprofundava, alterando as estruturas sociais e económicas tanto nos meios urbanos como rurais, arrastando imensos dramas individuais e colectivos, tal malestrom que tivesse varrido a imensidão da China ao belo prazer de dirigentes orweilianos, os chineses apercebem-se de que Viriato se distanciava cada vez mais das teses maoistas. Não conseguimos, no entanto, compreender a atitude dos chineses em manter refém Viriato da Cruz, quando seria mais simples expulsá-lo definitivamente da China. Mas os chineses temiam a inteligência superior de Viriato e das consequências negativas que ele poderia causar à causa maoista, se ele saísse da China.
Monique mostra-nos também o que foi a luta titânica mas infrutífera de Viriato Cruz para tentar fugir às garras do dragão chinês e obter o apoio de dirigentes africanos de passagem por Pequim. A recusa sistemática dos vários líderes africanos pressentidos em atribuir-lhe um título de viagem que lhe permitissem sair da China, o desinteresse revelado pêlos angolanos então residentes em Pequim pela dramática situação da família Cruz, mostra o abismo entre as afirmações sobre os valores de respeito e de solidariedade entre africanos e a sua tradução na prática.
Os últimos tempos da vida de Viriato de sua família foram de um dramatismo extremo, levando Viriato a actos que revelavam os tremendos os tremendos conflitos que atravessavam a sua mente. As graves carências alimentares fragilizaram-no e conduziram-no a uma morte precoce, na maior miséria física e espiritual. No entanto, derradeira humilhação foi a maneira abjecta como levado para o cemitério dos estrangeiros entaipado entre quatro tábuas, transportado num camião militar. Penso que o povo angolano não esquecera jamais esta afronta feita pelos dirigentes comunistas chineses a um dos principais lideres do movimento nacionalista que ainda hoje dirige os destinos de Angola.
Esse notável revolucionário angolano, que fizera do marxismo o seu farol ao ponto de procurar esclarecer Monique sobre aspectos fundamentais dessa filosofia, e de tomar descabidamente posição na gigantesca luta entre as várias facções chinesas, umas a favor outras contra as teses maoistas, experimentou na sua própria carne as consequências da adopção de uma intransigente liberdade intelectual individual nos antípodas do sistema colectivista de negação total dos direitos individuais da condição humana e do homem como ser pensante.
Viriato da Cruz morreu, vítima dos seus próprios ideais, das suas profundas contradições humanas e políticas ao longo da sua curta vida, mas também da total ausência de solidariedade dos seus compatriotas africanos a quem ele dedicara toda a sua vida.
Os depoimentos de Monique Chajmowiez tem um grande interesse político e humano permitindo ao leitor angolano aperceber-se do carácter e da personalidade daquele que foi um dos fundadores e arquitecto do MPLA.
Infopedia
Wikipedia
Fonte: Club-k.net
Edmundo Rocha, Lisboa, 25.08.2003
—————————————
25 Dezembro 2010
Viriato da Cruz foi o ideólogo da angolanidade, diz antropólogo
Luanda – Carlos Serrano, antropólogo, angolano nascido em Cabinda, é professor de Antropologia na Universidade de São Paulo (a muito conhecida USP), que é a maior e uma das mais importantes universidades existentes nos espaços de língua portuguesa. A seguir, apresentamos uma conversa mantida à margem do IV Encontro da História de Angola, decorrido no final do mês de Agosto aqui em Luanda. Nessa ocasião, o professor Serrano apresentou o tema: “Angola – Manifestos, Programas e discursos na Formulação de uma Identidade”.
SA- Que importância tem esse tema na formulação da identidade angolana, professor?
CS- Bom, acho que esta apresentação serve para dar continuidade ao meu trabalho que foi publicado em livro em 2009, que está ai no mercado angolano, tenho estado a trabalhar sobre a questão da identidade até porque já venho algum tempo a trabalhar sobre esta temática, e chego a conclusão que há diversas formas de abordar este tema, e um deles, que achei importante, e que tenho estado a pensar, tem a ver com a questão que vem dos anos 1940-50, sobre os discursos e formas de representação desta matéria pelos jovens da época que vieram a dar nas lideranças e fundadores do movimentos, principalmente no caso do MPLA, e como é que eles começaram abordar a questão da identidade. Primeiro, antes mesmo de falar de identidade, há necessidade de se criar uma ruptura com o discurso colonial, e a partir dai o angolano se tornar sujeito do seu próprio discurso, que não sejam mais os outros a falarem por ele.
Bem, mas isso tem alguns problemas, não é? E a forma, no meu entender, foi através das manifestações culturais que era à única maneira legal, na medida que havia uma grande repressão, de poderem começar a dialogar e a formular este problema. Bem, o interessante é que eu falo de jovens, e realmente eram todos muito jovens, o que já é uma característica dessa ruptura, quer dizer, nós sabemos que nossa sociedade é hierarquizada, também pelas faixas etárias, e que os mais velhos têm de certa forma uma hegemonia do discurso não é? Esta geração para mim, parece ser exactamente a geração de ruptura. Primeiro por serem jovens, e não compactuar mais, não que os mais velhos compactuassem, mas tinham algum receio, penso que este jovens tiverem este voluntarismo, esta vontade de superar esta geração, dai marca esta ruptura, que se faz primeiro a nível deste discurso cultural. Então, tenho impressão que a geração de 1950, sobretudo o grupo que tem como palavra de ordem ”Vamos Descobrir Angola!” é sem dúvidas, um marco, não que este seja definitivo não é? Tudo eu afirmo, nunca tenho como verdades definitivas não é?…(Risos). Mas foi para mim o grupo mais representativo, fez um Jornal à “Mensagem” que já estava a pensar nisso, a Mensagem, é uma Revista, onde as pessoas falavam de Angola, dos valores culturais angolanos, bem, então esta é uma primeira ruptura, ai não se vê explicita em nenhum momento da publicação alguma coisa que se refere a Portugal, ou que se refere algo assim, e há intenções, não é? Há um poema logo no inicio que eles devem congregar-se na diferença de todos ou na unidade, alguma coisa do género, isto é importante porque é isto que vai dar esta unidade, que é o primeiro p+asso para de pensar, não se pode lutar individualmente, tem que se ver a formação de um eu colectivo, e ao mesmo tempo ver –se à forma de se manifestar colectivamente, todos os intelectuais neste sentido, dai então eles marcaram sem duvidas um marco. Bom! Mais isto não é suficiente, nós aprendemos que toda ruptura no domínio intelectual do século XIX, é marcado por manifestos, então um o manifesto é sem duvidas o momento de ruptura, e existem vários manifestos na década de 50, não há apenas um, que vão culminar, as datas não importam, se é em 1958, ou 1960, há muitas discussões sobre isto, mas o manifesto do MPLA, é um deles que vai talvez ser o que melhor vai reflectir sobre esta questão da identidade de Angola, de criar Angola. Então, aquilo que eu dizia “ Vamos Descobrir Angola!” é uma frase polissémica, que não quer dizer “descobrir”, se já existe, não é? Ela pode redescobrir ou construir não é? No fundo isto não se podia dizer, não se podia dizer “ Vamos Construir Angola” seria uma coisa muita explicita.
Bom! Então o projecto cultural “Vamos descobrir Angola” vai mostrar essa aspiração dos jovens intelectuais de forma legal, como sabe todos manifestos políticos da época eram clandestinos. Este projecto é uma parte cultural positiva e legítima que pertencia a revista “Mensagem” da “Anangola” (Associação dos Naturais de Angola) e que podia escrever sobre esta matéria. Os manifestos não, os manifestos e panfletos que circularam em Luanda naquela época, eram de carácter reivindicativos e de denúncias. Ao mesmo tempo, a reivindicação última é esta: vamos lutar pela nossa independência, mas não se diz, como nem quando, tão pouco a forma. Já o manifesto do MPLA, mais tarde, retoma uma análise histórica e de estrutura de classes sociais, económicas da chamada colónia de Angola, para mostrar que o povo estava ser explorado e ao mesmo tempo, dar caminhos para libertação, tudo isto culmina de certa maneira, que vai dar num programa, isto é, o manifesto é um projecto politico que vai de encontro as aspirações do povo, mas não é a forma última para se alcançar isto, tem que haver um programa que é a forma que coloca em prática o manifesto deste projecto politico, o projecto é uma coisa abstracta e teórica, mas o programa não, vai dizer como e por quê? O programa que tenho como exemplo é o programa do MPLA, de 1963, que foi o primeiro programa, que vai dizer item por item, o que é e o que vai ser a futura e por que é que estão a lutar. Estão a lutar para que não haja diferenças até mesmo culturais e étnicas, vai se considerar, exactamente estas diferenças que como um dado cultural do povo inteiro, ao mesmo tempo então vai falar também que nestas diferenças alguns dos povos que constituem a nação angolana, vão e devem não só pesquisar as línguas próprias, está é uma reflexão sobre a diversidade cultural e o respeito a esta diversidade cultural, chega até a dizer que as pessoas que constituem os diversos grupos e que têm uma certa autonomia cultural local devem ser consideradas a possibilidade de construção destas autonomias culturais locais não é? Então, há toda uma série de itens que vão percorrer este programa que nos dão orientação daquilo que as pessoas não só pensam, mas que querem exactamente pensar o que vai ser Angola futuramente, não quer dizer que pára ai, não é? Claro que isto vai mudar com o tempo. É um processo. Como eu digo, o tempo da luta, há vários tempos, há o “tempo do imaginário”, o “tempo do antigamente da vida”, que era dos jovens intelectuais da época, em volta da revista “Mensagem” do “ Vamos Descobrir Angola!” etc.É um momento histórico, não é? O outro passa ser mesmo o “tempo da revolução””, é o que conduz ao Manifesto; que é a “ruptura”; ao programa etc. e que vai culminar com a luta e o processo que conduz ao “tempo da independência”, o momento que consagra exactamente aquilo que as pessoas estavam a lutar. Mas não pára aí, a partir deste momento é reformulada novamente a questão da identidade. A partir deste momento eu chamo do “tempo institucional”, o que está identificado com o Estado que se formula de forma diversa. Antigamente era o Estado colonial, a partir deste momento é o Estado nação Angola, que passa a ter um outro tratamento institucional e jurídico. O que é ser angolano? O que é que se define pela constituição? Mesmo assim, isto mudou já pelas diversas constituições que o país teve, que possivelmente ainda venha à mudar, porque a questão da construção da identidade, não se cristaliza e não é definitiva, ela vai com certeza ter alterações futuras, pensando sempre nesta construção da ideia de nação.
