22 de maio de 2013

"VIRIATO DA CRUZ - CARTAS DE PEQUIM"



"VIRIATO DA CRUZ - CARTAS DE PEQUIM"

Coordenador Michel Laban Editora Chá de Caxinde - Luanda - 2004

PREFÁCIO de Edmundo Rocha

 O período da vida de Viriato da Cruz passada na China Popular reveste-se ainda hoje de um manto de mistério e de fascínio. A publicação da correspondência de Monique Chajmowiez / Viriato da Cruz, então exilado na China e da entrevista quê Monique dá a Christine Messiant e a Michel Laban, pela Editora Chá de Caxinde, em Luanda, têm o mérito de rasgar esse véu tenebroso e permitir-nos, pela primeira vez, compreender a imensidão do drama que os dirigentes comunistas chineses impuseram a Viriato da Cruz, à sua mulher Eugénia e à sua filha, o sofrimento e a solidão espiritual, a terrível sensação de clausura e o sentimento de se encontrarem totalmente cortados do mundo. Viriato traduz esses sentimentos na carta de 23.07.1971 a Monique:... "L'éxilé par-tout est seul; mais, ici, il l'est beaucoup plus qu'aílleurs."

Ao decidir mergulhar num país longínquo e distante do teatro da luta de libertação em Angola, luta de que ele fora um dos principais impulsionadores, ao criar, em Luanda, dez anos antes, o Partido Comunista Angolano, Viriato assume uma gravíssima decisão que o iria afastar da realidade africana e transformá-lo gradual mas inexoravelmente num refém da máquina orwelliana chinesa.

Aceitando o cargo de dirigente da facção pró chinesa da Organização dos Escritores Afro Asiáticos [com sede pró soviética no Cairo], e ao comungar intensamente, nos primeiros tempos, nos acontecimentos da Revolução Cultural que agitaram profundamente todas as camadas sociais da China Popular, Viriato entendia ser coerente consigo próprio dando um total apoio ao país que encarnava as esperanças da humanidade, ajudando os camaradas chineses a consolidar e aprofundar a revolução.

É certo que os dirigentes chineses receberam de braços abertos o revolucionário africano que tinha demonstrado uma enorme capacidade criativa e mobilizadora ao fundar e organizar o MPLA, primeiro em Conackry e, depois, no Congo Leopoldville. Os chineses entendiam que Viriato da Cruz poderia facilitar a penetração ideológica do socialismo maoista no continente africano, e que, possivelmente, poderia vir a recuperar as posições perdidas na direcção do único movimento progressista angolano. Uns e outros enganavam-se redondamente. Daí nasceu um grave malentendido com consequências trágicas para Viriato e para a sua família.

Monique mostra de maneira subtil que as expectativas mútuas, tanto de Viriato como dos comunistas, saíram profundamente goradas alguns anos depois da sua chegada a China, sobretudo após o périplo pelas capitais Africanas de uma delegação da Organização dos Escritores Afro Asiáticos (OEAA). No final da viagem de regresso a Pequim, Viriato elabora a pedido dos dirigentes chineses, um relatório sobre os resultados políticos desse périplo africano. Viriato estava longe de ter a mesma visão optimista dos chineses sobre a eminência da Revolução Mundial. Viriato estimava que os países africanos ainda não tinham condições objectivas para realizarem a revolução socialista, mesmo os mais progressistas, como o Mali, a Guiné e o Gana. Longe disso. Apesar da sua posição frágil na China Popular, dependente dos favores do dragão chinês, ele não modifica as suas conclusões.

Ao recusar-se corrigir o seu relatório político dirigido às cúpulas chinesas, Viriato demonstrava, por um lado, uma grande firmeza de julgamento, mas, por outro, ausência de pragmatismo e de flexibilidade. Esses aspectos do seu carácter já lhe tinham valido graves dissabores na sua curta vida política aquando da crise de 1962 - 63, no seio do MPLA. O relatório pessimista elaborado por Viriato ia contra a doutrina maoista da iminência da revolução mundial.

Á medida que a Revolução Cultural evoluía e se aprofundava, alterando as estruturas sociais e económicas tanto nos meios urbanos como rurais, arrastando imensos dramas individuais e colectivos, tal malestrom que tivesse varrido a imensidão da China ao belo prazer de dirigentes orweilianos, os chineses apercebem-se de que Viriato se distanciava cada vez mais das teses maoistas. Não conseguimos, no entanto, compreender a atitude dos chineses em manter refém Viriato da Cruz, quando seria mais simples expulsá-lo definitivamente da China. Mas os chineses temiam a inteligência superior de Viriato e das consequências negativas que ele poderia causar à causa maoista, se ele saísse da China.

Monique mostra-nos também o que foi a luta titânica mas infrutífera de Viriato Cruz para tentar fugir às garras do dragão chinês e obter o apoio de dirigentes africanos de passagem por Pequim. A recusa sistemática dos vários líderes africanos pressentidos em atribuir-lhe um título de viagem que lhe permitissem sair da China, o desinteresse revelado pêlos angolanos então residentes em Pequim pela dramática situação da família Cruz, mostra o abismo entre as afirmações sobre os valores de respeito e de solidariedade entre africanos e a sua tradução na prática.

Os últimos tempos da vida de Viriato de sua família foram de um dramatismo extremo, levando Viriato a actos que revelavam os tremendos os tremendos conflitos que atravessavam a sua mente. As graves carências alimentares fragilizaram-no e conduziram-no a uma morte precoce, na maior miséria física e espiritual. No entanto, derradeira humilhação foi a maneira abjecta como levado para o cemitério dos estrangeiros entaipado entre quatro tábuas, transportado num camião militar. Penso que o povo angolano não esquecera jamais esta afronta feita pelos dirigentes comunistas chineses a um dos principais lideres do movimento nacionalista que ainda hoje dirige os destinos de Angola.

Esse notável revolucionário angolano, que fizera do marxismo o seu farol ao ponto de procurar esclarecer Monique sobre aspectos fundamentais dessa filosofia, e de tomar descabidamente posição na gigantesca luta entre as várias facções chinesas, umas a favor outras contra as teses maoistas, experimentou na sua própria carne as consequências da adopção de uma intransigente liberdade intelectual individual nos antípodas do sistema colectivista de negação total dos direitos individuais da condição humana e do homem como ser pensante.

Viriato da Cruz morreu, vítima dos seus próprios ideais, das suas profundas contradições humanas e políticas ao longo da sua curta vida, mas também da total ausência de solidariedade dos seus compatriotas africanos a quem ele dedicara toda a sua vida.

Os depoimentos de Monique Chajmowiez tem um grande interesse político e humano permitindo ao leitor angolano aperceber-se do carácter e da personalidade daquele que foi um dos fundadores e arquitecto do MPLA.


Edmundo Rocha
Lisboa, 25.08.2003

                             Fonte: Casa de Angola em Lisboa  (http://www.casadeangola.org)                                                                                                                                                                            
                                                 
                                                                                                                                                               
                

1 comentário:

  1. Bom documento sobre os difíceis dias de Viriato da Cruz na China.
    Abraço.

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