Às estrelas
Vou falar das crianças famintas
E gritar quantas
De entre elas
Morrem de fome
Antes mesmo de terem um nome
Décio B. Mateus
In A Fúria do Mar
Dia Internacional da Criança
feriado na Banda Ngola.
Festejam-se os meninos-musseques
rotos esfarrapados de vácuos na barriga
louca inchada de sopros esfomeados.
Celebram-se os meninos-musseques com sóis
assassinados no olhar
como ontem, quando o vento Leste soprando
trazia no ventre a revolta a esperança
a indignação e a promessa...
A PROMESSA rubra-negra do vento
amanhecida na manhã de Fevereiro
e jurada na madrugada rubra de Novembro.
Promessa, hoje, falhada perdida no trilho-vento
e arrepiada nos olhos tristes dos meninos-musseques
pata rapada sem eira nem beira
minguados de amor carentes de esperança.
Meninos-musseques vendo cair a chuva
sobre as chapas negras das cubatas,
brincando nas lamas dos esgotos e lixeiras
como antigamente o neto da Ximinha
chapinhando brincando contente e nu
como se alguém fosse brincar contente
sobre a tuji lamacenta malcheirosa lixeirenta
invadindo os becos fedorentos dos musseques.
E chegando de charuto na boca em fatos gordos
engomados, os senhores globais vêm dizendo:
Ah! Mas não tenham pena destes moleques negros
porque o sol brilha e o clima tropical-paraíso aquece
e por isso andam rotos descalços esfarrapados...
Olhai olhai as belas barrigas inchadas das meninas,
crianças ainda e já grávidas, gente promíscua
esta gente este povo de musseque, olhai as orgias
bebedeiras e sexualmente lascivos pecaminosos...
Só nós vemos as barrigas das meninas parindo fartura de fome
e os Meninos-musseques nutridos de um vazio infame e doente
corroendo alma e estômago fome que não sentes e não vês.
A fome a doença as cubatas de chapa e vejam como eles ainda
sabem rir brincar sorrir... e morrer neste mundo-musseque
fétido imundo podre alienado de tanta promessa assassinada.
No entanto, ao largo e ao perto sob a beleza do céu
tropical, jorram do mar e das praias caluandacabindasoyo
farturas negras negras de petróleos
homenageando tua pele negra, negra como a noite
concentrada na brutalidade dos musseques das belas Luandas
proliferando nesta nossa Angola linda.
Os cobiçados diamantes da Lunda brilham fortunas
e corrupções que não cobrem a nudez negra de tua pele
e não acariciam de brilho os teus olhos
espelhos hialinos feitos para desejar o mundo...
petróleos diamantes e todas as outras muitas riquezas
desta terra de Angola linda não chegam ou não chovem
suave de mansinho sobre os meninos-musseques
cobrindo assim tua nudez
saciando assim tua barriga inchada
curando assim tua dor-doença
matando assim tua ignorância....
Ah! Meninosninas negros negros dos musseques negros
abarrotados de negros fétidos brutos matumbos ignaros
como ontem nos antigamentes da vida ignaros...
Onde estão onde foram as PROMESSAS
promessas feitas na manhã de Fevereiro
e juradas na madrugada rubra de Novembro?
Ah! Meninosninas monas candengues musseques
aprisionados num futuro agonizado tresmalhado:
Vós sois o futuro criminal das ruas
Vós sois o futuro kitata dos becos e esquinas
Vós sois o sol de um futuro sonhado e assassinado
Vós sois ainda os monangambas lavadeiras serviçais
turba proletária pretos matumbos, ontem e hoje,
reprimidos para além dos asfaltos da vida
do mesmo asfalto antigo e feito presente hoje mesmo.
Onde estão onde foram as PROMESSAS
promessas feitas na manhã de Fevereiro
e juradas na madrugada rubra de Novembro?
E o Sol, astro de liberdade, vem acariciar tua pele
neste e todos os dias que deviam ser teus e não são
meninosninas do musseque e só ele sabe:
Vós sois o Amanhã transbordando revoluções
sobre as ruas-praças-avenidas conjugando as promessas
feitas e não cumpridas neste komba canção de musseque.
Namibiano Ferreira – 31/05/2007
Banda Ngola - Terra de Angola.
Musseque - Bairro pobre, favela, bairro-de-lata.
Tuji - Merda.
Kitata - Prostituta.
Monangamba - Carregador, servical.
Matumbo - Estupido.
Komba - Cerimonias funebres tradicionais.
Amigo Namibiano: Muito obrigado pela referência altamente lisonjeadora. Gostei do espirito da mensagem, gostei deste justo grito de revolta a favor das nossa garotada sofrida. Thanks.
ResponderEliminarDécio Bettencourt Mateus
Decio tenho de confessar que ao terminar este poema o achei demasiado forte e poderia/pode ser usado, por mentes erradas, para me chamarem de racista e sei la mais o que... mas tu sabes que nao o sou e se um poeta nao fala a VERDADE e defende o seu Povo e lhe da voz que homem, que poeta sou eu? So para falar da beleza do Deserto, das praias, das selvas, da Kalandula, de Pungo Andongo?! Nao! A alma e a verdade nao se vendem e tu sabes disso, temos os teus pes descalcos. Obrigado mano,
ResponderEliminarKandandu
Namibiano Ferreira
Namibiano: Li e reli o poema. A abordagem de questões de raça não implica necessariamente racismo. Por isso para mim está OK!
ResponderEliminarKandandu,
Decio Bettencourt Mateus
Obrigado meu mano!
ResponderEliminarKandandu