SA- Professor, gostava de ouvir de si mais dados sobre o manifesto de 1948 “Vamos Descobrir Angola!” teve apenas um substrato cultural ou terá sido mais abrangente?
CS- Não ele pode ter começado, e não acredito que tenha a intenção de se definir como meramente cultural, e só com esta finalidade, era a forma legal de luta possível dentro de legalidade, era o de constituir uma Revista, com fins culturais, que tinha poemas, mas está nas entrelinhas, por exemplo os poemas que aparecem do Viriato da Cruz, do António Jacinto e outros, que estabelecem também a mesma ruptura, quer dizer, deixou-se de escrever o português, ou as formas construtivas da estrutura da língua tal como se fazia no português ditado pela metrópole, naquele momento os poemas do Viriato e do Jacinto, têm já um léxico de palavras em Kimbundu e outras coisas e não falam apenas da natureza, falam das suas coisas, das coisas angolanas. O primeiro momento, digamos assim, de “eliminação” do colono estão nos textos literários, não precisamos mais falar destas coisas. A luta está aí e vai se dar. Aí sim é que vai haver outro tipo de animação. Agora, falar de “nós” é excluir o “outro”, da mesma maneira que eles fizeram connosco, nos excluíram da História e da Cultura. Então, aqui o processo ainda está dentro de uma identidade contrastiva, ou seja no fundo o colono construiu uma identidade própria para o colonizado (indicativa, prescrita). As categorias de “indígena”, e do “branco civllizado”, passam pela dimensão racial também, quer dizer, a identidade contrastiva é esta, quer dizer: são portugueses e são brancos, somos angolanos e somos negros. Mas esta questão do angolano vai ter uma reformulação da categoria racial também, quer dizer são os negros angolanos, são os mestiços, este ainda é um debate que vai se prolongando até os nosso dias. E, também os brancos que se identificaram com a maioria, com africanidade, com angolanidade, são minoria mas existem, até do ponto de vista literário etc. Bem, então ser angolano é alguma coisa que vai ser supra-étnico, supra-racial e unificado, quer dizer é um “Eu” colectivo, e é isto no fundo que vai orientar sempre a construção da identidade nacional.
SA- Professor, se no manifesto de 1948 estava subjacente o lado político, sob a panóplia cultural no de 1956, está bem visível a componente politica…
CS- Sim, o António Jacinto já dizia que até ao movimento “Vamos Descobrir Angola!” já tem um carácter politico, mesmo que não seja manifesto explicitamente, mas ele possui exactamente esta intenção em si, está implícito. Mas como é evidente, o manifesto é já alguma coisa para acção mesmo, não é? O manifesto não é só uma ruptura literária de construção do imaginário, mas é alguma coisa propõe acção para se conseguir essa independência, não é? E ai sim é o manifesto político na verdadeira acepção da palavra.
SA- Estes dois manifestos saíram do punho do mesmo autor. Em 1948, o primeiro Viriato da Cruz publicou-o na revista Cultura. Em 1956, já foi mais claro em termos de condão político, não é, professor?
CS- Sim! Conheci pessoalmente o Viriato não é? Ele dizia que haviam certos momentos de superação dos momentos que nós vivíamos, não disse a mim pessoalmente, mais há escritos de que ele diz: olha à questão cultural está superada, porque houve críticas na época. As pessoas, questionavam dizendo: O Viriato nunca mais escreveu poemas ele que foi o fundador de uma poesia angolana de angolanidade. E o Mário António questiona no seu livro, será que é porque ele não queria ou porque não sabia? Esta questão é um pouco crítica esta frase, claro que o Viriato sabia fazer, porque ensinou os outros, não é? Só que ele achava que aquela fase cultural já estava ultrapassada, tinha que passar uma nova fase que era uma fase de acção. Mais o manifesto não é de uma só pessoa, é o que sempre digo, claro que o Viriato foi sem duvidas o ideólogo e não se pode negar este facto, mas eu sempre parte desta concepção de era um núcleo de jovens e eram bastante jovens, que sempre partiam para formulação de alguma coisa sempre unitária, de unidade na construção daquilo que chamo do eu colectivo, e construir naquilo que Benedict Anderson chama de comunidade imaginada, e é isto que eles pensavam em conjunto, era o Viriato, era o António Jacinto, por exemplo o Ilídio Machado que pertenceu ao primeiro núcleo do partido comunista angolano, o Mário António que depois saiu, foi estudar para Portugal e não voltou mais, que também fazia parte daquele grupo era uma serie de jovens intelectuais da época, que faziam isto, talvez tivessem já nesta época a liderança do próprio Viriato isto eu não tenho dúvidas, então estas são formas de pensar sempre em conjunto, é esta a minha ideia.
SA- Em determinada passagem da sua comunicação, que fazia referência que no programa do MPLA, de 1963, “Nós queremos garantir a igualdade de todas as etnias em Angola” este dado era assim tão importante para época professor?
CS- Possivelmente em 1963, as pessoas também sabiam que para além desta diversidade, não é? A política colonial protegia algumas etnias e excluía outras. Para poder melhor governar, quer dizer aquele jargão que dizia dividir para melhor reinar, era realmente um processo usado pelo colonialismo. Então, esta ideia de igualdade, dos grupos étnicos mesmo minoritários de ter expressão e voz na construção da unidade devia ficar marcada no programa.
SA- Professor enquanto Antropólogo, gostaríamos que nos dissesse com rigor científico que a resposta merece, podemos dizer que Angola é uma nação?
CS- Eu digo desde o inicio, desde a formulação lá pelos mais velhos, antes mesmo de Angola ser independente, já estava a começar a ser construída a nação. A nação não é nada cristalizado: o Estado mudou, o Estado-nação há em qualquer parte do mundo, nunca parou, é um processo, e o processo vai mudando sempre. Então, a nação é algo em construção. Vai perguntar mais: a nação existe ou não existe? Existe, acho que existe na medida que as pessoas se identificam como angolanas. Há uma maka. Não queria falar disso agora… É da época contemporânea que eu sempre disse isto. No exterior, quando sou indagado pelas pessoas por questões deste género, tenho dito, durante a luta que houve durante trinta anos, houve cessação? As pessoas podiam estar a combater pela hegemonia do poder, pelo poder mais a separação, como se deu na Nigéria, e noutros lugares. Penso que não, nunca houve uma tentativa de cortarem Angola ao meio, e mesmo no lugar onde eu nasci, mesmo Cabinda, tenho impressão que há sempre a possibilidade de dialogo de conversação, para se conseguir aquilo que está no projecto de 1963, quando já se falava em autonomias locais. Isto não quer dizer separação. A concepção do programa de 1963, que era meio federalista, não que explicitasse isto, mais havia uma ideia implícita, e esta ideia penso que nem sempre pode ser posta de lado. Claro que há vários tipos de federação: federação suíça Helvética, à Nigéria, a Republica Federativa do Brasil. Não quero dizer que sejam todas iguais, mas há formas de reflectir a inclusão de todos dentro de uma só nação, e acho que não é forçado, as pessoas convivem a centenas de anos juntas, sobretudo no tempo colonial, não é? Permitiu que todos tivessem convivido e que tivessem até um inimigo comum, o que mobilizou as populações neste luta foi em parte o combate ao próprio colonialismo, o que uniu, as pessoas, elas estavam muitos ligadas aos seus locais. Isto sucedeu também na América Latina. A guerra, por mais terrível que tenha sido, leva as pessoas a se contactarem umas com as outras, e a ter noção do outro, o primeiro momento foram às cidades, na sua criação, às pessoas se encontrara nas cidades vindas de várias partes do país e regiões etc. Há uma outra, que foi o momento de mobilidade, quer dizer, o colonialismo não conseguir fazer com que cada um ficasse no seu lugar, porque a guerra, conduziu a que as pessoas todas se contactassem. Na América Latina também, não digo tanto o Brasil, mas os países de língua espanhola, o movimento levou Simon Bolívar, que veio desde o Sul do continente até a Venezuela, a construir uma guerra de libertação em diversos locais, ele é herói não só da Venezuela, era o grande individuo lutador, e isto levou a possibilidade e esta marcha grande levou a que as pessoas tomassem consciência dos seus problemas e contacto de pessoas que vinham do Chile, e da Argentina e que tenham vindo a tomar contacto durante a caminhada para as independências, não é? Que culminou lá em cima no Norte da Venezuela. Este movimento que é a guerra que ninguém quer mais, foi a única saída devido a intransigência do colonizador conduz a isto, que as pessoas comecem a se contactar umas com as outras e a ter noção supra Nacional, e a fazer que a sua identidade étnica seja de certa maneira, não posta de lado, não as pessoas não renunciam às suas etnias. Mas luta agora para uma unidade supranacional, quer dizer, isto evidentemente que não pára também, com as independências e com uma definição jurídica ou institucional, ela tem que ser construída, ai estão as diversas formas de construção através dos processos, por exemplo o Ministério da Cultura é um lugar onde estes debates, onde estas coisas devem ser colocadas, não é? É onde se colhem os elementos culturais das diversas partes do país, do ponto de vista antropológico, para poder dar a conhecer a diversidade do país. Claro que os meios de comunicação são essenciais para isto, quer dizer, Rádios, Jornais e Televisões, quer dizer, dar a conhecer ao mesmo momento ao país uma notícia do Norte, do Sul da Capital etc. Este é um dos elementos que participam da construção os meios de comunicação.
SA- A discussão sobre a questão da nação é realmente polémica. Há autores que dizem que não se pode falar em nação pelo facto de não termos língua nacional em comum, e de não haver elementos identitários em Angola, por vezes só a selecção nacional, mas também quando joga. Acha que se tivéssemos pelo menos adoptado o programa do MPLA, de 1963, sobre o federalismo, algumas guerras e mal entendidos teriam sido evitados, professor?
CS- Não! Não, isto seria possível se todos os movimentos aceitassem um programa, aquele programa, mais não foi necessariamente, os outros movimentos nacionalistas, não tinham sequer um programa, dizia-se não pude ler hoje o texto completo, mais tenho estado a recuperar discursos do Holden Roberto, do Agostinho Neto, do Lúcio Lara etc. sobre esta questão durante a luta, então o Holden… Bom, naquela altura o Savimbi pertencia a FNLA, talvez deste período descubro estes discursos do Holden. Será o povo angolano a discutir e decidir o que vai fazer no futuro. Então a nossa luta nesse momento referido é a de conseguir a independência. Penso que o MPLA terá começado desde o início. Era uma actividade… Falei com várias pessoas do tempo da luta, pessoalmente estive no exterior exilado na Argélia durante algum tempo, logo depois fui estudar, o Viriato da Cruz mandou-me estudar, disse-me “se quiseres ser útil vai estudar”, e fui estudar, foi de facto a melhor coisa que fiz, é pela educação que acho que é também um dos elementos fundamentais, aliás, foi dito por dos oradores deste painel, que também acho ser fundamental para construção da identidade em si. Bem, pode a ver várias concepções sobre esta questão mesmo até da língua, há pessoas que não aceitam que o português tenha se tornado também uma língua nacional. Temos o exemplo do Brasil, o português brasileiro, e as pessoas no Brasil gostam de falar assim, já não é igual ao português de Portugal, foneticamente e até palavras, tem se calhar uma maior identidade até com Angola, se você for falar no Brasil um xingamento, o Angolano sabe o que é xingamento, agora em Portugal não é insulto, e por ai adiante, não é? Foram muitos vocábulos para o Brasil, defendo que se deve analisar também a questão da língua do português de Angola, como alguma coisa que foi uma conquista, é uma conquista do angolano, a língua não é mais a língua do colonizador, como se costumava dizer. Agora, faz parte do parte do património angolano e se faz uso dela como o angolano quer e não como o outro dita. A língua é também alguma coisa que vai se modificando todos os dias, e recebe de fora dentro desta globalização uma serie de palavras de outros, durante muito tempo, com a presença de cubanos e soviéticos etc., e que hoje fazem parte também do léxico usado pelos angolanos, da nomenclatura etc. Uma série de palavras enfim, tudo isto é dinâmico, não é? E acho que o mais enriquece são as palavras emprestadas pelo povo dos vários lugares de Angola, claro que há uma forma, que o português escrito e o falado são diferentes, mais sempre foi, por altura da independência só havia 5% de pessoas alfabetizadas formalmente, mais já havia mais 40 ou 50% dos angolanos já falavam português, eram falantes, não tinha alfabetização completa, mais eram falantes. Para mim, estamos num país e entre os povos africanos em que a cultura oral é mais importante do que talvez pela escrita e é por ai onde se tem que compreender o português de Angola dentro desta manifestação de oralidade. Então é uma língua nossa? É, acho que é interessante ao mesmo tempo isto, demonstra que nós estamos a pensar no futuro e que não estamos somente presos neste processo de vitimas do colonialismo, fomos sim senhor, mais agora aquela questão que se fala, eu tenho uma outra ideia do “Homem Novo”, ele não é aquele que talvez se pretendia construir teoricamente do ponto de vista, não que eu, pelo contrário ainda me identifico com certos princípios, digamos assim socialistas etc. Mas não é esta concepção artificial do Homem Novo, o Homem Novo é aquele que nasce de uma situação de conflito mas que agora é uma situação de construção onde todos participam. Agora que as línguas nacionais têm que ser respeitadas e que têm que ir para Universidade etc. Também acho que sim, que é necessário, não que o português pode ser a língua mais falada e também nacional, que tenha privilégios, não é? As línguas onde existe esta densidade, é o que diz o Programa Mínimo sobre a densidade cultural, e fala que se devem respeitar as etnias, está-se falar também das línguas nacionais. Uma etnia é um grupo que tem uma língua própria, isto acho importante e é igual a qualquer país. Na França os Occitanos escrevem e falam a sua língua, os Bretões falam a sua língua, os Flamengos na fronteira do Dunquerque no Norte de França falam a sua língua, os Corços também falam a sua língua. Claro que há um domínio do gaulês, do mais eles até hoje não solucionaram os problemas étnicos ou diversidade cultural, até hoje.
SA- Das informações que tem, acredito que terá informações privilegiadas neste domínio, gostávamos de saber de si: quem foi o autor do slogan “Vamos Descobrir Angola!”, professor?
CS- Não sei! Eu convivi com estas pessoas, mas nunca ninguém me disse isto, eu continuo firmemente a pensar que deve ser sugestão de alguém (Mario de Andrade atribuía ao Viriato da Cruz), mas continuo a falar sempre no plural. Era um grupo, e este grupo pensava em conjunto. Há sempre uma ideia, uma sugestão de uma das pessoas, mas eu não sei. Aquilo que eles queriam dizer era pensado em conjunto. Os discursos, tenho analisado hoje muito os discursos, quando vou aos panfletos, vou aos manifestos, em todas as coisas, nas actas, as pessoas daquele tempo mesmo da luta sempre se manifestavam no plural. Dizer: “eu isto ou aquilo”? Não havia isto! Pode-se ler, por vezes falar-se a “malta”, que era a gíria da época, nós todos,” a malta tem que se decidir assim, a malta…”. As sugestões, as pessoas podiam aceitar ou não, mas falava-se sempre, mesmo que houvesse a liderança de alguém, este alguém não punha a discussão individualmente. Isto que estou a falar pode ser comprovado até nas actas do movimento que agora estão a disposição lá na Torre do Tombo, aprendidas pela PIDE, e isto é forte e é diferente do que nós podemos pensar noutros momentos, não é? E isto é importante para se decidir o destino colectivo.
SA- Quais têm sido as suas pesquisas agora, enquanto Antropólogo?
CS- Estou a estudar a história recente, e quando digo história recente não quer dizer de agora, não é? Tem algum passado. Por exemplo, comprei e agora acabei de comprar um exemplar, algumas memórias dos mais velhos que alguns estão até a falecer, e continuo muito interessado exactamente nestes aspectos deste período que no fundo às memórias cobrem este período da história recente, sobretudo aquilo que as pessoas deram importância ou por vezes também esquecem. Esta questão do esquecimento também é um facto politico e histórico: a amnésia também é dirigida. Temos que estar atentos e fazer uma pesquisa, mas no fundo é isto. Já tenho neste momento catorze a quinze volumes de memórias ou biografias. Por exemplo o Viriato não fez memórias, mas já saíram dois livros sobre o Viriato, também está incluído no meu trabalho, porque foi uma pessoa importante na história de Angola e penso que continua ser na medida em que há pelo menos dois livros sobre ele, não é? É um pouco isto e ao mesmo tempo e também é histórico não é uma coisa actual, mas estou a ver a questão das genealogias das linhagens, das famílias sobretudo luandenses onde circulam de certa maneira à criação e renovação das elites dentro deste número que não sou eu que iniciei. Mário Pinto de Andrade, (em entrevista a Michel Laban) fala disso. Quem eram as famílias mais importantes e quem começou a entrar nelas. Alguns destes indivíduos que foram nossos heróis nacionais, como os Boavida e outras famílias, pelo “casamento de aliança”. Como é que os generais do Sul quando estabeleceram novas relações com o poder central (MPLA), durante o conflito, para obterem uma certa legetimidade reconhecida. Era através de um casamento de aliança com as senhoras da capital. Não enumero estas pessoas, claro que não vou falar aqui, mas estão nos jornais, nos semanários, no Jornal de Angola etc. estas informações são públicas, não é? Isso mostra que a questão da construção da genealogia também é uma construção politica e está aí para as pessoas verem e reflectirem sobre estas questões.
——————————–
01 de Janeiro 2012 – Jornal de Angola – Norberto Costa
Nascido a 19 de Março de 1928 o poeta de “Makezu” morreu fulminado por um ataque do miocárdio a 6 de Junho de 1973 com apenas 45 cacimbos cinzentos do ambiente telúrico que tão bem soube cantar nos seus versos em ruptura permanente com o cânone literário então vigente à luz da estética e ordem coloniais.
Gente amiga pediu-me que falasse de Viriato da Cruz, uma das vozes mais salientes no processo diacrónico de (re)fundação da Literatura Moderna Angolana, “démarche” que se processa não só através das leituras que lhe vinham do Brasil, mas, sobretudo, lançando luz sobre o resgate da rica tradição literária angolana engendrada desde os finais do século XIX e princípio do XX até ao princípio dos 1930 e anos subsequentes da mesma década, pelos chamados precursores da literatura angolana, tais como Cordeiro da Mata, Apolinário Van-Dúnem, Fontes Pereira, passando por Paixão Franco e desembocando em Assis Júnior e Óscar Ribas, sem esquecer a segunda fase de Castro Soromenho, na assumpão do facho nativista. Cumpre-nos, pois, prestar tributo à atenção dispensada, desde o ressurgimento do “Vida Cultural”, por esses e outros leitores assíduos. Os votos de apreço que temos recebido são disso um forte indício, pelo que desde já retribuímos com a devida vénia.
Viriato Francisco Clemente da Cruz nasceu a 19 de Março de 1928, na antiga vila portuária do Porto Amboim, o principal interposto comercial da provÌncia do Kwanza-Sul, onde se escoava a maior riqueza de Angola – o café – na época em que atinge a maturidade psíquica e literária, entre a segunda metade dos anos 40 e o dealbar dos anos 50, entre outros produtos que faziam mexer a economia da colónia de Angola, como o sisal e o algodão.
Contrariamente à maior parte dos homens de letras, cedo começou a abalançar-se na prática do ensaio literário. Depois viria a poesia e a reflexão doutrinária à luz da teoria de inspiração marxizante, traduzido na redacção do “Manifesto” do MPLA, em Dezembro de 1956, redigido durante 15 dias, a suas expensas, na então chique Pensão Magestic, nas imediações do sugestivamente Cine Colonial, convertido em Cine Popular depois da independência.
Em 1946, aos 18 anos, publica um ensaio literário intitulado “A Arte Antiga e a Arte Moderna”.
Depois viriam os poemas marcantes do regionalismo da terra, através dos poemas encantatórios do Bairro Operário, bairro onde cresceu e viveu até à sua partida para o exílio.
(Certo dia, passando pelo “B.Ó.”, nas imediações do falecido mercado Beato Salú, senti o pulsar da poesia de Viriato da Cruz, profundamente enraizada nos hábitos da nossa terra e da nossa gente., com a invocação da kissângua, acompanhada da cola e gengibre).
Poeta angolano, Viriato da Cruz nasceu em 1928, em Porto Amboim, e veio a falecer vítima de um ataque do miocárdio em 1973, no exílio, em Beijing (Pequim).
Considerado um dos mais importantes nomes da geração de poetas pré-angolanos, Viriato da Cruz procurou as suas raízes africanas, sem, no entanto, perder as referências culturais portuguesas. Através do uso da língua portuguesa, se bem que polvilhada de palavras dialectais e adaptando a escrita à fala crioula, buscou incessantemente os símbolos da civilização africana perdida, como elementos regeneradores de todo um povo em busca da sua identidade. Essa ideia está bem expressa no poema Namoro, onde o apaixonado só consegue conquistar a sua amada quando se liberta das símbolos europeus e dança com ela uma rumba bem africana.
Os seus poemas tanto são um grito de esperança (veja-se Mamã Negra , onde clama pelo «dia da humanidade») como um olhar nostálgico sobre os valores africanos (considerem-se os versos de Makèzú: «Todo esse povo / Pegô um costume novo / Qui diz qué civrização: / Come só pão com chouriço / Ou toma café com pão… (…) Pruqué qui vivi filiz / E tem cem ano eu e tu? // – É pruquê nossas raiz / Tem força do makèzú!…»).
Em 1948, Viriato da Cruz lançou o mote: «Vamos descobrir Angola». A frase tornou-se lema para os intelectuais angolanos que, dois anos depois, fundaram o Movimento dos Novos Intelectuais de Angola, com Viriato da Cruz como um dos elementos mais activos. Esse movimento foi responsável pela publicação da revista Mensagem , onde o grupo exprimiu o seu entusiasmo pela redescoberta da História e arte popular africanas, como contraponto a uma colonização que, fruto do endurecer da repressão por parte do regime ditatorial de Salazar, estava a sofrer uma contestação cada vez mais exacerbada. Nessa revista foram publicados alguns dos mais conhecidos poemas de Viriato da Cruz, tais como Makèzú ou Mamã Negra .
Vítima dos seus ideais, numa altura em que se intensificava a repressão, Viriato da Cruz publicou apenas poemas dispersos em várias publicações na década de 50, antologiados em 1961 no livro Poemas . A década de 60 foi marcada em Angola pelo início da Guerra Colonial e pelo exílio de grande número de intelectuais angolanos, o que ocasionou o desvanecimento da criação literária que, apenas uma década antes, parecia florescer. A publicação de poemas de Viriato da Cruz – que então circulavam abundantemente de boca em boca – cessou. Apesar de ter publicado apenas meia dúzia de poemas, todos eles são conhecidos de cor entre os povos de expressão portuguesa, principalmente porque foram musicados por vários artistas.
Viato da Cruz abandonou a poesia, que considerava uma “arte menor”, para se entregar totalmente à política.
Nos princípios dos anos 50 transfere-se para o Sul de Angola, na Huíla, onde trabalha na área administrativa da fábrica Singer. De regresso a Luanda funciona como contabilista, tal como o poeta António Jacinto, seu companheiro de geração literária e correligionário íntimo, que lhe viria a cortar ou aumentar uma ou outra vírgula naquilo que ficou famoso como o Manifesto do MPLA.
Com este poeta do Kiaposse, os escritores Domingos Van-Dúnem, Aristides Van-Dúnem e Mário António, fundam, em 1955, o Partido Comunista Português de Angola. Por essa altura, a luta clandestina era marcada entre outras armas de arremesso político, com a distribuição de panfletos à calada da noite, escritos subversivos onde que se criticava a política nefanda de exploração colonial dos nativos e se dirigiam apelos à luta libertadora.
Cedo se revelaram os dotes litetrários, quando em 1946, aos 18 anos, publica o seu primeiro ensaio literário no jornal “Farolim”.
Entre outros ensaios literários, publicou em Setembro de 1946, um dedicado à “A arte antiga e a arte moderna”, onde analisa entre outras questões estéticas as conexões entre o fundo e a forma, depois de fazer uma avaliação sobre a evolução da arte, em geral, e da literatura, em particular, no mundo.
Consta igualmente a formulação teórica do movimento vamos descobrir Angola onde “incitava os jovens a resgatar o espírito combativo dos pioneiros da literatura angolana, apelando a uma renovação estética, sem concessão aos caçadores do exótico; uma renovação ,“baseada no senso e na razão africanos” – escrevia ele.
Além doutros textos ensaísticos dispersos no país e no estrangeiro, emprestou a sua colaboração a uma revista de artes e letras da extinta RDA, onde escreveu um artigo sobre a literatura angolana que lhe foi encomendado pelos seus editores.
Intelectual “engagé”, em finais de 40 e 50 está à testa do “Movimento dos Novos Intelectuais, preocupados em devolver a dignidade aos seus irmãos despossuídos, exaltando-os na sua poesia, figura tipológica traduzida em “ai, Benjamin, sujo, esfarrapado e descalço levei-o ao baile do sr. Januário”. Ele manifesta uma identificação com o seu personagem, situado no último degrau da escada social. Estas motivações, inquietações sociais vão marcar a sua poesia.
Das preocupações sociais à radicalização política do ser social vai… um passo de cobra, ou tudo se opera ao mesmo tempo à medida que vai tomando consciência das condições de exploração em que vivia mergulhadas as gentes humildes dos musseques; personagens centrais dos seus raros poemas dialógicos, como a avô Naxa, com quem o sujeito de enunciação do seu discurso poético partilha valores simbólicos, enformam toda uma cultura urbana e rural. “Estão a dizer que é civrização”, interroga-se a velhota com a força do “Makezu”.
Em 1951 envia a Lisboa uma comunicação, saldando assim a sua participação no âmbito dos debates do centro de estudos africanos, animados entre outros prelectores, por poetas e intelectuais oriundos das cinco colónias portuguesas, designadamente os seus conterrâneos Mário Pinto de Andrade, Agostinho Neto e Humberto Machado, além de Amilcar Cabral, José Tenreiro e Marcelino dos Santos.
O CEA era o centro de discussão cultural e agitação política, ainda que embrionária, que pretendia, entre outros objectivos, resgatar a identidade cultural africana, violentada pela agressão cultural protagonizada pelos aparelhos(ideológicos) coloniais, através da “reabilitação dos valores nativos destruídos” e dar a conhecer ao mundo as realidades dos seus países de origem.
Conforme reza a História, corria o ano de 1956: retirado às suas expensas no Hotel Magestic, em Luanda, redigiu durante duas semanas aquele que viria ser adoptado anos mais tarde, como sendo o doutrinário manifesto do MPLA, numa conferência em Túnis (rompendo-se com a FRAIN), revelando-se assim um dos mais ardentes protagonistas e sólidos teóricos do “mais amplo Movimento Popular de Libertação de Angola”.
Embrenhado nos valores uma vivência intensa no combate clandestino no Bairro Operário e arredores, em 1957 passa por Lisboa e reúne-se com um círculo restrito de nacionalistas africanos em casa de Amilcar Cabral.
Em 1958, com a PIDE à sua ilharga, foge para Paris, onde vai integrar com Mário de Andrade, Amilcar Cabral, Guilherme Espírito Santo, Aquino de Bragança e Marcelino dos Santos o núcleo dirigente do movimento nacionalista das cinco colónias portuguesas, organizado em torno do MAC (Movimento Anti-Colonial), fundado por esse grupo jacobino em Paris, numa reunião de estudo e consulta.
Em 1960 está em Conacry onde se instala a direcção do MPLA, de que fazem parte Mário Pinto de Andrade (presidente), Viriato da Cruz (secretário-Geral), reverendo Domingos da Silva (vice- presidente), o médico Eduardo Macedo dos Santos, o seu incondicional Matias Miguéis, Manuel Lima (secretário para a defesa, acabado de desertar do exercito português, onde foi o primeiro alferes miliciano negro, para juntar-se ao Movimento de Libertação Nacuional), o médico Hugo de Menezes, o primeiro a aportar à capital da Guiné de Sekou Touré.
Em 1962/63, rompe com o MPLA (por incompatibilidades de relacionamento pessoal e insanáveis querelas ideológicas com Agostinho Neto, a quem acusava de ser um “agente português”, pela forma miraculosa como fugira de Portugal, com ajuda do PCP), já em Leopoldoville actual RDC. Por essa altura, vale lembrar, o movimento nacionalista urbano em Luanda encontrava-se disperso em células clandestinas reunidas em várias siglas como a UPA, MIA, PLUAA e MINA, este último capitaneado por Agostinho Neto, Joaquim Pinto de Andrade e Pedro Pacavira. Os três últimos agrupamentos políticos fundidos com a ala do efectivo “leadership”, baseado em Conacri, dariam lugar ao MPLA nos primórdios dos anos 60, movimentando-se no eixo Conakri- Brazzaville- Kinshasa e clandestinamente em Luanda, apesar da decapitação da sua liderança interna, aprisionada, e da detenção, igualmente, do grosso dos seus militantes e aderentes da causa nacionalista.
O período da vida de Viriato da Cruz passada na China Popular reveste-se ainda hoje de um manto de mistério e de fascínio. A publicação da correspondência de Monique Chajmowiez / Viriato da Cruz, então exilado na China e da entrevista quê Monique dá a Christine Messiant e a Michel Laban, pela Editora Chá de Caxinde, em Luanda, têm o mérito de rasgar esse véu tenebroso e permitir-nos, pela primeira vez, compreender a imensidão do drama que os dirigentes comunistas chineses impuseram a Viriato da Cruz, à sua mulher Eugénia e à sua filha, o sofrimento e a solidão espiritual, a terrível sensação de clausura e o sentimento de se encontrarem totalmente cortados do mundo. Viriato traduz esses sentimentos na carta de 23.07.1971 a Monique:… “L’éxilé pai-tout est seul; mais, ici, il l’est beaucoup plus qu’aílleurs.”
Ao decidir mergulhar num país longínquo e distante do teatro da luta de libertação em Angola, luta de que ele fora um dos principais impulsionadores, ao criar, em Luanda, dez anos antes, o Partido Comunista Angolano, Viriato assume uma gravíssima decisão que o iria afastar da realidade africana e transformá-lo gradual mas inexoravelmente num refém da máquina orwelliana chinesa.
Aceitando o cargo de dirigente da facção pró chinesa da Organização dos Escritores Afro Asiáticos [com sede pró soviética no Cairo], e ao comungar intensamente, nos primeiros tempos, nos acontecimentos da Revolução Cultural que agitaram profundamente todas as camadas sociais da China Popular, Viriato entendia ser coerente consigo próprio dando um total apoio ao país que encarnava as esperanças da humanidade, ajudando os camaradas chineses a consolidar e aprofundar a revolução.
É certo que os dirigentes chineses receberam de braços abertos o revolucionário africano que tinha demonstrado uma enorme capacidade criativa e mobilizadora ao fundar e organizar o MPLA, primeiro em Conackry e, depois, no Congo Leopoldville. Os chineses entendiam que Viriato da Cruz poderia facilitar a penetração ideológica do socialismo maoista no continente africano, e que, possivelmente, poderia vir a recuperar as posições perdidas na direcção do único movimento progressista angolano. Uns e outros enganavam-se redondamente. Daí nasceu um grave malentendido com consequências trágicas para Viriato e para a sua família.
Monique mostra de maneira subtil que as expectativas mútuas, tanto de Viriato como dos comunistas, saíram profundamente goradas alguns anos depois da sua chegada a China, sobretudo após o périplo pelas capitais Africanas de uma delegação da Organização dos Escritores Afro Asiáticos (OEAA). No final da viagem de regresso a Pequim, Viriato elabora a pedido dos dirigentes chineses, um relatório sobre os resultados políticos desse périplo africano. Viriato estava longe de ter a mesma visão optimista dos chineses sobre a eminência da Revolução Mundial. Viriato estimava que os países africanos ainda não tinham condições objectivas para realizarem a revolução socialista, mesmo os mais progressistas, como o Mali, a Guiné e o Gana. Longe disso. Apesar da sua posição frágil na China Popular, dependente dos favores do dragão chinês, ele não modifica as suas conclusões.
Ao recusar-se corrigir o seu relatório político dirigido às cúpulas chinesas, Viriato demonstrava, por um lado, uma grande firmeza de julgamento, mas, por outro, ausência de pragmatismo e de flexibilidade. Esses aspectos do seu carácter já lhe tinham valido graves dissabores na sua curta vida política aquando da crise de 1962 – 63, no seio do MPLA. O relatório pessimista elaborado por Viriato ia contra a doutrina maoista da iminência da revolução mundial.
Á medida que a Revolução Cultural evoluía e se aprofundava, alterando as estruturas sociais e económicas tanto nos meios urbanos como rurais, arrastando imensos dramas individuais e colectivos, tal malestrom que tivesse varrido a imensidão da China ao belo prazer de dirigentes orweilianos, os chineses apercebem-se de que Viriato se distanciava cada vez mais das teses maoistas. Não conseguimos, no entanto, compreender a atitude dos chineses em manter refém Viriato da Cruz, quando seria mais simples expulsá-lo definitivamente da China. Mas os chineses temiam a inteligência superior de Viriato e das consequências negativas que ele poderia causar à causa maoista, se ele saísse da China.
Monique mostra-nos também o que foi a luta titânica mas infrutífera de Viriato Cruz para tentar fugir às garras do dragão chinês e obter o apoio de dirigentes africanos de passagem por Pequim. A recusa sistemática dos vários líderes africanos pressentidos em atribuir-lhe um título de viagem que lhe permitissem sair da China, o desinteresse revelado pêlos angolanos então residentes em Pequim pela dramática situação da família Cruz, mostra o abismo entre as afirmações sobre os valores de respeito e de solidariedade entre africanos e a sua tradução na prática.
Os últimos tempos da vida de Viriato de sua família foram de um dramatismo extremo, levando Viriato a actos que revelavam os tremendos os tremendos conflitos que atravessavam a sua mente. As graves carências alimentares fragilizaram-no e conduziram-no a uma morte precoce, na maior miséria física e espiritual. No entanto, derradeira humilhação foi a maneira abjecta como levado para o cemitério dos estrangeiros entaipado entre quatro tábuas, transportado num camião militar. Penso que o povo angolano não esquecera jamais esta afronta feita pelos dirigentes comunistas chineses a um dos principais lideres do movimento nacionalista que ainda hoje dirige os destinos de Angola.
Esse notável revolucionário angolano, que fizera do marxismo o seu farol ao ponto de procurar esclarecer Monique sobre aspectos fundamentais dessa filosofia, e de tomar descabidamente posição na gigantesca luta entre as várias facções chinesas, umas a favor outras contra as teses maoistas, experimentou na sua própria carne as consequências da adopção de uma intransigente liberdade intelectual individual nos antípodas do sistema colectivista de negação total dos direitos individuais da condição humana e do homem como ser pensante.
Viriato da Cruz morreu, vítima dos seus próprios ideais, das suas profundas contradições humanas e políticas ao longo da sua curta vida, mas também da total ausência de solidariedade dos seus compatriotas africanos a quem ele dedicara toda a sua vida.
Os depoimentos de Monique Chajmowiez tem um grande interesse político e humano permitindo ao leitor angolano aperceber-se do carácter e da personalidade daquele que foi um dos fundadores e arquitecto do MPLA.
Infopedia
Wikipedia
Fonte: Club-k.net
Edmundo Rocha, Lisboa, 25.08.2003
—————————————
25 Dezembro 2010
Viriato da Cruz foi o ideólogo da angolanidade, diz antropólogo
Luanda – Carlos Serrano, antropólogo, angolano nascido em Cabinda, é professor de Antropologia na Universidade de São Paulo (a muito conhecida USP), que é a maior e uma das mais importantes universidades existentes nos espaços de língua portuguesa. A seguir, apresentamos uma conversa mantida à margem do IV Encontro da História de Angola, decorrido no final do mês de Agosto aqui em Luanda. Nessa ocasião, o professor Serrano apresentou o tema: “Angola – Manifestos, Programas e discursos na Formulação de uma Identidade”.
SA- Que importância tem esse tema na formulação da identidade angolana, professor?
CS- Bom, acho que esta apresentação serve para dar continuidade ao meu trabalho que foi publicado em livro em 2009, que está ai no mercado angolano, tenho estado a trabalhar sobre a questão da identidade até porque já venho algum tempo a trabalhar sobre esta temática, e chego a conclusão que há diversas formas de abordar este tema, e um deles, que achei importante, e que tenho estado a pensar, tem a ver com a questão que vem dos anos 1940-50, sobre os discursos e formas de representação desta matéria pelos jovens da época que vieram a dar nas lideranças e fundadores do movimentos, principalmente no caso do MPLA, e como é que eles começaram abordar a questão da identidade. Primeiro, antes mesmo de falar de identidade, há necessidade de se criar uma ruptura com o discurso colonial, e a partir dai o angolano se tornar sujeito do seu próprio discurso, que não sejam mais os outros a falarem por ele.
Bem, mas isso tem alguns problemas, não é? E a forma, no meu entender, foi através das manifestações culturais que era à única maneira legal, na medida que havia uma grande repressão, de poderem começar a dialogar e a formular este problema. Bem, o interessante é que eu falo de jovens, e realmente eram todos muito jovens, o que já é uma característica dessa ruptura, quer dizer, nós sabemos que nossa sociedade é hierarquizada, também pelas faixas etárias, e que os mais velhos têm de certa forma uma hegemonia do discurso não é? Esta geração para mim, parece ser exactamente a geração de ruptura. Primeiro por serem jovens, e não compactuar mais, não que os mais velhos compactuassem, mas tinham algum receio, penso que este jovens tiverem este voluntarismo, esta vontade de superar esta geração, dai marca esta ruptura, que se faz primeiro a nível deste discurso cultural. Então, tenho impressão que a geração de 1950, sobretudo o grupo que tem como palavra de ordem ”Vamos Descobrir Angola!” é sem dúvidas, um marco, não que este seja definitivo não é? Tudo eu afirmo, nunca tenho como verdades definitivas não é?…(Risos). Mas foi para mim o grupo mais representativo, fez um Jornal à “Mensagem” que já estava a pensar nisso, a Mensagem, é uma Revista, onde as pessoas falavam de Angola, dos valores culturais angolanos, bem, então esta é uma primeira ruptura, ai não se vê explicita em nenhum momento da publicação alguma coisa que se refere a Portugal, ou que se refere algo assim, e há intenções, não é? Há um poema logo no inicio que eles devem congregar-se na diferença de todos ou na unidade, alguma coisa do género, isto é importante porque é isto que vai dar esta unidade, que é o primeiro p+asso para de pensar, não se pode lutar individualmente, tem que se ver a formação de um eu colectivo, e ao mesmo tempo ver –se à forma de se manifestar colectivamente, todos os intelectuais neste sentido, dai então eles marcaram sem duvidas um marco. Bom! Mais isto não é suficiente, nós aprendemos que toda ruptura no domínio intelectual do século XIX, é marcado por manifestos, então um o manifesto é sem duvidas o momento de ruptura, e existem vários manifestos na década de 50, não há apenas um, que vão culminar, as datas não importam, se é em 1958, ou 1960, há muitas discussões sobre isto, mas o manifesto do MPLA, é um deles que vai talvez ser o que melhor vai reflectir sobre esta questão da identidade de Angola, de criar Angola. Então, aquilo que eu dizia “ Vamos Descobrir Angola!” é uma frase polissémica, que não quer dizer “descobrir”, se já existe, não é? Ela pode redescobrir ou construir não é? No fundo isto não se podia dizer, não se podia dizer “ Vamos Construir Angola” seria uma coisa muita explicita.
Bom! Então o projecto cultural “Vamos descobrir Angola” vai mostrar essa aspiração dos jovens intelectuais de forma legal, como sabe todos manifestos políticos da época eram clandestinos. Este projecto é uma parte cultural positiva e legítima que pertencia a revista “Mensagem” da “Anangola” (Associação dos Naturais de Angola) e que podia escrever sobre esta matéria. Os manifestos não, os manifestos e panfletos que circularam em Luanda naquela época, eram de carácter reivindicativos e de denúncias. Ao mesmo tempo, a reivindicação última é esta: vamos lutar pela nossa independência, mas não se diz, como nem quando, tão pouco a forma. Já o manifesto do MPLA, mais tarde, retoma uma análise histórica e de estrutura de classes sociais, económicas da chamada colónia de Angola, para mostrar que o povo estava ser explorado e ao mesmo tempo, dar caminhos para libertação, tudo isto culmina de certa maneira, que vai dar num programa, isto é, o manifesto é um projecto politico que vai de encontro as aspirações do povo, mas não é a forma última para se alcançar isto, tem que haver um programa que é a forma que coloca em prática o manifesto deste projecto politico, o projecto é uma coisa abstracta e teórica, mas o programa não, vai dizer como e por quê? O programa que tenho como exemplo é o programa do MPLA, de 1963, que foi o primeiro programa, que vai dizer item por item, o que é e o que vai ser a futura e por que é que estão a lutar. Estão a lutar para que não haja diferenças até mesmo culturais e étnicas, vai se considerar, exactamente estas diferenças que como um dado cultural do povo inteiro, ao mesmo tempo então vai falar também que nestas diferenças alguns dos povos que constituem a nação angolana, vão e devem não só pesquisar as línguas próprias, está é uma reflexão sobre a diversidade cultural e o respeito a esta diversidade cultural, chega até a dizer que as pessoas que constituem os diversos grupos e que têm uma certa autonomia cultural local devem ser consideradas a possibilidade de construção destas autonomias culturais locais não é? Então, há toda uma série de itens que vão percorrer este programa que nos dão orientação daquilo que as pessoas não só pensam, mas que querem exactamente pensar o que vai ser Angola futuramente, não quer dizer que pára ai, não é? Claro que isto vai mudar com o tempo. É um processo. Como eu digo, o tempo da luta, há vários tempos, há o “tempo do imaginário”, o “tempo do antigamente da vida”, que era dos jovens intelectuais da época, em volta da revista “Mensagem” do “ Vamos Descobrir Angola!” etc.É um momento histórico, não é? O outro passa ser mesmo o “tempo da revolução””, é o que conduz ao Manifesto; que é a “ruptura”; ao programa etc. e que vai culminar com a luta e o processo que conduz ao “tempo da independência”, o momento que consagra exactamente aquilo que as pessoas estavam a lutar. Mas não pára aí, a partir deste momento é reformulada novamente a questão da identidade. A partir deste momento eu chamo do “tempo institucional”, o que está identificado com o Estado que se formula de forma diversa. Antigamente era o Estado colonial, a partir deste momento é o Estado nação Angola, que passa a ter um outro tratamento institucional e jurídico. O que é ser angolano? O que é que se define pela constituição? Mesmo assim, isto mudou já pelas diversas constituições que o país teve, que possivelmente ainda venha à mudar, porque a questão da construção da identidade, não se cristaliza e não é definitiva, ela vai com certeza ter alterações futuras, pensando sempre nesta construção da ideia de nação.
SA- Professor, gostava de ouvir de si mais dados sobre o manifesto de 1948 “Vamos Descobrir Angola!” teve apenas um substrato cultural ou terá sido mais abrangente?
CS- Não ele pode ter começado, e não acredito que tenha a intenção de se definir como meramente cultural, e só com esta finalidade, era a forma legal de luta possível dentro de legalidade, era o de constituir uma Revista, com fins culturais, que tinha poemas, mas está nas entrelinhas, por exemplo os poemas que aparecem do Viriato da Cruz, do António Jacinto e outros, que estabelecem também a mesma ruptura, quer dizer, deixou-se de escrever o português, ou as formas construtivas da estrutura da língua tal como se fazia no português ditado pela metrópole, naquele momento os poemas do Viriato e do Jacinto, têm já um léxico de palavras em Kimbundu e outras coisas e não falam apenas da natureza, falam das suas coisas, das coisas angolanas. O primeiro momento, digamos assim, de “eliminação” do colono estão nos textos literários, não precisamos mais falar destas coisas. A luta está aí e vai se dar. Aí sim é que vai haver outro tipo de animação. Agora, falar de “nós” é excluir o “outro”, da mesma maneira que eles fizeram connosco, nos excluíram da História e da Cultura. Então, aqui o processo ainda está dentro de uma identidade contrastiva, ou seja no fundo o colono construiu uma identidade própria para o colonizado (indicativa, prescrita). As categorias de “indígena”, e do “branco civllizado”, passam pela dimensão racial também, quer dizer, a identidade contrastiva é esta, quer dizer: são portugueses e são brancos, somos angolanos e somos negros. Mas esta questão do angolano vai ter uma reformulação da categoria racial também, quer dizer são os negros angolanos, são os mestiços, este ainda é um debate que vai se prolongando até os nosso dias. E, também os brancos que se identificaram com a maioria, com africanidade, com angolanidade, são minoria mas existem, até do ponto de vista literário etc. Bem, então ser angolano é alguma coisa que vai ser supra-étnico, supra-racial e unificado, quer dizer é um “Eu” colectivo, e é isto no fundo que vai orientar sempre a construção da identidade nacional.
SA- Professor, se no manifesto de 1948 estava subjacente o lado político, sob a panóplia cultural no de 1956, está bem visível a componente politica…
CS- Sim, o António Jacinto já dizia que até ao movimento “Vamos Descobrir Angola!” já tem um carácter politico, mesmo que não seja manifesto explicitamente, mas ele possui exactamente esta intenção em si, está implícito. Mas como é evidente, o manifesto é já alguma coisa para acção mesmo, não é? O manifesto não é só uma ruptura literária de construção do imaginário, mas é alguma coisa propõe acção para se conseguir essa independência, não é? E ai sim é o manifesto político na verdadeira acepção da palavra.
SA- Estes dois manifestos saíram do punho do mesmo autor. Em 1948, o primeiro Viriato da Cruz publicou-o na revista Cultura. Em 1956, já foi mais claro em termos de condão político, não é, professor?
CS- Sim! Conheci pessoalmente o Viriato não é? Ele dizia que haviam certos momentos de superação dos momentos que nós vivíamos, não disse a mim pessoalmente, mais há escritos de que ele diz: olha à questão cultural está superada, porque houve críticas na época. As pessoas, questionavam dizendo: O Viriato nunca mais escreveu poemas ele que foi o fundador de uma poesia angolana de angolanidade. E o Mário António questiona no seu livro, será que é porque ele não queria ou porque não sabia? Esta questão é um pouco crítica esta frase, claro que o Viriato sabia fazer, porque ensinou os outros, não é? Só que ele achava que aquela fase cultural já estava ultrapassada, tinha que passar uma nova fase que era uma fase de acção. Mais o manifesto não é de uma só pessoa, é o que sempre digo, claro que o Viriato foi sem duvidas o ideólogo e não se pode negar este facto, mas eu sempre parte desta concepção de era um núcleo de jovens e eram bastante jovens, que sempre partiam para formulação de alguma coisa sempre unitária, de unidade na construção daquilo que chamo do eu colectivo, e construir naquilo que Benedict Anderson chama de comunidade imaginada, e é isto que eles pensavam em conjunto, era o Viriato, era o António Jacinto, por exemplo o Ilídio Machado que pertenceu ao primeiro núcleo do partido comunista angolano, o Mário António que depois saiu, foi estudar para Portugal e não voltou mais, que também fazia parte daquele grupo era uma serie de jovens intelectuais da época, que faziam isto, talvez tivessem já nesta época a liderança do próprio Viriato isto eu não tenho dúvidas, então estas são formas de pensar sempre em conjunto, é esta a minha ideia.
SA- Em determinada passagem da sua comunicação, que fazia referência que no programa do MPLA, de 1963, “Nós queremos garantir a igualdade de todas as etnias em Angola” este dado era assim tão importante para época professor?
CS- Possivelmente em 1963, as pessoas também sabiam que para além desta diversidade, não é? A política colonial protegia algumas etnias e excluía outras. Para poder melhor governar, quer dizer aquele jargão que dizia dividir para melhor reinar, era realmente um processo usado pelo colonialismo. Então, esta ideia de igualdade, dos grupos étnicos mesmo minoritários de ter expressão e voz na construção da unidade devia ficar marcada no programa.
SA- Professor enquanto Antropólogo, gostaríamos que nos dissesse com rigor científico que a resposta merece, podemos dizer que Angola é uma nação?
CS- Eu digo desde o inicio, desde a formulação lá pelos mais velhos, antes mesmo de Angola ser independente, já estava a começar a ser construída a nação. A nação não é nada cristalizado: o Estado mudou, o Estado-nação há em qualquer parte do mundo, nunca parou, é um processo, e o processo vai mudando sempre. Então, a nação é algo em construção. Vai perguntar mais: a nação existe ou não existe? Existe, acho que existe na medida que as pessoas se identificam como angolanas. Há uma maka. Não queria falar disso agora… É da época contemporânea que eu sempre disse isto. No exterior, quando sou indagado pelas pessoas por questões deste género, tenho dito, durante a luta que houve durante trinta anos, houve cessação? As pessoas podiam estar a combater pela hegemonia do poder, pelo poder mais a separação, como se deu na Nigéria, e noutros lugares. Penso que não, nunca houve uma tentativa de cortarem Angola ao meio, e mesmo no lugar onde eu nasci, mesmo Cabinda, tenho impressão que há sempre a possibilidade de dialogo de conversação, para se conseguir aquilo que está no projecto de 1963, quando já se falava em autonomias locais. Isto não quer dizer separação. A concepção do programa de 1963, que era meio federalista, não que explicitasse isto, mais havia uma ideia implícita, e esta ideia penso que nem sempre pode ser posta de lado. Claro que há vários tipos de federação: federação suíça Helvética, à Nigéria, a Republica Federativa do Brasil. Não quero dizer que sejam todas iguais, mas há formas de reflectir a inclusão de todos dentro de uma só nação, e acho que não é forçado, as pessoas convivem a centenas de anos juntas, sobretudo no tempo colonial, não é? Permitiu que todos tivessem convivido e que tivessem até um inimigo comum, o que mobilizou as populações neste luta foi em parte o combate ao próprio colonialismo, o que uniu, as pessoas, elas estavam muitos ligadas aos seus locais. Isto sucedeu também na América Latina. A guerra, por mais terrível que tenha sido, leva as pessoas a se contactarem umas com as outras, e a ter noção do outro, o primeiro momento foram às cidades, na sua criação, às pessoas se encontrara nas cidades vindas de várias partes do país e regiões etc. Há uma outra, que foi o momento de mobilidade, quer dizer, o colonialismo não conseguir fazer com que cada um ficasse no seu lugar, porque a guerra, conduziu a que as pessoas todas se contactassem. Na América Latina também, não digo tanto o Brasil, mas os países de língua espanhola, o movimento levou Simon Bolívar, que veio desde o Sul do continente até a Venezuela, a construir uma guerra de libertação em diversos locais, ele é herói não só da Venezuela, era o grande individuo lutador, e isto levou a possibilidade e esta marcha grande levou a que as pessoas tomassem consciência dos seus problemas e contacto de pessoas que vinham do Chile, e da Argentina e que tenham vindo a tomar contacto durante a caminhada para as independências, não é? Que culminou lá em cima no Norte da Venezuela. Este movimento que é a guerra que ninguém quer mais, foi a única saída devido a intransigência do colonizador conduz a isto, que as pessoas comecem a se contactar umas com as outras e a ter noção supra Nacional, e a fazer que a sua identidade étnica seja de certa maneira, não posta de lado, não as pessoas não renunciam às suas etnias. Mas luta agora para uma unidade supranacional, quer dizer, isto evidentemente que não pára também, com as independências e com uma definição jurídica ou institucional, ela tem que ser construída, ai estão as diversas formas de construção através dos processos, por exemplo o Ministério da Cultura é um lugar onde estes debates, onde estas coisas devem ser colocadas, não é? É onde se colhem os elementos culturais das diversas partes do país, do ponto de vista antropológico, para poder dar a conhecer a diversidade do país. Claro que os meios de comunicação são essenciais para isto, quer dizer, Rádios, Jornais e Televisões, quer dizer, dar a conhecer ao mesmo momento ao país uma notícia do Norte, do Sul da Capital etc. Este é um dos elementos que participam da construção os meios de comunicação.
SA- A discussão sobre a questão da nação é realmente polémica. Há autores que dizem que não se pode falar em nação pelo facto de não termos língua nacional em comum, e de não haver elementos identitários em Angola, por vezes só a selecção nacional, mas também quando joga. Acha que se tivéssemos pelo menos adoptado o programa do MPLA, de 1963, sobre o federalismo, algumas guerras e mal entendidos teriam sido evitados, professor?
CS- Não! Não, isto seria possível se todos os movimentos aceitassem um programa, aquele programa, mais não foi necessariamente, os outros movimentos nacionalistas, não tinham sequer um programa, dizia-se não pude ler hoje o texto completo, mais tenho estado a recuperar discursos do Holden Roberto, do Agostinho Neto, do Lúcio Lara etc. sobre esta questão durante a luta, então o Holden… Bom, naquela altura o Savimbi pertencia a FNLA, talvez deste período descubro estes discursos do Holden. Será o povo angolano a discutir e decidir o que vai fazer no futuro. Então a nossa luta nesse momento referido é a de conseguir a independência. Penso que o MPLA terá começado desde o início. Era uma actividade… Falei com várias pessoas do tempo da luta, pessoalmente estive no exterior exilado na Argélia durante algum tempo, logo depois fui estudar, o Viriato da Cruz mandou-me estudar, disse-me “se quiseres ser útil vai estudar”, e fui estudar, foi de facto a melhor coisa que fiz, é pela educação que acho que é também um dos elementos fundamentais, aliás, foi dito por dos oradores deste painel, que também acho ser fundamental para construção da identidade em si. Bem, pode a ver várias concepções sobre esta questão mesmo até da língua, há pessoas que não aceitam que o português tenha se tornado também uma língua nacional. Temos o exemplo do Brasil, o português brasileiro, e as pessoas no Brasil gostam de falar assim, já não é igual ao português de Portugal, foneticamente e até palavras, tem se calhar uma maior identidade até com Angola, se você for falar no Brasil um xingamento, o Angolano sabe o que é xingamento, agora em Portugal não é insulto, e por ai adiante, não é? Foram muitos vocábulos para o Brasil, defendo que se deve analisar também a questão da língua do português de Angola, como alguma coisa que foi uma conquista, é uma conquista do angolano, a língua não é mais a língua do colonizador, como se costumava dizer. Agora, faz parte do parte do património angolano e se faz uso dela como o angolano quer e não como o outro dita. A língua é também alguma coisa que vai se modificando todos os dias, e recebe de fora dentro desta globalização uma serie de palavras de outros, durante muito tempo, com a presença de cubanos e soviéticos etc., e que hoje fazem parte também do léxico usado pelos angolanos, da nomenclatura etc. Uma série de palavras enfim, tudo isto é dinâmico, não é? E acho que o mais enriquece são as palavras emprestadas pelo povo dos vários lugares de Angola, claro que há uma forma, que o português escrito e o falado são diferentes, mais sempre foi, por altura da independência só havia 5% de pessoas alfabetizadas formalmente, mais já havia mais 40 ou 50% dos angolanos já falavam português, eram falantes, não tinha alfabetização completa, mais eram falantes. Para mim, estamos num país e entre os povos africanos em que a cultura oral é mais importante do que talvez pela escrita e é por ai onde se tem que compreender o português de Angola dentro desta manifestação de oralidade. Então é uma língua nossa? É, acho que é interessante ao mesmo tempo isto, demonstra que nós estamos a pensar no futuro e que não estamos somente presos neste processo de vitimas do colonialismo, fomos sim senhor, mais agora aquela questão que se fala, eu tenho uma outra ideia do “Homem Novo”, ele não é aquele que talvez se pretendia construir teoricamente do ponto de vista, não que eu, pelo contrário ainda me identifico com certos princípios, digamos assim socialistas etc. Mas não é esta concepção artificial do Homem Novo, o Homem Novo é aquele que nasce de uma situação de conflito mas que agora é uma situação de construção onde todos participam. Agora que as línguas nacionais têm que ser respeitadas e que têm que ir para Universidade etc. Também acho que sim, que é necessário, não que o português pode ser a língua mais falada e também nacional, que tenha privilégios, não é? As línguas onde existe esta densidade, é o que diz o Programa Mínimo sobre a densidade cultural, e fala que se devem respeitar as etnias, está-se falar também das línguas nacionais. Uma etnia é um grupo que tem uma língua própria, isto acho importante e é igual a qualquer país. Na França os Occitanos escrevem e falam a sua língua, os Bretões falam a sua língua, os Flamengos na fronteira do Dunquerque no Norte de França falam a sua língua, os Corços também falam a sua língua. Claro que há um domínio do gaulês, do mais eles até hoje não solucionaram os problemas étnicos ou diversidade cultural, até hoje.
SA- Das informações que tem, acredito que terá informações privilegiadas neste domínio, gostávamos de saber de si: quem foi o autor do slogan “Vamos Descobrir Angola!”, professor?
CS- Não sei! Eu convivi com estas pessoas, mas nunca ninguém me disse isto, eu continuo firmemente a pensar que deve ser sugestão de alguém (Mario de Andrade atribuía ao Viriato da Cruz), mas continuo a falar sempre no plural. Era um grupo, e este grupo pensava em conjunto. Há sempre uma ideia, uma sugestão de uma das pessoas, mas eu não sei. Aquilo que eles queriam dizer era pensado em conjunto. Os discursos, tenho analisado hoje muito os discursos, quando vou aos panfletos, vou aos manifestos, em todas as coisas, nas actas, as pessoas daquele tempo mesmo da luta sempre se manifestavam no plural. Dizer: “eu isto ou aquilo”? Não havia isto! Pode-se ler, por vezes falar-se a “malta”, que era a gíria da época, nós todos,” a malta tem que se decidir assim, a malta…”. As sugestões, as pessoas podiam aceitar ou não, mas falava-se sempre, mesmo que houvesse a liderança de alguém, este alguém não punha a discussão individualmente. Isto que estou a falar pode ser comprovado até nas actas do movimento que agora estão a disposição lá na Torre do Tombo, aprendidas pela PIDE, e isto é forte e é diferente do que nós podemos pensar noutros momentos, não é? E isto é importante para se decidir o destino colectivo.
SA- Quais têm sido as suas pesquisas agora, enquanto Antropólogo?
CS- Estou a estudar a história recente, e quando digo história recente não quer dizer de agora, não é? Tem algum passado. Por exemplo, comprei e agora acabei de comprar um exemplar, algumas memórias dos mais velhos que alguns estão até a falecer, e continuo muito interessado exactamente nestes aspectos deste período que no fundo às memórias cobrem este período da história recente, sobretudo aquilo que as pessoas deram importância ou por vezes também esquecem. Esta questão do esquecimento também é um facto politico e histórico: a amnésia também é dirigida. Temos que estar atentos e fazer uma pesquisa, mas no fundo é isto. Já tenho neste momento catorze a quinze volumes de memórias ou biografias. Por exemplo o Viriato não fez memórias, mas já saíram dois livros sobre o Viriato, também está incluído no meu trabalho, porque foi uma pessoa importante na história de Angola e penso que continua ser na medida em que há pelo menos dois livros sobre ele, não é? É um pouco isto e ao mesmo tempo e também é histórico não é uma coisa actual, mas estou a ver a questão das genealogias das linhagens, das famílias sobretudo luandenses onde circulam de certa maneira à criação e renovação das elites dentro deste número que não sou eu que iniciei. Mário Pinto de Andrade, (em entrevista a Michel Laban) fala disso. Quem eram as famílias mais importantes e quem começou a entrar nelas. Alguns destes indivíduos que foram nossos heróis nacionais, como os Boavida e outras famílias, pelo “casamento de aliança”. Como é que os generais do Sul quando estabeleceram novas relações com o poder central (MPLA), durante o conflito, para obterem uma certa legetimidade reconhecida. Era através de um casamento de aliança com as senhoras da capital. Não enumero estas pessoas, claro que não vou falar aqui, mas estão nos jornais, nos semanários, no Jornal de Angola etc. estas informações são públicas, não é? Isso mostra que a questão da construção da genealogia também é uma construção politica e está aí para as pessoas verem e reflectirem sobre estas questões.
——————————–
01 de Janeiro 2012 – Jornal de Angola – Norberto Costa
Nascido a 19 de Março de 1928 o poeta de “Makezu” morreu fulminado por um ataque do miocárdio a 6 de Junho de 1973 com apenas 45 cacimbos cinzentos do ambiente telúrico que tão bem soube cantar nos seus versos em ruptura permanente com o cânone literário então vigente à luz da estética e ordem coloniais.
Gente amiga pediu-me que falasse de Viriato da Cruz, uma das vozes mais salientes no processo diacrónico de (re)fundação da Literatura Moderna Angolana, “démarche” que se processa não só através das leituras que lhe vinham do Brasil, mas, sobretudo, lançando luz sobre o resgate da rica tradição literária angolana engendrada desde os finais do século XIX e princípio do XX até ao princípio dos 1930 e anos subsequentes da mesma década, pelos chamados precursores da literatura angolana, tais como Cordeiro da Mata, Apolinário Van-Dúnem, Fontes Pereira, passando por Paixão Franco e desembocando em Assis Júnior e Óscar Ribas, sem esquecer a segunda fase de Castro Soromenho, na assumpão do facho nativista. Cumpre-nos, pois, prestar tributo à atenção dispensada, desde o ressurgimento do “Vida Cultural”, por esses e outros leitores assíduos. Os votos de apreço que temos recebido são disso um forte indício, pelo que desde já retribuímos com a devida vénia.
Viriato Francisco Clemente da Cruz nasceu a 19 de Março de 1928, na antiga vila portuária do Porto Amboim, o principal interposto comercial da provÌncia do Kwanza-Sul, onde se escoava a maior riqueza de Angola – o café – na época em que atinge a maturidade psíquica e literária, entre a segunda metade dos anos 40 e o dealbar dos anos 50, entre outros produtos que faziam mexer a economia da colónia de Angola, como o sisal e o algodão.
Contrariamente à maior parte dos homens de letras, cedo começou a abalançar-se na prática do ensaio literário. Depois viria a poesia e a reflexão doutrinária à luz da teoria de inspiração marxizante, traduzido na redacção do “Manifesto” do MPLA, em Dezembro de 1956, redigido durante 15 dias, a suas expensas, na então chique Pensão Magestic, nas imediações do sugestivamente Cine Colonial, convertido em Cine Popular depois da independência.
Em 1946, aos 18 anos, publica um ensaio literário intitulado “A Arte Antiga e a Arte Moderna”.
Depois viriam os poemas marcantes do regionalismo da terra, através dos poemas encantatórios do Bairro Operário, bairro onde cresceu e viveu até à sua partida para o exílio.
(Certo dia, passando pelo “B.Ó.”, nas imediações do falecido mercado Beato Salú, senti o pulsar da poesia de Viriato da Cruz, profundamente enraizada nos hábitos da nossa terra e da nossa gente., com a invocação da kissângua, acompanhada da cola e gengibre).
Viriato da Cruz escreveu pouco mais que meia dúzia de antológicos poemas, que entraram definitivamente para história cultural do seu país. Entre eles estão o magistral “Namoro”, “Makezu”, “Sô Santo”, “Canto de Esperança” e “Serão de Menino”, este último a fazer apelo ao imaginário da tradição oral.
Além dos poemas citados e mais conhecidos, recentemente tomámos conhecimento de alguns outros poemas da sua autoria, como o dedicado à cidade de Sá da Bandeira, actual Lubango, onde trabalhou, no princípio dos anos 50, como funcionário publico.
Como é sobejamente sabido, a literatura tem a função também de documentar uma determinada época, através da imaginação, do engenho e do talento criador dos autores que lhe dão corpo. É o caso do poeta oriundo de Porto Amboim. O ambiente bucólico das paisagens da sua infância não deixam de marcar a sua poesia, bem como a tradição oral vertida nas rodas dançantes nocturnas no subúrbio de Luanda, para onde haviam sido impelidas as populações nativas, com a ocupação progressiva do litoral, em virtude do povoamento branco. Tais particularismos físicos e sociais vão marcar a dinâmica criativa da sua geração literária, a geração da “Mensagem”, sendo que o resgate dos valores culturais nacionais assumem a crista da onda na contestação da ordem colonial. O núcleo temático dos seus poemas falam por si: a degradação do homem angolano despojado, tipo “Sô Santo”, o contrato, reedição da escravatura em pleno século XX, tema privilegiado dos seus coetâneos, como António Jacinto, Agostinho Neto e Mário Pinto de Andrade, este último escrevendo o seu poema “Muimbu ua Salabu” em kimbundu, radicalizando a ruptura cultural com a ordem jurídico-política instituída, manifestando um identidade distinta da potência colonial. O seu coetâneo cultiva e viabiliza literariamente a proibida língua materna (a “língua do quintal”, com que falava com a madrasta e o criado).
A manifestação identitária não se restringe, em Viriato da Cruz, ao plano linguístico e atinge outros patamares, incluindo o antropológico. A procura da identidade com o negro norte-americano e de todo mundo, espalhado nas Antilhas, em França, Portugal e Inglaterra, com destaque para os escravos. Os embarcadiços mensageiros que rasgam o Atlântico, por via dos cruzadores oceânicos, é uma das variáveis discursivas da sua geração, como ocorre no seu “Canto de Esperança”, cujo título guarda intertextualidade com “Sagrada Esperança” de Agostinho Neto, dedicado a “todas as mães negras cujos filhos partiram”. Cantando a esperança Viriato invoca o dia da liberdade, o dia da humanidade.
Aqui captam-se influências, confluências e leituras individuais e geracionais, como já ficou visto. A dedicatória a Jacques Roumain, a quem dedica este poema épico, fala por si.
Destarte, o poeta também era prosador. Havia escrito um romance que se extraviou no seu tirocínio pelo mundo, no vasto triunvirato por si percorrido – África, Europa e Ásia, onde foi locutor dos serviços de língua portuguesa da Rádio China.
O poeta Viriato da Cruz, “animal político” por excelência, morreu amargurado e desiludido na China, em Junho de 1973, por ter apostado vez por outra no cavalo errado em termos de adesão: feito “corpo estranho” no GRAE da FNLA e de Holden Roberto, após ruptura por “insanáveis” divergências político-ideológicas com a liderança do movimento que ajudara a fundar, e a opção geo-estratégica que lhe valeu a fatal vingança chinesa, em virtude da sua apurada contestação do culto da personalidade a Mao Zedong, nos seus próprios domínios, além de não pactuar com a leitura das autoridades que lhe acolhiam sobre a evolução das estruturas sociais em África. Exilado na China, viu ser-lhe tirado o tapete e morreu na maior miséria franciscana deste mundo, sem o que prover a si e aos seus.
De resto, vale sublinhar que as ressonâncias da integridade espiritual africana da poesia de Viriato da Cruz tem encontrado ressonâncias em alguns autores da nova vaga, que experimentam, entre outros recursos, o bilinguismo e a poesia dialógica, cultivada pelos autores em alguns dos seus textos poéticos, resgatando uma vibrante tradição literária angolana, em contraposição com a visão da portugalidade e o mito do lusotropicalismo, e (re)afirmando a angolanidade.
Paz à sua alma no Alto das Cruzes e arredores por onde circunda a sua alma, depois da trasladação das suas ossadas, em 1990(?), da China para Angola, sua terra bem amada, cujos desencontros da vida, conforme canta Bonga, lhe matou de desgosto de tanta saudade da Pátria, porque tanto dera no seu denodado combate de intelectual “engagée”.
O poeta morreu fulminado por um ataque do miocárdio. Desde então deixou de bater o coração do poeta mas a sua poesia continua viva e profunda, inspirada na força telúrica da afirmação da idiossincrasia angolana.
Além dos poemas citados e mais conhecidos, recentemente tomámos conhecimento de alguns outros poemas da sua autoria, como o dedicado à cidade de Sá da Bandeira, actual Lubango, onde trabalhou, no princípio dos anos 50, como funcionário publico.
Como é sobejamente sabido, a literatura tem a função também de documentar uma determinada época, através da imaginação, do engenho e do talento criador dos autores que lhe dão corpo. É o caso do poeta oriundo de Porto Amboim. O ambiente bucólico das paisagens da sua infância não deixam de marcar a sua poesia, bem como a tradição oral vertida nas rodas dançantes nocturnas no subúrbio de Luanda, para onde haviam sido impelidas as populações nativas, com a ocupação progressiva do litoral, em virtude do povoamento branco. Tais particularismos físicos e sociais vão marcar a dinâmica criativa da sua geração literária, a geração da “Mensagem”, sendo que o resgate dos valores culturais nacionais assumem a crista da onda na contestação da ordem colonial. O núcleo temático dos seus poemas falam por si: a degradação do homem angolano despojado, tipo “Sô Santo”, o contrato, reedição da escravatura em pleno século XX, tema privilegiado dos seus coetâneos, como António Jacinto, Agostinho Neto e Mário Pinto de Andrade, este último escrevendo o seu poema “Muimbu ua Salabu” em kimbundu, radicalizando a ruptura cultural com a ordem jurídico-política instituída, manifestando um identidade distinta da potência colonial. O seu coetâneo cultiva e viabiliza literariamente a proibida língua materna (a “língua do quintal”, com que falava com a madrasta e o criado).
A manifestação identitária não se restringe, em Viriato da Cruz, ao plano linguístico e atinge outros patamares, incluindo o antropológico. A procura da identidade com o negro norte-americano e de todo mundo, espalhado nas Antilhas, em França, Portugal e Inglaterra, com destaque para os escravos. Os embarcadiços mensageiros que rasgam o Atlântico, por via dos cruzadores oceânicos, é uma das variáveis discursivas da sua geração, como ocorre no seu “Canto de Esperança”, cujo título guarda intertextualidade com “Sagrada Esperança” de Agostinho Neto, dedicado a “todas as mães negras cujos filhos partiram”. Cantando a esperança Viriato invoca o dia da liberdade, o dia da humanidade.
Aqui captam-se influências, confluências e leituras individuais e geracionais, como já ficou visto. A dedicatória a Jacques Roumain, a quem dedica este poema épico, fala por si.
Destarte, o poeta também era prosador. Havia escrito um romance que se extraviou no seu tirocínio pelo mundo, no vasto triunvirato por si percorrido – África, Europa e Ásia, onde foi locutor dos serviços de língua portuguesa da Rádio China.
O poeta Viriato da Cruz, “animal político” por excelência, morreu amargurado e desiludido na China, em Junho de 1973, por ter apostado vez por outra no cavalo errado em termos de adesão: feito “corpo estranho” no GRAE da FNLA e de Holden Roberto, após ruptura por “insanáveis” divergências político-ideológicas com a liderança do movimento que ajudara a fundar, e a opção geo-estratégica que lhe valeu a fatal vingança chinesa, em virtude da sua apurada contestação do culto da personalidade a Mao Zedong, nos seus próprios domínios, além de não pactuar com a leitura das autoridades que lhe acolhiam sobre a evolução das estruturas sociais em África. Exilado na China, viu ser-lhe tirado o tapete e morreu na maior miséria franciscana deste mundo, sem o que prover a si e aos seus.
De resto, vale sublinhar que as ressonâncias da integridade espiritual africana da poesia de Viriato da Cruz tem encontrado ressonâncias em alguns autores da nova vaga, que experimentam, entre outros recursos, o bilinguismo e a poesia dialógica, cultivada pelos autores em alguns dos seus textos poéticos, resgatando uma vibrante tradição literária angolana, em contraposição com a visão da portugalidade e o mito do lusotropicalismo, e (re)afirmando a angolanidade.
Paz à sua alma no Alto das Cruzes e arredores por onde circunda a sua alma, depois da trasladação das suas ossadas, em 1990(?), da China para Angola, sua terra bem amada, cujos desencontros da vida, conforme canta Bonga, lhe matou de desgosto de tanta saudade da Pátria, porque tanto dera no seu denodado combate de intelectual “engagée”.
O poeta morreu fulminado por um ataque do miocárdio. Desde então deixou de bater o coração do poeta mas a sua poesia continua viva e profunda, inspirada na força telúrica da afirmação da idiossincrasia angolana.
Uma merecida homenagem a um vulto de Angola, e apesar do reduzido número de poemas que deixou, um grande poeta.
ResponderEliminar